sábado, 26 de agosto de 2023

Furdunço



Hoje foi um dia de chuvas e ventos, caiu até granizo. Quando a tarde escureceu todinha, o pai ainda dormia a siesta. Veio o temporal e ele nem viu. Pensei em deixá-lo no quarto, já que estava frio. Mas, acordar, tomar café e ficar ali, olhando para o vazio, não parecia certo. O pai gosta do furdunço que sempre assoma na nossa pequena cozinha onde organizamos uma gostosa poltrona para ele ficar. Com ele, ficam os cachorros, os gatos e a gente, circulando, estudando, fazendo coisas. Também tem a vitrola que toca suas músicas preferidas ou a TV com os doramas, que são os meus preferidos, mas que ele acompanha. A vida pulsa na cozinha. Melhor fazer a operação “ET”. 

Colocamos o pai na cadeira de rodas e cobrimos o corpo todo com um cobertor, inclusive a cabeça. Só os olhinhos ficam de fora.  Aí é sair correndo, atravessando o pequeno caminho que vai do quarto – que fica fora da casa - até a cozinha. Nisso o meu sobrinho Renato é craque. 

Chegando à cozinha ele se alegra vivamente. A música toca, os cachorros se achegam, mais tarde chega o bisneto, gritaria, confusão, furdunço. Ele ri bem faceiro, esparramado na sua poltrona, coberto com o cobertor quentinho. É hora da janta. Bagunça e falaceira. A vida em movimento. Não é que a parada não seja dura ou que a doença de Alzheimer não seja cruel. Mas temos aqui em casa essa coisa do bom humor, do riso, da alegria. Vamos enfrentando cada golpe da doença com graça, na valentia. E ver o pai alegre, em meio à barafunda da cozinha é bom demais. A gente já entendeu que a velhice precisa ser vivida na aldeia, no meio da muvuca, na quenturinha do amor. E assim, vamos indo... e ele, resistindo...

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