Alzheimer/Velhice

domingo, 15 de maio de 2022

Mais uma volta...


Nasci num 14 de maio, no meio do nada, em Japejú, Uruguaiana. Era uma madrugada de tempestade. Cheguei nesse turbilhão, miúda e silente, me acomodando às tormentas. Diz a mãe que eu não chorei e a parteira teve de sacudir bastante até que eu treinasse os pulmões. Quando menina sempre fui assim, quieta e atenta ao mundo que passava à minha volta. Cuidadosa com os lugares, com as pessoas, com os bichos, guardando na memória os detalhes, o que não era percebido pelos demais. 

Bem cedo, acompanhando meu pai nas suas lides radiofônicas, comecei a sonhar com ser jornalista. Esse sempre foi meu objetivo e eu o persegui como uma leoa. Mesmo quando todas as condições diziam que não, eu derrubava os obstáculos e seguia.  Tive um grande amor platônico. Saí de casa cedo, com 17 anos. Sempre cuidei de mim, sozinha e quieta. Fiz amigos queridos, amei, trabalhei, lutei e me diverti. Hoje começo a 61ª volta em torno do sol. Estrada longa de uma vida que se faz na plenitude. 

De tudo que vivi, relembro sempre as coisas boas e as tristeza deixo numa caixinha bem no fundo da memória, a qual raramente acesso. Aprendi que estamos aqui para desfrutar desse adorável jardim e que só levamos para o fim da vida o que se bebe, o que se come e o que se brinca. Já estou na curva da velhice, tentando me desapegar de muitas coisas que agora parecem não importar. Valorizo o tempo que passo com meu pai, na lentidão de sua des/memória. Valorizo os momentos com os amigos e amigas verdadeiros, aqueles que não te abandonam quando a vida pesa. Valorizo os abraços do meu amor. Valorizo os filhos do coração, os netos emprestados. Valorizo as batalhas que sigo travando para que esse mundo seja melhor e mais feliz. 

Gosto de ter essa pitada de Poliana, conseguindo ver as cores e a beleza de se estar vivo, apesar dos escombros. Gosto da pessoa que fui, da que estou sendo e da velhinha que serei, se chegar lá. Sim, carrego ódios e desejos de violência contra os vilões do amor, mas não deixo que isso me impeça de viver o melhor do mundo. Desfruto do pôr-do-sol, da boa música, de uma boa cerveja, do amor dos bichos e das gentes.  Ainda tenho sonhos, coisas para realizar. Vejo sistematicamente o Arquivo X e, agora, os Doramas. Gosto da minha forma miúda, do meu cabelo cacheado, dos meus óculos, da minha cara vincada de tanta vida. Faço 61 anos e estou muito bem. Obrigada!

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