Desde que comecei a cuidar do meu pai, diagnosticado com
Alzheimer, há uns três anos, tenho procurado encontrar caminhos para melhor
atender as exigências desse tempo da vida. O velho não é criança, então não dá
para aplicar as regras do trato infantil com ele. É preciso dar autonomia,
fazer com que se sinta capaz, respeitar suas escolhas e vontades. É um processo
intenso e difícil.
As coisas ficam ainda mais duras se a gente tem de
trabalhar. São pelo menos umas oito horas longe de casa, sempre em sobressalto.
Há pessoas que cuidam, mas a gente não descansa. Se o telefone toca, o coração
pula, se chega mensagem no celular, o peito aperta. Fica aberto aí um caminho
para a doença porque a sobrecarga é grande. O sono é pouco, a pressão aumenta,
e a gente parece viver num eterno torpor por conta da vigília intermitente.
Não bastasse o ataque físico, o psicológico também fica
roto. Afinal, aquele que cuida está sozinho. Com o tempo, já não há mais tempo
para os amigos e muitos vão sumindo. Não é culpa deles, cada um tem seus
próprios dramas para viver. A família ajuda, mas a confiança do velhinho se
fixa em uma única pessoa e ela é quem carrega o cuidado inteiro. Não é qualquer
um que pode dar banho, não é de qualquer um que aceita a comida, o processo de
dependência vai criando um torvelinho no qual o cuidador pode sucumbir.
Nesse diapasão, quem cuida do cuidador? Pois, ele mesmo. Ao
longo desse tempo nos cuidados com o pai fortaleci em mim uma certeza que eu já
tinha de que somos mesmo seres da solidão. E é isso aí. Não dá para esperar nada de
ninguém. Se a ajuda chega, é bom, mas não podemos querer que as outras pessoas venham
em nosso auxílio. Vejo nos grupos de
ajuda a familiares o quanto as pessoas sofrem por estarem sozinhas nessa
batalha danada. Mas, toda hora de angústia sempre é vivida na solidão. Não tem
jeito. Nem mesmo a pessoa que mais nos ama pode viver nossa dor. Ela é nossa. E
temos de nos virar com ela. Sei que isso é duro, mas é assim que é.
Podemos nos enterrar na tristeza ou podemos encontrar
pequenos pedaços de beleza espalhados pela estrada do cuidado. Aprendi que o
meu pai, apesar de seus devaneios, está muito bem. Faço por ele tudo o que
posso, o que não posso e um pouco mais. Dedico a ele meu tempo inteiro e sei
que isso o faz feliz. Vejo no seu rosto, sinto na sua risada, no seu passo miúdo,
sempre me procurando pela casa. Percebo sua confiança na forma como segura meu
braço quando vamos passear ou como fecha os olhos, quietinho, quando lhe faço a
barba. E mesmo quando explode em violência querendo “ir para casa” compreendo que
é coisa da doença e deixo que a raiva passe para depois estreitá-lo em meus
braços, dizendo que estarei sempre ali.
Quanto a mim, me esforço para cuidar da casinha que abriga a
minha alma. Faço pequenos momentos de meditação. Tomo uma boa cerveja enquanto
cozinho. Busco encontrar momentos para encontrar as amigas e os amigos mais
próximos, tomar um café, jogar conversa fora, ver as tendências. Também faço
ginástica, muita ginástica, fortalecendo o corpo, os músculos, cada pedaço de
mim. Basta o pai dar uma folga e lá estou eu estendendo minha toalhinha no chão,
dando duro nos abdominais. Procuro ficar forte porque sei que é só comigo que
posso contar. Pode parecer meio arrogante, mas não é. Saber da nossa solidão,
aceitar isso, é a única maneira de não sucumbir na auto piedade.
Sei que não é bolinho cuidar de uma pessoa velha, com
demência, sem grana para cuidadores, ou massagens, ou fisioterapias. Mas, busco
me virar à moda cubana, inventando, inventando e inventando, todos os dias e a
cada minuto. É assim que eu mesmo descubro as massagens, os exercícios, os
entretenimentos. E vou dando jeito, até quando preciso for.
Por fim, nossos velhos não são incômodos, muito menos castigos
de deus. Eles são uma janela para nossa mais profunda humanidade. E se a dureza
do cuidado com eles pesa, ela também estende o tapete vermelho para que assome
tudo aquilo que é de mais bonito em nós: o riso sem razão, o carinho, a
picardia, a ternura, o amor, a compaixão, a vontade de acertar, o cuidado
conosco mesmo.
Assim, vamos ficando melhores pessoas. O outro sempre é o
paraíso quando ele já existe dentro de nós.