Alzheimer/Velhice

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Abandonada pelos prefeitos, abraçada pela população


 Campeche mobilizado na luta contra o esgoto na praia

Comunidades do norte da ilha lutando pelo Rio Papaquara - Foto: Eduardo Dahse

Florianópolis é conhecida no Brasil inteiro pelo seu carnaval e pela estonteante beleza de suas 42 praias. Para incrementar o turismo, os governantes investem em anúncios milionários nas revistas nacionais, oferecendo a “ilha da magia” como um lugar de natureza exuberante, tranquilidade e prazer. Lugar de magia, até pode ser, mas quem faz a mágica são os moradores, que precisam dar tratos à bola para manter a cidade e as praias como espaço de beleza. Isso porque o abandono no que diz respeito ao serviço básico de esgoto tem colocado em risco não apenas as praias turísticas, mas também dezenas de comunidades que assistem, impotentes, a morte de seus rios.

No último mês, a comunidade do Campeche, sul da ilha, por exemplo, foi obrigada a realizar atos de fechamento de bocas de desague de esgoto nos rios locais, porque a praia está contaminada, em vários pontos, pelas águas servidas. Assim, desde quatro domingos atrás os moradores se organizaram e foram tapando, com sacos de areia, os canos por onde desaguam os esgotos de condomínios e outras residências, sem qualquer tratamento. A intenção tem sido despertar o poder público que parece ter abandonado as comunidades à própria sorte.

Durante o governo de Dário Berger, o Campeche foi contemplado com obras preparatórias para o tratamento do esgoto. Era o tempo do Programa de Aceleração do Crescimento, programa nacional de investimento em estrutura do governo petista. O bairro se movimentou. Vieram as máquinas, os canos e os moradores assistiram ao frenesi das obras com preocupação. Onde desaguariam as águas servidas que correriam pela rede de esgoto? Como o Campeche é um bairro que discute sua vida desde os anos 80, de maneira coletiva, o debate foi aberto. A proposta da Casan (empresa estadual que cuida da água e do saneamento), apoiada pelo prefeito, era construir um emissário submarino que levaria os dejetos para o mar, saindo atrás da ilha do Campeche. Naqueles dias houve protestos e levantamento popular.

Os moradores não aceitaram a ideia de jogar a bosta no mar, pois as experiências de emissários submarinos já comprovavam que os dejetos voltam e contaminam as praias. Foi uma longa luta. Como proposta alternativa, a comunidade apresentou projetos de estações de tratamento menores e espalhadas. O governo não concordou. A luta seguiu e acabou que nada aconteceu.   A comunidade ficou com a rede coletora pronta, mas ligando a lugar nenhum.

Com a chegada de César Souza Júnior à prefeitura, novamente veio à baila a problema do esgoto. A comunidade seguiu reivindicando e promessas foram feitas. O prefeito chegou a criar um programa chamado “Se liga na rede” e fez discursos prometendo atingir – em parceria com a Casan - 75% da cobertura de esgoto tratado na cidade. No Campeche, nada aconteceu. E nas demais comunidades também não. O problema estourou no início de 2016 quando a famosa praia de Canasvieiras, no norte da ilha, ficou contaminada pela sujeira que vinha do Rio do Brás. Foi um escândalo nacional. Turistas iam parar nas emergências com vômitos e diarreias, enquanto o rio agonizava em meio à merda.  Por conta do problema de Canasvieiras, outras comunidades praieiras começaram a se ligar que seus rios também estavam com problemas. No Campeche, os moradores detectaram vários pontos de desague de rio, completamente poluídos. Cursos de água como o Rio do Noca (conhecido como riozinho e point da praia) apresentavam água lodosa e cheiro ruim.

Naqueles dias, uma fiscalização na região de Canasvieiras, a respeito do rio do Brás, levantou que 57% das residências estavam com sistemas sanitários irregulares. Além disso, a capacidade de bombeamento do esgoto para a estação de tratamento estava baixa. Foram feitas promessas de ampliação dessa capacidade e realizada uma ação emergencial.  Mas, a ação do governo com relação a Canasvieiras não foi de resolução do problema, apenas de mascaramento. Vieram as máquinas e fecharam com areia a saída do rio na praia. A água contaminada já não escorria pela areia, mas o problema seguia lá. Desde aí pouca coisa foi feita realmente para resolver. A população bem sabia que tudo aquilo poderia se repetir.

Por conta do alerta em Canasvieiras outras comunidades passaram a vigiar suas praias. Foi o caso do Campeche, que percebeu pontos de desague de esgoto. O bairro do Campeche sofreu uma vertiginosa expansão nos últimos anos, com uma série de condomínios e prédios ocupando os espaços próximos à praia. Como existe a rede de esgoto pronta, muita gente acaba ligando o seu esgoto doméstico nela. Ocorre que não há estação de tratamento, e esse esgoto todo vai desaguar nos rios da comunidade. Por conta desse problema, moradores iniciaram uma campanha para que a prefeitura tomasse conhecimento da situação e oferecesse uma solução. Foram realizados atos e abaixo-assinados, mas nada aconteceu.

Nesse verão de 2017 quando os turistas chegaram a grande número, lá estava, de novo, o problema do esgoto escorrendo na praia. Vários pontos de desague formaram lagoas lodosas e malcheirosas que, inadvertidamente são usadas pelas famílias como espaços seguros para colocar os filhos pequenos. Preocupados com a possibilidade de viroses ou outras doenças atacarem os turistas e principalmente as crianças, os moradores iniciaram ações de denúncia e protesto. Assim, todos os domingos estão indo nos pontos de desague, fechando com areia e informando aos frequentadores da praia do perigo.  Já se completou um mês e nenhuma ação foi feita pela prefeitura ou pela Casan. Ao que parece, o prefeito Gean está mais preocupado em desmontar o serviço público e atacar trabalhadores do que resolver os problemas da cidade. E, no geral, os prefeitos costumam jogar o problema para a Casan, como se a saúde dos rios e da natureza da cidade não lhes dissesse respeito. É um descaso sistemático, só superado esporádica e paliativamente quando a mídia comercial mostra algum problema.

No último final de semana as comunidades do norte da ilha também realizaram protestos denunciando a poluição no rio Papaquara que é um efluente do Rio Ratones, e que, doente, pode afetar toda a Bacia do Ratones. O Papaquara deságua justamente da Estação Ecológica de Carijós e é fundamental que ele siga saudável e limpo. Para pedir providências do poder público, as comunidades ocuparam a estrada geral que vai para o norte distribuindo panfletos e conversando com turistas e moradores. Eles também buscavam conscientizar aqueles que de maneira irresponsável jogam seus esgotos na rede pluvial. É uma batalha difícil para aqueles que, organizados, estão sempre a proteger a cidade. Pois, tem de brigar com o poder público e também com os próprios vizinhos.

Já no Campeche, os moradores que vem fechando os pontos de desague na praia promoveram um abaixo-assinado chamando a atenção dos frequentadores da praia que imediatamente fizeram filas para assinar. Todos querem manter a praia bonita e limpa e entendem que é preciso haver uma ação urgente da prefeitura tanto na fiscalização das ligações irregulares quando na solução do problema. Desde há anos que a comunidade oferece alternativas, inclusive com projetos prontos, mas não encontra parceria nas administrações municipais.  

Os dados do município para tratamento de esgoto apontam que 53% da cidade é atendida pelo tratamento. César Souza chegou a prometer 75%, mas o que se vê todos os dias são problemas de poluição nos cursos dos rios e nas praias. O que está acontecendo então? Esses sistemas não são eficazes? Se não são, por que não chamar a comunidade para decidir e resolver? Como já falamos, desde há anos, por conta das reuniões do Plano Diretor, os moradores de Florianópolis já apontaram saídas. Só que os administradores fazem ouvidos moucos e preferem apostar em obras faraônicas e inúteis que só beneficiam quem as constrói. No fim das contas, a situação segue se agravando e, como sempre, são as pessoas, organizadas coletivamente, que precisam fazer o trabalho dos governantes.

A luta segue, para salvar os rios e a vida.


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