CARTA ABERTA AOS CONSELHEIROS
DA SAÚDE DE TODO PAÍS
Na sistemática luta
que travamos pelo aperfeiçoamento do nosso SUS há um tema que precisa de mais
discussão: a velhice. Vivemos no país um aumento cada vez maior do número de
velhos, e doenças como a demência – nos seus mais variados tipos – tem sido um
desafio para as famílias que precisam conviver com ela.
Faço parte de um grupo
no facebook de familiares de pessoas com Alzheimer e uma das coisas mais
impressionantes são os depoimentos sobre a dificuldade que é encontrar um
médico que realmente saiba o que fazer com o velhinho. No geral, as famílias
que não têm outro recurso a não ser o SUS enfrentam toda a tragédia que é não
ter o sistema funcionando, com falta de profissionais, filas e tudo mais. E aí,
o atendimento acaba também prejudicado. Até porque muitos dos profissionais que
estão nos Postos não têm muita prática com a coisa da demência. Então é
difícil. Como é comum na formação do médico brasileiro, a lógica é tratar a
doença e não observar o aspecto da saúde na sua totalidade. Assim, um problema
básico do velho com demência, a falta de sono, por exemplo, é tratada com
remédios para dormir, sem se levar em conta toda a situação que envolve a
demência. Isso acarreta, frequentemente, um sem número de problemas. Grande
parte desses remédios causa ainda mais confusão mental e não induz ao sono.
Outro sintoma, como as
alucinações, são tratadas com antipsicóticos, o que é um erro, pois acaba
piorando a situação na maioria dos casos. Isso sem contar os efeitos
colaterais de cada um dos remédios, que no velho com demência parecem se fazer
todinhos, quando não dopam completamente, impedindo o velho de ter uma
vida em família.
Nesse sentido,
garantir que o médico do posto tenha uma capacitação para o trato desses
pacientes é fundamental. Ou, melhor, que as equipes dos Postos de Saúde passem
a contar com um geriatra, também capacitado para as demências, que hoje parecem
ter aumentado significativamente de número. Essa é uma batalha necessária para
garantir verdadeiramente uma melhor qualidade de vida ao velho com demência.
Outra questão envolve
os cuidadores. Como as famílias são pequenas, em geral é sempre muito
sacrificante para quem assume o cuidado. No caso das famílias empobrecidas geralmente
alguém precisa parar de trabalhar ou de estudar para assumir o cuidado e esta é
uma situação que esgota demais a pessoa, que passa também a adoecer. Até porque
um a menos trabalhando significa ainda mais dificuldade para reproduzir a vida.
Seria muito importante
que o SUS pudesse oferecer cuidadores capacitados para que as famílias pudessem
contar com a possibilidade de solicitar um profissional para quando precisam
descansar ou fazer alguma atividade de lazer. O cuidado de 24 horas arrasa com
as pessoas. Alguns familiares comentam que deveria haver creche para idosos, onde
eles pudessem ficar durante o dia, mas isso não funciona bem para o velho com
demência. Esse tipo de doença exige uma rotina fixa e é impensável para um
cuidador deslocar o doente para outro ambiente, acordá-lo em determinado
horário e coisas assim. Ter um atendimento domiciliar é extremamente
necessário. Muitas vezes um dia de descanso repõe as energias de quem vive um
carrossel de emoções a cada 24 horas.
Estas são apenas
algumas ideias para a discussão, afinal, parece cada dia mais necessário que o
Estado deva garantir políticas públicas que atendam às demandas dos velhos com
demência e suas famílias. Já basta termos de vivenciar a romantização da
velhice, como se fosse uma “melhor idade”. Não é. E para as famílias
empobrecidas - que conformam a maioria - a situação é ainda pior. No geral, os
cuidadores são pessoas que também estão entrando na fase da velhice e o
desgaste acaba sendo maior. São velhos cuidando de pessoas mais velhas. E os
dramas envolvendo a doença bem como a impossibilidade de lidar com ela vai
constituindo almas em escombros, também incapacitadas para o cuidado. O
sofrimento é duplo: enfrentar a doença dos pais ou avós e desenvolver
sofrimentos mentais inexprimíveis.
É tempo de o SUS
abarcar esse grupo e é momento de os conselheiros de saúde começarem a
pressionar para que também esses serviços sejam prestados pelo SUS, com a
qualidade necessária. Envelhecer no capitalismo – sendo da classe trabalhadora
- é ter de enfrentar essa fase da vida com muito mais dificuldade que a fase adulta
– quando da exploração pelo trabalho. Porque o velho é visto como um inútil,
não produtivo, o que torna tudo ainda mais difícil.
Que o SUS avance para
o cuidado com os velhos, dementes ou não.
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