Desde bem menina eu lia
livros antigos sobre os bravos cavaleiros que defendiam a fronteira
sudeste da “mãe” Rússia contra os tártaros. Era os cossacos,
com seus gorros de pele, casacos pesados, botas longas e cavalos
ligeiros, que saltavam das páginas de Gogol, Puskin, Tolstoi. Meu
pai dizia que eles eram parecidos com os gaúchos, os que povoavam os
campos que víamos da janela. Homens livres, centauros, cruzando as
estepes geladas. Eu os amava e sonhava com eles. No toca-discos,
ouvíamos as canções cossacas e o mundo se enchia do tropel de
cavalos. Eles chegaram a ser o grupo militar mais temido do mundo,
tanto que Napoleão lhes rendeu loas, dizendo que, tendo-os,
conquistaria o mundo.
Durante a revolução
russa os cossacos se dividiram, uma parte lutou com os bolcheviques,
outra abominou a proposta comunista. Parte desse grupo, mais tarde
chegou a aliar-se ao nazismo. Foi um tempo difícil. Por conta desse
divisão, as gentes cossacas foram perseguidas, se dispersaram e
muito do mito do grande guerreiro cossaco desapareceu. Não em mim.
Vez em quando, as velhas músicas e os livros na estante da casa dos
meus pais, me remetiam outra vez às estepes e eles viviam outra vez.
Agora, com os conflitos
na Ucrânia eles me vêm, já que foram praticamente os responsáveis
pela criação do que hoje é esse país. De que lado estarão? Lendo
um texto aqui, outro ali, na imprensa europeia, vejo muitos jovens
reivindicando o passado cossaco, mas, aquele, quando os cossacos se
aliaram a Hitler. Tristeza profunda.
Por outro lado o
governo de Putin tem feito um trabalho de recuperação da identidade
cossaca, inclusive formando escolas militares cossacas, buscando
trazer os velhos ensinamentos dos guerreiros míticos das estepes. Há
até uma força policial especial formada só por cossacos que
patrulha as ruas de Moscou e de outras cidades russas.
Eu não tenho muita
informação sobre como isso está funcionando, nem sobre as
intenções políticas dessa etnia que ressurge com força. Mais de
650 mil pessoas se autodeclararam cossacas na Rússia atual. Se serão
os guerreiros livres do passado longínquo, ou a extrema direita
nazi, só o tempo dirá. Talvez as duas coisas, como na revolução
russa.
Mas, em mim, ainda
reverbera a canção que evoca os tempos mais antigos, os cavalos
ligeiros, a liberdade da estepe. E ela está aí, na voz do grande
Ivan Rebroff, que nem era cossaco, mas os amava, como eu.
Hoje assisti a algumas canções cossacas com tradução. Como seu pai, indentifiquei-os com o povo gaúcho. Orgulhoso de sua identidade, tenaz, livre.
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