O ano de 2014 terminou de maneira pesada para os
trabalhadores técnico-administrativos em educação (TAEs) da UFSC. Depois de uma
inédita greve interna, da qual saíram fragorosamente derrotados, foi preciso
atravessar o deserto do recesso escolar para entrar o mês de março e, aí sim,
compreender que aquilo que se configurou como uma derrota, foi, na verdade, uma
vitória da categoria e da classe trabalhadora. Explico.
Terminada a greve coordenada pela Fasubra, na metade do ano
de 2014, os trabalhadores da UFSC voltaram às atividades. Traziam como bônus do
movimento uma importante mobilização pelas 30 horas, que é o atendimento ininterrupto
da universidade, em turnos de seis horas.
Já tinham avançado no debate e nas negociações com a reitoria. Mas, para
surpresa geral, tão logo acabou o movimento grevista, a reitora da UFSC,
Roselane Neckel, decidiu, sem qualquer debate com a comunidade, exigir a
jornada de oito horas para todos os trabalhadores. Sem considerar que,
historicamente, muitos setores já praticavam as seis horas, configurando uma
resistência importante nessa luta que é mundial, pela redução da jornada. Foi uma decisão autoritária e anti-democrática
que desconsiderou todo o processo de luta e mobilização dos TAEs.
Essa ação provocou grande descontentamento e a categoria, em
assembleias massivas, decidiu pela greve interna. Mas, aquela seria uma greve
diferente. Em vez de parar o trabalho, eles ampliariam o atendimento, abrindo
ao meio-dia e à noite. A universidade funcionaria em turnos de seis horas, de maneira
ininterrupta. Foi uma decisão histórica.
A greve que se seguiu foi bonita e mobilizadora. A
universidade adquiria outro frescor, oxigenada por uma nova geração que entrou
disposta a não deixar morrer as bandeiras históricas. Mas a batalha que se
seguiu mostrou também uma administração que - eleita com um discursos de
transformação - se mostrava mais autoritária do que todas as que já haviam
passado pela UFSC.
As teses da reitoria
A greve dos trabalhadores foi recebida com desdém.
Imediatamente a administração disseminou a tese de que aquela greve era
ilegítima, porque seria a sequência da greve da Fasubra, terminada por força da
Justiça. Logo, dizia Roselane, a greve interna era ilegal. Durante todo o
processo a reitora negou o movimento. Para ela, a greve não existia, ainda que
as movimentações fossem intensas e visíveis.
Baseada nessa tese, corroborada pela Procuradoria da UFSC, a
reitora também decidiu, de forma inédita, punir os trabalhadores com o corte de
salários. Passado um mês do movimento, os salários vieram descontados, a partir
de uma conta maluca que cada chefete de plantão fazia. Ninguém conseguiu saber
os critérios de contagem das faltas. Assim, pela primeira vez na história, os
trabalhadores tinham o salário descontado em greve, justamente na greve em que
não houve paralisação dos serviços. Uma aberração de autoritarismo e falta de
respeito com a autonomia do movimento.
Depois de três meses de luta e descontos, os trabalhadores se
viram obrigados a encerrar a greve, após terem sido traídos pelo Sindicato que,
numa assembleia, com o voto ilegítimo de aposentados, conseguiu maioria e
encerrou o movimento, recusando-se a encaminhar qualquer ação para proteger os
trabalhadores que estavam em processo de punição. Foi um momento de profunda
dor para os trabalhadores. Massacrados pela reitoria e traídos por parte dos
colegas. Não foi fácil.
Para fechar o processo, a reitoria ainda encaminhou para as
fichas dos trabalhadores grevistas as anotações de "faltas
injustificadas", o que, no jargão da administração é "sujar a
ficha" da pessoa. Trabalhadores em estágio probatório, por exemplo,
poderiam ser prejudicados na avaliação e mesmo os mais antigos poderiam ter
suas progressões negadas. Era uma pá de cal no grupo de lutadores que, durante
todo o tempo que durou a greve, teve de se bater contra o autoritarismo da administração,
a má vontade do sindicato e o silêncio cúmplice da comunidade universitária -
principalmente dos professores.
O tempo da justiça
A derrota do movimento tinha sido avassaladora. Sozinhos, os
trabalhadores tiveram de muito batalhar para que o sindicato minimamente
cumprisse sua função de defesa da categoria, até que, finalmente, fosse
decidido entrar na Justiça para requerer a legalidade da greve e a limpeza das
fichas, já que para os trabalhadores aquele tinha sido um movimento diferente
do da Fasubra, uma greve interna, portanto legítima.
Os meses se passaram, foi feito um bazar de denúncia e
arrecadação de dinheiro para os descontados, veio o natal, o ano novo, o
carnaval. A universidade dormia em berço esplêndido nas férias escolares e
ainda tripudiava sobre os derrotados, com um grupo de professores insistindo em
defender a retomada das eleições para reitor no sistema de 70/30. Mais um golpe
para cima dos TAEs, visando impedir que tivessem peso na decisão. Não bastava
ter cortado os pescoços, era necessário esquartejar os corpos todos.
Tudo parecia em paz. A administração seguia feliz, deitada
nos louros da vitória sobre os trabalhadores. Mas, no final do mês de fevereiro, passados os
festejos de momo, a justiça se manifesta sobre o mandado de segurança dos
trabalhadores, que discutia a legalidade dos descontos de salário.
Na sentença do juiz Diógenes Teixeira caiu por terra a tese
da reitoria, sob a qual Roselane Neckel tentou alavancar sua batalha contra os
TAEs. A greve era legítima e não estava vinculada à greve da Fasubra. O juiz,
como já assinalavam os trabalhadores, considerou que a greve era um outro
movimento, portanto, não estava sob o peso da ação judicial que encerrou a
greve da Federação. Perdeu, Roselane.
Vencida essa etapa e sendo a greve um direito dos
trabalhadores, igualmente sem conexão com o movimento anterior, a reitora teria
de amargar outra derrota política: as fichas dos trabalhadores teriam de ser "limpas"
por força da lei. Se a greve era um movimento ilegal, as faltas que pudessem
decorrer delas não era injustificadas. A lei garante ao trabalhador o direito
de lutar. Logo, uma falta de greve é uma falta justificada. Roselane teria de
voltar atrás na decisão de "sujar" a ficha dos grevistas. Perdeu!
O juiz ainda definiu que o corte de salário era facultado à
administração - uma decisão política, portanto - mas que não poderia passar dos
10% . Como muitos trabalhadores tiveram descontos que passaram dos 50%, os
valores teriam de ser devolvidos. Nova derrota para a administração.
Assim, os trabalhadores da UFSC, que saíram de 2014
derrotados, iniciam o mês de março com uma vigorosa vitória política. Todas as
teses da reitoria foram derrubadas. Toda a luta vivida por quase três meses
pelos trabalhadores adquiriu legalidade perante a administração e todos os atos
de injustiça cometidos contra os trabalhadores tiveram de ser revistos.
Roselane e Lucia - reitora e vice - tentaram quebrar as
pernas dos trabalhadores, principalmente dos novos, que foram a força vital do
movimento. Não conseguiram. As esperadas 30 horas não vieram, mas todos sabem
que aquela foi só uma das muitas batalhas que ainda precisam ser travadas nesse
processo de redução de jornada. Essa não é uma luta isolada da gente da UFSC. É
uma demanda mundial. As novas tecnologias já permitem um processo de trabalho capaz de garantir a
redução da jornada. Isso é uma questão de tempo.
A reitora Roselane Neckel, que se elegeu com o apoio dos
TAEs e estudantes, perdeu o bonde da história. Poderia ter sido aquela que
mudou a vida das universidades, a que teve coragem de começar um novo tempo na
história dos trabalhadores. Não foi. Preferiu entrar para a história da UFSC
como a primeira reitora a descontar salários em greve e a primeira a decidir sobre o processo de
trabalho dos TAEs sem qualquer diálogo com eles. Autoritária e surda aos
anseios de seus colegas de instituição, teve de recuar por força da Justiça.
Perdeu!
Agora, em 2015, os TAEs da UFSC já começam a se mobilizar
para uma nova campanha salarial. Novas lutas, novas batalhas. Nos corredores,
nas salas de trabalho, nos espaços da universidade já se pode perceber a
movimentação, a conversa, a mobilização. O ano de 2014 foi duro, mas não
derrubou ninguém. A vitória de Roselane foi de Pirro. A derrota dos
trabalhadores fortaleceu o grupo e impulsiona nova lutas.
A vida é como a primavera. Sempre brota depois do inverno.
Brotaremos!...