quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Vencendo as ciganas




Ali estava eu, extasiada diante da mesquita, em pleno centro de Córdoba. Foi quando chegaram as ciganas. Lindas como só elas sabem ser, com seus cabelos negros e dentes de ouro. Cercaram-me com a algaravia que lhes é peculiar. “A ver la suerte niña”. Disse que não, e que, ao contrário, eu lhes poderia ver a sorte. Sorriram, apontando para o bindi que tenho no meio da testa. Uma delas me entregou um galho de alguma planta dizendo que era para dar proteção. Aceitei.


Outra logo foi me pegando na mão e ainda que eu dissesse que não queria saber do futuro ela foi dizendo coisas acerca do que iria me acontecer. Já não adiantava mais. Eu estava pega na armadilha. Não haveria mais como escapar. Essa é a tática milenar.


Eu conheci os ciganos quando criança, pois em minha cidade natal havia muitos. E ficavam sempre num terreno perto de casa. Era impossível ignorá-los. Para nós, que éramos crianças, parecia um mundo tão misterioso o daquela gente, vivendo nas tendas. As mulheres com seus vestidos coloridos, a música tocada com violinos e os bailes ao redor da fogueira. Coisa mágica. Os adultos diziam para termos cuidado que eles eram ladrões de crianças, mas era impossível não sucumbir diante daquele universo tão diferente do nosso. Ali ficávamos, extasiados. Aprendi com eles que é uma obrigação das mulheres andar a ver a sorte e então, desde aí, sempre paro e dou atenção. Respeito demais essa tradição e esse povo.


Mas, nessa fria manhã em Córdoba, a simpática cigana me enganou. Após ler a sorte pediu um trocado. Fui buscar uma moeda. Não aceitou dizendo que moedas traziam má sorte. Tinha que ser dinheiro de papel. “Só tenho 20 euros”, expliquei. Disse que trocaria. Aceitei. Então, quando lhe passei a nota dizendo que lhe daria de bom grado 5 euros, ela agradeceu e disse que era aquilo ali mesmo. Não haveria troco. Zanguei-me. “Tu estás me roubando”. Ela riu, “Seriam 40 euros, uma para cada mão”. E ficou ali um bate-boca que, sabia, não resolveria o problema.


Foi então que decidi apelar para os meus poderes. Tirei os óculos escuros e pedi que me olhasse bem dentro dos olhos. Ela olhou, as demais companheiras acompanhando, sorridentes. Haviam pegado uma trouxa. E eu, tomando-lhe a mão disse, muito séria, os olhos grudados nela: “Eu te respeitei e tu me enganaste. Vou te jogar agora uma maldição. Em menos de dois dias uma tragédia muito grande vai se abater sobre ti e tua família. Ojo, nena, ojo”. Ela sustentou meu olhar e estremeceu.


As demais deram um passo atrás. “Es bruja, es bruja”... murmurou, atarantada. E, olhando para as amigas disparou: “dame cambio, dame cambio”... Não tinham.

Ela, ainda sob a força daquela maldição me disse, “venha, venha, vou trocar o dinheiro”. E se foi, como louca a pedir a um e outro comerciante que trocasse os 20 euros. Voltou e me passou os 15 euros. “Retira a maldição, retira a maldição”, pediu. Eu então disse a ela: “nunca mais engane alguém que está te respeitando como eu estava”. Ela assentiu e parecia que o que mais queria era se ver livre de mim. Peguei meu troco, retirei a maldição e sai. As ciganas ficaram a murmurar. Estavam realmente assustadas. Eu me fui pela rua, sorrindo. Foi uma coisa mágica. Em plena capital do antigo mundo árabe, eu vencia cinco ciganas nas artes do sortilégio e do engano.


Por primeira vez convenci-me de que de fato, sou bruxa. Naquela mesma hora, no meio da praça quase deserta, tocaram os sinos. Coloquei meus óculos escuros e segui, poderosa...

Um comentário:

Cícero Nogueira disse...

Estupenda narrativa!
Respeito e admiração!