Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

O caçador de carrapatos

Minhas tarde agora se tornaram lentas. Porque, nelas, compartilho a vida com meu pai. Todo dia é único, ainda que algumas coisas se repitam. Ele anda por uma vereda de esquecimentos, então, todos os dias, determinadas coisas precisam ser ditas mais uma vez.

Ele sempre se espanta que sua mulher, minha mãe, já tenha morrido. “Mas eu não sabia disso”. E eu: “sabia sim, é que tu esqueceu”. Outro espanto cotidiano é a demora para a consulta no dentista. Faz quatro meses que esperamos pelo chamado do Posto de Saúde. “Mas aqui não tem um dentista que se possa ir e pagar depois?” É que na cidade onde ele morava, lá no interior de Minas, era assim. Precisava de um médico ou dentista e ia. Pagava quando, como e quanto pudesse. Seu médico o conhecia mais que ele mesmo, 30 anos de parceria. Isso ele lembra.

Outra coisa que não esquece é da outra filha e o neto que vivem no Rio Grande. Toda hora arenga: como estarão?
Pois agora que uma das cachorrinhas está paralítica, ele tomou para si a tarefa de fazer carinho quando ela chora. Está sempre por perto e a qualquer chorinho, lá está, passando a mão pelo dorso, devagarinho. E não é que ela para de chorar na hora?
Fora isso, como é verão e tem bichos demais na casa, estamos vivendo o tempo dos carrapatos. Todas as tardes, depois de ver a Usurpadora, no canal do Sílvio Santos, vamos para o alpendre, para fazer a checagem dos cachorros, ver se apareceu algum carrapato. Enquanto eu faço a triagem ele fica de olho no chão. Descobriu que os bichinhos vez em quando passeiam pelo piso clarinho, vindos da grama. Fez-se caçador. Os olhos de lince percorrem atentos cada cantinho e por incrível que pareça sempre acha um. “Lá vai um, lá vai um”, grita, esperando que eu faça a caçada. Sua função é descobrir onde estão, não se atreve a pegá-los.
No final do dia ele faz a conta dos que achou e compara com os que eu achei nos cachorros. Se ganha em número, ri, satisfeito.
Se eu demoro a chegar ele fica andando pra lá e pra cá no alpendre, esperando para começar a vigilância . E quando eu assomo no portão, avisa: “já vi uns bichinhos”.
E assim vamos passando o verão, entre bichos, risadas e a lentidão do outono da vida.

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