quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Vitória dos TAEs da UFSC






 “Cada vez que eu dou um passo, o mundo sai do lugar”... A frase do compositor pernambucano Siba expressa muito bem a luta social: no mundo dos trabalhadores nada se conquista sozinho. Tudo é um longo processo de construção que implica muita gente, cada um dando um passo e movendo o mundo. Ontem, na UFSC, os TAEs garantiram uma importante vitória depois de décadas de batalhas, com avanços e retrocessos. Foi finalmente aprovado o Controle Social e a flexibilização dos horários. A decisão do Conselho Universitário amalgamou uma longa caminhada de luta que só a organização coletiva dos trabalhadores foi capaz de dar conta. 

Quando os órgãos de controle iniciaram uma campanha para obrigar a instalação de relógio ponto na universidade os trabalhadores começaram todo um processo de construção de alternativa visando mostrar que uma universidade não é uma fábrica de salsicha. Ela se move em terreno imaterial, o trabalho envolve inúmeras funções que exigem processos diferenciados. Não se tratava de fugir do ponto, mas de deixar claro que o ponto não era a melhor opção para o controle público do trabalhador público. 

Como sempre acontece, buscando o mais fácil, os dirigentes da época preferiram atender a indicação da CGU e do Ministério Público e chegaram até a comprar os relógios. Mas, a força da luta dos trabalhadores e, principalmente, o extraordinário trabalho da categoria na proposição de alternativa, mudou o curso do rio. Depois de muito debate coletivo os TAEs conseguiram aprovar a criação de um grupo de estudo, o “Reorganiza”, que iria levantar a situação dos setores e apontar outro jeito de prestar contas à sociedade sobre horário de trabalho. Foram longos meses de trabalho, debates, conflitos, até que tudo ficou pronto. Consolidava ali a proposta das 30 horas e do Controle Social, uma maneira de ampliar o atendimento na UFSC e de garantir qualidade de vida aos trabalhadores. Mas, quando chegou a hora de aprovar o relatório, a então reitora Roselane Neckel decidiu não levar adiante a proposta.

Os TAEs realizaram até uma greve local específica que, desgraçadamente acabou por conta da direção do sindicato que trouxe os aposentados para uma assembleia de desmobilização.  

Apesar desta triste derrota a luta não parou e nos anos seguintes os trabalhadores continuaram suas mobilizações. A universidade foi mudando e as propostas do Reorganiza também precisaram ser revistas. A luta pelas 30 horas seguiu, mas também apareceram novas formulações, como o teletrabalho e a flexibilização, que seguiam as novas tendências pós-pandêmicas. Alguns projetos pilotos foram criados e ali também foram dados importantes passos de transformação. Quando o reitor Irineu Manuel de Souza se elegeu, levava junto também a promessa de oficializar estas práticas que já se expressavam em vários espaços da UFSC.  

A discussão ontem no Conselho Universitário foi mais um passo nesta longa batalha dos trabalhadores técnico-administrativos que, desde sempre, entendem serem eles os mais qualificados para apresentar propostas sobre suas vidas laborais. Apesar de haver uma “tradição” de que são os professores os sábios, na UFSC os TAEs já mostraram que são capazes de atuar ombro a ombro na construção da universidade. 

Assim que, mais uma vez, com a força da luta coletiva, com um sindicato forte, com capacidade de convocatória, os trabalhadores acorreram em grande número à reunião do CUn, dispostos a arrancar a vitória com a força de seus argumentos e sua mobilização. Desta vez, as conquistas vieram. Foi bonito! 

É certo que as batalhas não acabam aqui nesta vitória que é dos TAEs e que é também da administração do Irineu, que cumpriu sua promessa. Com mudanças estruturais na forma-trabalho outros novos desafios certamente aparecerão e, mais uma vez, os trabalhadores terão de encontrar caminhos. Novos passos, novas mudanças de mundo. 

Para a nova geração que ontem lotou o auditório da reitoria fica essa deliciosa sensação de vitória. Mas, sempre é bom deixar registrado que ela não veio por conta do hoje. Ela é fruto de uma fieira de gente que lutou, que quase foi demitido (como o Daniel), que foi perseguido (como a Juliane), que ficou doente, que precisou se afastar, enfim, companheiros e companheiras, com nome e sobrenome, que pavimentaram essa conquista. 

O sindicato foi gigante. E mostra que ainda é por esta via que a organização se faz. E os trabalhadores de hoje fizeram sua parte, garantindo essa importante vitória para todos nós.

Um viva aos os trabalhadores e trabalhadoras!  Ontem o mundo saiu do lugar...

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Um dia para os TAEs

 


 Ontem foi um dia de alegria para os trabalhadores técnico-administrativos da UFSC. Um dia histórico. Uma reunião especial do Conselho Universitário concedeu, pela primeira vez, o título de “TAE Emérito” para quatro trabalhadores que encerram – em cada uma de suas trajetórias singulares  - a expressão de um tempo de luta renhida, de amor pela universidade e de compromisso com o trabalho público. Foram homenageados Raquel Moyses, Helena Dalri, Angela Dalri e José de Assis, um quarteto de peso e de passagem inesquecível pela UFSC.

A decisão da homenagem é também uma vitória do Sintufsc, que durante muito tempo batalhou para que, assim como os professores – que são sistematicamente homenageados como professor emérito – também os TAEs pudessem desfrutar desta honraria. Afinal, é mais do que sabido a importância dos trabalhadores TAEs na construção do conhecimento dentro da universidade. Vai muito longe o tempo em que o TAE era visto apenas como “figura da burocracia”. Desde sempre eles são fundamentais no suporte ao ensino, pesquisa e extensão, atuando ombro a ombro com o professorado, pois, como já bem explicou o filósofo marxista, Alfred Sohn-Rethel, nenhum trabalho é possível sem o elemento intelectual. Logo, não pode haver divisão entre trabalho braçal/burocrático e trabalho intelectual, um contém o outro sem possibilidade de separação. 

A honraria aos TAEs é aprovada justamente no mandato do reitor Irineu Manoel de Souza, e não poderia ser em outro, visto que Irineu, que entrou na UFSC como TAE e dirigiu o departamento pessoal por muitos anos, sempre soube dar o devido valor para a categoria. É igualmente inesquecível a passagem do Irineu pelos cargos de direção, tanto no cuidado com os TAEs quanto com os estudantes, no DAE, sempre garantindo o respeito e a participação. 

E foi a vitória destes valores que pudemos acompanhar ontem na reunião especial do CUn. Foi verdadeiramente emocionante ver os colegas sendo homenageados e lembrados com as palavras mais certeiras sobre suas atuações na UFSC, que deixaram marcas indeléveis. 

Os homenageados:


RAQUEL JORGE MOYSÉS -  Raquel atuou como repórter na Agência de Comunicação. Coordenou como Chefe de Reportagem o premiado Jornal Universitário, colaborando de forma decisiva na construção da Política de Comunicação da Agecom, que foi replicada como exemplo em várias universidades do país. Profundamente vinculada às lutas dos trabalhadores atuou no Sindicato dos Trabalhadores, o Sintufsc, primeiro como Diretora de Comunicação e depois como Coordenadora Geral. Liderou importantes batalhas pela manutenção do HU público e contra o Assédio Moral. Depois de sofrer censura e assédio na Agecom, durante a gestão de Áureo Moraes, acabou se integrando ao grupo que fundou o Instituto de Estudos Latino-Americanos, o primeiro no gênero em todo o país. Seu amor pela UFSC e seu compromisso com a instituição estão plasmados no trabalho que deixou eternizado nas páginas do JU.  

HELENA DALRI - Helena atuou no Centro de Ciências Jurídicas, no Curso de Direito, sendo reiteradamente reconhecida pelos alunos em incontáveis formaturas, escolhida como nome de turma ou paraninfa. Sua capacidade de trabalho sempre foi reconhecida, inclusive pelos adversários que amealhou ao longo de sua vida como liderança dos trabalhadores, primeiro na Associação e depois no Sindicato. Foi no ano em que presidiu a Asufsc, na primeira vitória da esquerda, que garantiu a criação do Sindicato dos Trabalhadores, o Sintufsc, abrindo um importante caminho de luta para os Trabalhadores Técnico-Administrativos. Dirigiu grandes greves nos anos 1980, 1990 e 2000, quando as lutas eram massivas e a defesa da universidade pública era a grande pauta. Sem lugar a dúvidas, Helena foi a mais importante liderança dos TAEs em todos os tempos. Sua postura ética e capacidade de articulação são até hoje insuperáveis. 

ANGELA DALRI - Ângela atuou no Centro Socioeconômico, no Curso e Administração e já nos primeiros anos se converteu em importante liderança junto aos trabalhadores, articulando os colegas para as lutas que se faziam pródigas em defesa da universidade pública. Foi diretora do Sintufsc em vários mandatos, incluindo uma coordenação geral, se destacando pela capacidade de organizar o trabalho sindical, bem como as atividades necessárias nas greves. Era ela quem constituía as equipes de trabalho circulando dia e noite pela universidade para garantir as mobilizações. Era conhecida como “formiguinha" por estar incansavelmente envolvido em alguma tarefa. Nas greves era a primeira a chegar a última a sair, sempre se destacando pela criatividade na construção das ações sindicais. 

JOSÉ DE ASSIS - Poucos trabalhadores que já passaram pela UFSC amaram tanto esta universidade como o José de Assis. Atuando por décadas no Departamento de Assuntos Estudantis era muito amado pelos estudantes, por sua capacidade de atender a cada um e cada uma com uma eficiência inigualável. Dono de memória fotográfica, conhecia cada pasta de arquivo - quando estas eram de papel - dos milhares de estudantes da UFSC e se orgulhava disso. Sempre foi envolvido com a defesa da universidade pública e com a luta dos trabalhadores. Foi coordenador geral do Sintufsc e também ocupou outros cargos no sindicato, trabalhando infatigavelmente pela melhoria da vida dos trabalhadores. Seus discursos, nas greves e nas plenárias da Fasubra, eram capazes de incendiar os auditórios. Por sua pródiga memória tinha sempre na ponta da língua os números das leis e de toda sorte de decretos, tornando-se um oponente imbatível nas mesas de negociação. Apesar de ter tido uma passagem pelo grupo da direita da Universidade foi capaz de mudar e mergulhar de cabeça na luta sindical, tornando-se uma das mais importantes lideranças dos TAEs. De temperamento alegre e dono de uma pureza inigualável amealhou mais amigos que inimigos. Seu amor pelos estudantes sempre foi seu ponto forte e enquanto diretor do sindicato o apoio aos estudantes foi a sua marca.
As homenagens a esses especiais e amados colegas nos enche de orgulho, emoção e alegria. Nestes tempos em que o cargo de TAE está em vias de extinção por conta da reforma administrativa é muito significativo viver esse momento.

Gracias infinitas ao povo do Sintufsc e ao nosso reitor Irineu! Foi bonito demais!

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Hoje é dia do Saci


 




Fotos: celebrações do dia do Saci no centro de Florianópolis

Até os anos 60 do século passado a vida da gente era completamente imbricada com a natureza. As grandes cidades ficavam muito distantes e as crianças vivenciavam toda a beleza de conhecer e compartilhar as figuras míticas, moradoras das florestas e dos cantos escuros dos lugares onde viviam. Desde pequenos, os meninos e meninas aprendiam que no meio da noite vagava um negrinho, pastoreando uma boiada, e que se alguma coisa se perdesse dentro de casa era só acender uma vela, e o negrinho ajudava a encontrar. O negrinho do pastoreio era visto nas noites de chuva, quando os relâmpagos riscavam o céu, imponente, no seu baio, cavalgando no rumo das estrelas. 

Nas tarde de inverno, quando os redemoinhos varriam as ruas, a gurizada saia como foguete, com suas garrafas de bocas abertas, buscando aprisionar os Sacis Pererês. Porque afinal, desde sempre aprendiam que o negrinho de uma perna só costumava estar sempre no meio do redemoinho e só aí, quando estava distraído, girando no vento, é que se podia pegá-lo. De resto era sempre um tal de fazer estripulias, batendo janelas, quebrando as louças, levantando as saias das moças. O Saci é guri frajola, serelepe, cheio de alegria e de liberdade.

E se vinha a noite fechada, as crianças entravam em casa, porque sabiam que lá fora, na mata, haveria de andar o boitatá, a cobra de fogo que come os olhos dos bichos, ou ainda o lobisomem, buscando sangue fresco, e o curupira, arrastando os pés virados, procurando pela mula-sem-cabeça. Esse era um universo conhecido e reproduzido nas escolas, na família, nas rodas de conversa ao pé do fogo. 
Já na ilha de Florianópolis, além de todos esses animais míticos também voejavam as bruxas, fazendo rodar as saias, empurrando as canoas para o alto mar, encantando os pescadores, fazendo sortilégios. Era bater o vento sul e as famílias já ficavam de orelha em pé.  

Mas, aí veio a urbanização, o crescimento das grandes cidades, o capitalismo apertou seus laços, infundiu a ideia do consumo. E, além da dominação econômica que já se apresentava, com o Brasil subordinado a bancos internacionais e governos de fora, outra dominação foi tomando conta da vida das gentes: a cultural. 

Já não bastava mais importar o jeito de produzir, a maneira de fazer as coisas, mas era necessário também copiar a cultura, o modo de ser no mundo daqueles que economicamente já dominavam a vida por aqui. Foi assim que se introduziu a moda, com a calça jeans, a minissaia, ou a música, com a introdução da guitarra elétrica e o rock, abafando de vez a marchinha, o xaxado, o baião e a vaneira. 
No cinema, dava-se adeus aos musicais inocentes e aos filmes do caipira Mazzaropi, recheados da vida nacional. Era chegada a hora de Roliúde e seus enlatados repletos de ideologia, colonizando as mentes, apresentando mentiras. Os faroestes estadunidenses endeusavam os cowboys e demonizavam os índios. Os filmes de ação apresentavam os soldados estadunidenses como heróis, salvando o mundo dos horrores das guerras, dos comunistas, e os dramas consolidavam a certeza de que bom mesmo era viver em apartamentos com carpete, fumar Malboro e encontrar o homem dos sonhos, que seria branco, alto e de olhos claros. 

A partir daí foram-se ocupando os territórios mentais. As cidades cresceram, se modernizaram, e as gentes se faziam cada vez mais parecidas com aqueles que, de certa forma, já dominavam no terreno da economia e da política. Bom mesmo era cantar em inglês e não foram poucos os jovens cantores brasileiros que iniciaram suas carreiras cantando na língua estrangeira. Um bom exemplo foi Morris Albert, que fez sucesso no mundo todo com a música “Feelings”. Cantar em português era coisa de brega. Nas festinhas a juventude enrolava um inglês que sequer se entendia. Papagaios.

O conceito de colonização diz que essa situação se faz real quando se conquista um território e se estabelecem novos moradores de acordo com o desejo dos que dominam. Pois foi exatamente isso que aconteceu com a gente. Nas cabeças das crianças, desde a mais tenra idade, foram sendo plantados novos conceitos, totalmente alienígenas. E esse tipo de controle chegou também no campo dos mitos. De repente, já ninguém mais falava em Saci, Curupira, Boitatá, Mula-sem-cabeça. Pela via do cinema cresceu a figura do vampiro e das festas estadunidenses. Uma delas é o Dia das Bruxas.

Até uns 20 anos atrás o tal do “Raloim” era celebrado apenas nas escolas de inglês, o que até tinha certo sentido, uma vez que quando se aprende uma língua há que se aprender algo da cultura do povo. Mas, depois, de mansinho, a festa foi se imiscuindo na vida cotidiana dos jardins de infância das escolas públicas e particulares, espaço de terra virgem, onde a colonização mental tem uma força tremenda. Sem que as famílias percebessem, os elementos mais enraizados da cultura estadunidense começaram a fazer morada na vida da criançada brasileira. Abóboras, a lenda do Jack, enfim, todos os elementos da belíssima lenda de origem celta que foi trazida aos Estados Unidos pelos colonos ingleses. Coloniza-se a cultura e movimenta-se a máquina do capital.

Ao contrário do significado cultural e místico que o Raloim tem nos Estados Unidos, aqui, ao ser transferido de forma artificial, o tal “dia das bruxas” nada mais é do que uma data a mais para vender coisas, que aparecem em profusão nas lojas: abóboras, máscaras, fantasias. Desafortunadamente, essa colonização mental não acontece unicamente no Brasil, ela toma conta também de quase todos os países latino-americanos, onde se pode ver a indefectível abóbora nos 31 de outubro de cada ano.
No Brasil, um grupo de ativistas da cultura do interior de São Paulo começou desde há anos um importante trabalho de conscientização sobre a história da cultura nacional. Grupos como a Sociedade dos Observadores do Saci, a Sosaci, tem dado contribuição importante nesse processo, produzindo vídeos e outros materiais educativos visando recuperar os antigos mitos e lendas da cultura indígena e negra. Levando esse debate por todo o país, os militantes da Sosaci lutaram muito para que fosse instituído o dia 31 de outubro como o Dia do Saci, fazendo com que nosso moleque, de raiz indígena e negra, vença de uma vez por todas a dominação cultural do “raloim”, como bem atesta o manifesto do grupo. “Nós, brasileiros, temos nossos próprios mitos, que não ficam nada a dever a esses importados, comerciais, que são usados para anestesiar a autoestima do nosso povo. Respeitamos os mitos dos outros, mas não queremos que eles sejam usados pela indústria cultural como predadores dos nossos. E, Cada vez mais, muitos brasileiros começam a compreender isso. 

Uma prova são eventos como “O Grito do Saci”, realizado em São Luiz do Paraitinga, Estado de São Paulo, que atrai muita gente e cria uma catarse geral, uma lavação de alma. Outra prova é a onda de adesões que a Sosaci (Sociedade dos Observadores de Saci) recebe de vários pontos do país. O Saci, a Iara, o Boitatá, o Curupira, o Mapinguari , as bruxas da ilha e muitos outros brasileiros legítimos estão aí para serem festejados, sem espírito comercial, como nossos legítimos representantes no mundo do imaginário popular e infantil”. E assim é.

A discussão que foi criada em torno da celebração do Dia do Saci em nada tem a ver com a xenofobia ou o desrespeito a outros povos. Momentos como o Dia dos Mortos no México, o Inti Raimi na América Andina e o Halloween nos Estados Unidos representam a essência cultural de cada um dos povos que os reverenciam. Assim, a celebração dos nossos mitos autóctones é justamente a retomada do nosso território cultural que há tanto tempo vem sendo invadido e colonizado. Respeitar e dialogar com as demais culturas é rico e saudável, mas o preço disso não pode ser a destruição das nossas memórias ancestrais. 

O campo da cultura é sempre um espaço muito mal cuidado pelos movimentos sociais e sindicatos de luta. Faz-se muita política, discute-se o capitalismo, mas muito pouco se discute o pilar de todas as mudanças que é o imaginário popular, a cultura. Desde aí se pode avançar com muito mais eficácia no processo de transformação da sociedade. Se desde bem pequenas as crianças tomarem contato com a beleza que vive no seu próprio espaço de vivência, muito mais fácil será trabalhar conceitos como soberania, liberdade, pensamento crítico, transformação.

A proposta do Dia Nacional do Saci, já definida como 31 de outubro, não é pueril, muito menos folclórica. É uma resposta inteligente e criativa a um longo processo de colonização mental que impera no nosso país desde a invasão europeia. Destruíram muitas culturas originárias, impuseram determinadas crenças e hoje, buscam homogeneizar a cultura. Mas, por todos os cantos do Brasil se levantam os amantes do Saci, do Curupira, do Boitatá, de Iara, Mãe d´água, Boto cor-de-rosa. Todos juntos se encontram nesse dia 31 para uma grande festa com carne seca, mandioca e viola. Porque nossa cultura autóctone tem beleza demais para se render aos interesses do capital.
Mas, para isso, é preciso que cada brasileiro faça sua parte. Pais e mães precisam retomar as velhas histórias, escolas devem ensinar os antigos mitos e toda a gente deve celebrar esse dia 31 de outubro como o dia do Saci e de todos os seus amigos. 

Em Florianópolis o grupo da Revista Pobres e Nojentas celebra desde o ano de 2003, no 31 de outubro, o Dia do Saci e seus amigos. Com atividades de rua e com divulgação busca  dialogar com a população, apresenta a história dos mitos locais, incentiva o festejo da cultura nacional. A mobilização até rendeu até a criação de uma lei municipal que estabelece esse dia como um dia de celebrar o gurizinho de uma perna só, retrato amalgamado da nossa cultura, juntando elementos indígenas, negro e europeu. Mas, como muitas leis, não vingou. O Saci segue bem esquecido.

Os mitos brasileiros são nossa herança cultural e não podem morrer. Eles mudam, se transformam, se atualizam, mas seguem apontando caminhos. Por isso, não se perdem. Então, preste muita atenção quando passar pelos taquarais que ainda resistem por aí na ilha de Santa Catarina. Ao ouvirem os barulhinhos de “cloc, cloc, cloc”, atentem-se. São os Sacis nascendo. Eles nascem dentro das taquaras e bambus. E estão vindo, aos milhares, pulando em uma perna só, fazendo bagunça na proposta de destruição cultural que o império tenta nos impor. 

Saci vive e está bem aí, do seu lado. Com ele, voam as bruxas da ilha, balançando as cabeleiras e enroscando nossos corações. Acredite! Viva o saci e seus amigos...
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quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Reforma do estado, proposta de destruição




A conferência de Vladimir Nepomuceno, que atua como assessor de várias entidades sindicais, em atividade conjunta do Sintufsc e Apufsc, colocou às claras o que é o projeto de Reforma Administrativa apresentado pelos deputados da direita brasileira, que chega ao Congresso sob o nome de PEC 38. Nada mais, nada menos do que a reedição da proposta de FHC quando, nos anos 1990, tentou embarcar na onda neoliberal que alardeava ser o melhor dos mundos. Para os empresários e os ricos, é claro. Não para a classe trabalhadora. Tanto que, naqueles dias, foi rechaçada. Bresser Pereira queria implantar a lógica do cidadão-cliente num estado mínimo – para a maioria – e máximo pra a classe dominante: só consumiria serviço público quem pudesse pagar. 

Só que este cadáver da reforma administrativa nunca foi enterrado. Ficou por aí, em alguma gaveta, fedendo e clamando vida. Agora, com o Congresso quase que completamente apandilhado, servindo a interesses que não são os da maioria dos brasileiros, ele volta à baila, de novo com o velho discurso de “progresso”, “modernização” e “pleno desenvolvimento”. O centro da questão é a reforma do Estado, a proposta de redução da máquina pública e a abertura de espaço de negócios para o empresariado local e estrangeiro. 

Vladimir observa que nada de novo se poderia esperar de uma proposta que vem formulada pela Fecomércio, Fiesp, Confederação Nacional das Instituições Financeiras, Confederação Nacional do Transporte, capitaneadas pelo Instituto Lemann. Sim, o documento que dá origem à PEC foi construído sem a participação de instituições do setor público e totalmente baseado em indicações do BIRD, um banco internacional. Ou seja: é o mundo empresarial definindo como o Estado vai se organizar, assumindo sem pejo o que Marx já denunciara, “o Estado é o balcão de negócios da burguesia”.  

A proposta prevê uma centralização completa da vida pública na esfera federal. Estados e Municípios sequer poderão definir de forma autônoma quais as políticas públicas que fortalecerão ou não. A decisão sempre virá de cima, sem apelação. Prevê ainda um processo de avaliação das políticas totalmente baseado em produtividade. Ora, como medir produtividade no serviço público, se o que move não é o lucro? Também propõe que sejam criados centros regionais de digitalização, centralizando todos os dados públicos, visando obviamente entregar esses dados para a iniciativa privada. Hoje, por exemplo, toda a folha de pagamento da União está na mão da Microsoft. Um verdadeiro absurdo. 

A reforma também aponta que os atuais órgãos autônomos como Ministério Público e Defensoria perdem sua autonomia, o que é um tremendo golpe para a maioria da população, já que estes são órgãos aos quais se busca quando falha a ação governamental. Pois, com a reforma, eles estarão reféns do estado. Além disso, o projeto agrilhoa ainda mais o serviço público visto que haverá limite de verbas para as políticas públicas.  

Os trabalhadores então ficarão completamente submetidos ao governo central, mesmo os que atuarem como servidores estaduais ou municipais. Todas as regras de administração da carreira, cargos, estágios, procedimentos disciplinares etc... sairão de Brasília. Também serão extintas as carreiras. Haverá uma tabela de remuneração única, sem separação por cargos, o que apaga as suas complexidades. Ou seja, um trabalho de alta complexidade pode ser remunerado com o mesmo valor de um trabalho menos complexo, desestimulando cada vez mais a carreira pública. Ficará mais atrativo ser contratado como temporário do que como servidor público. 

O rosário de maldades previsto na reforma inclui ainda congelamento de salários, congelamento de vagas, contratos precários, extinção de cargos, redução das carreiras, fim da progressão por tempo de serviço e a ampliação da presença das Parcerias Público Privadas, o nome bonito para a ação das empresas privadas no serviço público. Só os trabalhadores das carreiras consideradas de estado serão servidores públicos. Será o fim de serviços essenciais para a população como os da Previdência e do SUS. 

A direção de tudo isso pode ficar na mão da Fundação Lemann, através do Movimento Pessoa à Frente, outro nome bonito para um projeto de destruição, já que pelo que já comprovado, onde a Fundação Lemann bota a mão, o negócio fenece. Lembrem que foi essa gente que deu o golpe no escândalo das Lojas Americanas, falida por fraude contábil, com um rombo de mais de três bilhões de reais. E o mais emblemático é que o trio que “quebrou” as Americanas, entre eles Lemann, hoje está 42 bilhões de reais mais rico, e dando cartas inclusive no governo Lula no campo da educação. 

O documento de 600 páginas que dá estofo ao projeto tem ainda muito mais bombas para explodir no colo dos trabalhadores públicos e da população brasileira. Daí que desvelar esse jogo passa a ser fundamental. Informar a população e construir uma luta massiva contra essa reforma é urgente, sob pena de entrarmos agora, em 2025, no furacão destrutivo da ordem neoliberal, que já foi testada e falida em várias partes do mundo. Um retrocesso, portanto.

Não será fácil, a considerar a conformação do Congresso, com ampla maioria de ultra direita. Mas, a luta terá de ser feita. Se pá, a gente vence!

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

A Palestina será livre

Gaza antes do massacre





Israel leva mais de um ano bombardeando Gaza, Palestina. Um genocídio à céu aberto. O que era uma cidade linda e pujante à beira mar agora é só escombro. Pouca coisa resta em pé. Dos dois milhões de moradores, praticamente a metade foi dizimada. Mortos, mutilados, desaparecidos somam mais de 700 mil pessoas. Milhares de crianças assassinadas, hospitais bombardeados, médicos fuzilados, jornalistas assassinados, escolas e creches explodidas. A fome sendo usada como arma, com Israel impedindo a distribuição dos alimentos que chegam de todo mundo. Tudo isso sendo praticado sob os olhos do mundo, transmitido via internet, disponível nas telas dos celulares. 

A propaganda sionista valida o genocídio dizendo que os palestinos são terroristas. E nas redes lemos e ouvimos comentários de pessoas que, mesmo sem conhecer a história, respaldam esse discurso mentiroso. Como podem ser terroristas as crianças que vagam pelos caminhos, feridas, sem pai nem mãe? Como podem ser terroristas os bebês que morrem de fome ou explodidos pelas bombas? Mulheres e homens, velhos e velhas, gente trabalhadora que até um ano atrás viviam suas vidas, sobrevivendo ao campo de concentração que Israel tornou Gaza. Hoje, metade da cidade pereceu. Trabalhadores, crianças.

Israel diz que a culpa de tudo isso é do Hamas, grupo de resistência que luta pela libertação da Palestina. Tampouco esses militantes são terroristas. São pessoas que lutam contra a ocupação militar, selvagem e ilegítima de seus territórios. Travam uma batalha desigual já que Israel é uma potência militar, armada até os dentes por seu parceiro maior, os Estados Unidos. Reagem à violência, respondem à invasão sistemática que expulsa os palestinos de suas casas, de seus olivais. Quem, sendo roubado e violado sistematicamente não reagiria? 

Agora, depois de mais de um ano de bombardeio Israel obriga a população restante, que se abriga nos escombros, a sair de Gaza. Diz que ali vai construir outra cidade, só com colonos judeus. É uma invasão, um massacre, um genocídio. Quer que todo palestino seja eliminado e está obrigando as gentes a sair do território em gigantescas colunas. Colunas estas que são também bombardeadas, violando todo e qualquer vestígio das regras mínimas de um confronto. 

É por isso que não se pode dizer que há uma guerra. Não é uma guerra. É um genocídio. Os palestinos são vistos como insetos pelos sionistas, não humanos, não-seres. Daí a magnitude do massacre. Por isso é possível ver os soldados sionistas fazendo troça dos despojos das famílias que eles matam. Estouram a cabeça dos palestinos e vestem suas roupas, gargalham, fazem troça dos brinquedos que ficam largados nos caminhos. Quem afinal, nesta história, é não-humano? 

Em todo mundo se levantam as gentes, mas são os sem-poder. Os que comandam silenciam. Quando muito, fazem um discurso aqui e ali, retórico. Agora querem reconhecer o estado Palestino. Agora, quando Gaza já não há. Pessoas impotentes gritam nas ruas, outras navegam em direção à Gaza, em barcos pequenos, numa desesperada tentativa de ajuda. São igualmente ridicularizados pelos meios de comunicação. Os barcos são atacados, sequestrados, e tudo segue normal. O mundo dorme em berço esplêndido. Ninguém se atreve parar Israel. Por quê? Consideram que os palestinos são insetos? E que não importa se forem dizimados? 

Israel avança sobre Gaza, com tanques e máquinas de limpeza. Querem “limpar” a área, tomar o mar. Israel bombardeia os países vizinhos e ninguém se importa. São árabes. E Israel avança. Irá até onde? Quem sabe... Junto com o candidato ao Nobel da Paz, Donald Trump, buscam a paz dos cemitérios...

Não vislumbro esperança para Gaza. Mas, espero da humanidade. As milhares de pessoas que saem às ruas em solidariedade à Gaza se sabem impotentes, e não desistem. Hão de gritar até o fim, mesmo que não haja quem ouça. Porque mesmo que tudo seja aplastado, um dia, mais hoje, mais amanhã, os palestinos voltarão. E os malditos criminosos haverão de pagar... 


quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Florianópolis e a Airbnb



Na foto: Ammar Aziz, Gerente de Políticas Públicas do Airbnb no Brasil; Topázio Silveira Neto, Prefeito de Florianópolis; Fiamma Zarife, Diretora Geral do Airbnb para América do Sul e Juliano Richter Pires, Secretário de Turismo, Desenvolvimento Econômico e Inovação de Florianópolis. Créditos: Allan Carvalho/Prefeitura Municipal de Florianópolis.

A Prefeitura divulgou com pompa e especificidades foto do prefeito de Florianópolis com representantes da plataforma Airbnb anunciando uma parceria de compartilhamento de dados para "fomentar o turismo". É isso num momento em que uma cidade explode em novas construções dos chamados “estúdios”, que nada mais são do que pequeníssimos apartamentos feitos unicamente para especulação. Se até então a plataforma do Airbnb organizava aluguéis de curta temporada juntando proprietários de um imóvel interessado em ganhar um troquinho, agora já existem empreendimentos inteiros feitos especialmente para servirem deste tipo de aluguel. E, é claro, o que é bom para alguns acaba sendo um inferno para grandes levas de gente. 

O primeiro problema causado por esta plataforma de aluguel de curta duração é que começa a faltar imóveis para aluguel normal, ou seja, para pessoas ou famílias morarem por longos períodos. Os donos dos imóveis obviamente obtêm muito mais lucro alugando na lógica da alta rotatividade, evitando assim problemas com inquilinos. Mas, as pessoas que precisam morar num lugar acabam ficando sem alternativas porque, ou não encontram imóveis ou têm de pagar valores altos. Para se ter uma ideia há estúdios sendo personalizados no bairro Trindade, próximo à universidade, por 3.600 reais ao mês, um valor exorbitante numa quitinete de 30 metros quadrados. 

Cidades turísticas são as que mais sofrem com essa explosão de aluguel de curta duração e algumas delas, principalmente na Europa, já estão proibindo a ação da plataforma. Ocorre que o Airbnb não se configura uma rede imobiliária ou hoteleira, ela vende a tecnologia, a plataforma. Sendo assim a empresa não paga qualquer imposto como o fazer os hotéis normais ou as imobiliárias. Então, para ela, tudo é lucro. Isso levou o movimento dos hoteleiros a reivindicar uma regulamentação ou mesmo a decisão. Paris, Londres e Barcelona estão na lista das cidades que proibiram este tipo de plataforma depois de verem os moradores sendo praticamente expulsos das cidades por conta da alta dos aluguéis. No caso do Brasil, que é um país dependente e subdesenvolvido, o problema fica ainda maior porque o déficit habitacional já é bastante elevado. 

Em Florianópolis, onde o bonde do cimento avança, o déficit é de 20 mil moradias e todos os dias as pessoas se deslocam para as cidades vizinhas em busca de aluguéis mais baratos, pois é quase impossível viver na capital. Considerando que a média dos trabalhadores está em 3.600 reais fica impraticável morar e comer, visto que como já foi aqui, uma quitinete custa isso por mês. Nos bairros praieiros, principalmente no sul da ilha, o deserto de famílias já é visível. Com os prédios subindo na beira da praia, todos eles voltados para especulação, viver por ali ficaram impraticáveis, ainda mais considerando que a prefeitura não oferece qualquer mudança na estrutura viária, de saúde, de água ou luz. Isso significa um surto desproporcional e muitos incômodos para os moradores. 

Aqueles proprietários que usam suas próprias casas para alugar no verão ficam maravilhados com a possibilidade de deixar tudo por conta de uma plataforma gigante como o Airbnb, mas no longo prazo acabarão por serem também responsáveis ​​pela destruição dos bairros como espaço de moradia. As casas hoje mudaram para investimentos financeiros e toda a lógica comunitária está mudando. No longo prazo esse aluguel orgânico, feito só na temporada, já não servirá mais e o turista vai preferir a comodidade dos prédios preparados para esse tipo de negócio. Ganha a plataforma multinacional e perde o morador local. O déficit habitacional cresce e o abismo social se aprofunda. O fim da história já sabemos de cor.

Há que compensar essa lógica e principalmente há que orientar e informar os moradores das cidades sobre essa prática predadora, típica da capital que só pensa em se expandir sem qualquer preocupação com as pessoas. 

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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

A percepção da notícia em Florianópolis




Por solicitação do vereador Leonel Camasão (Psol) aconteceu ontem (21.08) uma Audiência Pública, na Comissão de Educação da Câmara, para discutir os resultados de uma pesquisa realizada pelo Laboratório de práticas para o jornalismo local, vinculado às Pós Graduação dos cursos de Jornalismo e Sociologia Política da UFSC. A pesquisa, apresentada pela professora Andressa Dancosky, traz dados importantes sobre como a população de Florianópolis se conecta com o jornalismo local, analisando hábitos, interesses, sustentabilidade, engajamento e participação. 

A proposta de uma discussão destes dados surgiu principalmente pelo fato de a pesquisa ter apontado que o sítio mais procurado pela população de Florianópolis para se informar sobre a realidade local ter sido o “Floripa Milgraus”, uma página que se autodenomina de “humor manezinho”.  Este dado mostra de maneira cristalina o quanto a cidade está abandonada pelos meios de comunicação, que não priorizam a notícia local. Isso acaba provocando a migração do público para as redes sociais, nas quais vão encontrando informações que aparentemente lhes dizem respeito. O Floripa Milgraus, apesar de ser uma página de humor apresenta cotidianamente informações sobre acidentes, casos policiais e situações citadinas, aparecendo assim como uma fonte de informação do local. 

A audiência pública tinha como objetivo colocar os vereadores da Comissão de Educação a par dessas informações para então propor alternativas no sentido de garantir uma informação qualificada para a cidade. Mas, como sempre acontece quando um tema é proposto pela oposição, nenhum vereador da comissão apareceu. Ainda assim, o vereador Camasão assumiu a coordenação da audiência e o trabalho seguiu. Na plenária estavam muitos jornalistas e representantes de projetos de comunicação comunitária, independente e popular, além da representação da UFECO, ACI e Sindicato dos Jornalistas.  

A pesquisa apresentada pela professora Andressa ouviu 604 pessoas entre maio e junho de 2024. Destas 69,7% se identificaram como brancas, 27,4% como negras, 1,2% como indígenas e 0,5% como amarelas. 33,3% ganham entre três e cinco salários mínimos, 21,4% entre um e dois salários e 17,1% com renda superior a dez salários. 

Para os entrevistados o principal motivo que os leva à busca de notícias é o interesse pessoal e em segundo plano o interesse social. Sobre os temas que mais interessam, as respostas mostraram claramente que, pelo menos no que diz respeito à mídia tradicional, há um abismo. Os temas mais buscados – e não encontrados – foram educação, cidadania, prestação de serviços, meio ambiente, saúde e alimentação. O tema “celebridades e entretenimento” foi o último colocado.  

A pesquisa também aponta que a principal fonte de informação são as redes sociais (55,3%), mas a televisão ainda tem certo poder (25,3). E 79,5% dos entrevistados consideram jornais e jornalistas as fontes mais confiáveis. Pagar para ler notícias foi considerado o principal motivo para desistir (73,5%). Vai aí uma boa dica para os sítios de notícias que escondem notícias só para assinantes. 

Os dados revelados não apresentam muita novidade, pelo menos para quem está atuando no campo do jornalismo comunitário e popular. Estas sempre foram percepções da empiria, por isso é bom ver que uma pesquisa realizada com parâmetros científicos reforça o que já se sabia. A experiência mostra que as pessoas querem saber das coisas locais, elas tem sede e fome de notícias que digam respeito aos seus problemas mais prosaicos, por isso talvez que páginas como a do Floripa Milgraus  seja bem vista, porque ali assomam questões como trânsito, segurança e esporte. 

Outra questão importante para problematizar é a de que esse jornalismo que a população quer, plasmado na pesquisa, já existe. Ele é praticado em Florianópolis em algumas experiências como jornais de bairro, a Rádio Campeche, o Desacato, o Catarinas, a Pobres e Nojentas, ente outros. Ocorre que fazer reportagens e manter um sítio atualizado de notícias não é coisa barata. Aí entra o financiamento. Muitos destes veículos que já existem patinam na falta de recursos, e acabam produzindo menos do que poderiam. Por isso a mídia popular e independente tem feito movimentos no sentido de também garantir para si os recursos públicos que migram em milhões para a mídia comercial. O governo do estado, por exemplo, dispendeu esse ano, até agora, 20 milhões de reais para apenas dois grupos de comunicação que têm rádio, televisão, portal e jornal impresso: NSC, afiliada da Globo, e ND, afiliada da Record. A Assembleia Legislativa transferiu para Acaert (entidade dos patrões do rádio) cerca de 15 milhões para reproduzir seus programas. A pergunta é: por que então não há repasse para as outras mídias? Essa é uma batalha antiga que não avança em Santa Catarina.

O mais impactante da pesquisa é que ela mostra de maneira luminosa que o jornalismo praticado hoje na mídia comercial não interessa e não serve à maioria da população. Isso muito provavelmente explique o porquê da página do prefeito da cidade ser tão vista e seguida. Ainda que recheada de enganos e manipulações, a página fala da vida cotidiana, do parquinho, da praia, das coisas da vida real, da cidade real, das pessoas reais. Na verdade, a comunicação do Topázio segue muito mais as dicas da realidade do que até mesmo alguns espaços ditos de esquerda, que acabam distribuindo informações muito particularizadas e sem interesse imediato para o trabalhador.

É fato que a disputa no campo comunicacional sempre existiu e sempre foi muito desigual para os veículos de cunho popular, independente ou comunitário. E, agora, com o advento das redes sociais, as pessoas acabam buscando aquilo que tem mais a ver com seus interesses pessoais, como aponta a pesquisa. Isso também explica o sucesso da página do deputado Sérgio Guimarães – que foi repórter e se apresenta assim na sua página do Instagram – porque ali se encontra muito mais notícias da cidade, ainda que sob o seu viés político singular, do que em outros espaços da mídia popular. 

A pesquisa deu boas pistas para o pessoal da política, dos movimentos, dos sindicatos, dos meios populares. Ocorre que no caso dos veículos populares o quesito financiamento ainda é um nó cego. Uma mídia dos trabalhadores deveria ser financiada pelos próprios trabalhadores, mas, muitas vezes há que se recorrer a financiamento que podem, inclusive, ir contra o propósito de soberania popular, como são os projetos financiados por fundações estadunidenses ou outras instituições forâneas, que logicamente têm seus interesses, que não são os nossos. 

Por fim, a plenária apontou alguns encaminhamentos que foram entregues ao vereador Camasão que, ainda que ele não seja da comissão de educação, deverá encaminhar o relatório final. Para os jornalistas que lá estiveram fica a esperança de algo se avance, ainda que essa novela do financiamento seja bem antiga e muitos passos já tenham sido dados, sem que os projetos tenham realmente saído do lugar. 

O que fica de bom é a certeza de que o jornalismo ainda é algo que realmente interessa à população e que o jornalista ainda goza de credibilidade. O que reforça ainda mais a responsabilidade do nosso fazer. Reportar o local e mirar o universal é a velha lição de Adelmo Genro Filho (teórico do jornalismo). Fazer isso é o nosso feijão com arroz, o que não impede que seja um feijão com arroz cheio de bossa.