Não costumo ficar puxando pelas lembranças dele porque o pessoal que entende do Alzheimer diz que não é bom fazer isso. Pode dar mais estresse quando ele percebe que não lembra. Então, uso a técnica de citar as memórias que eu conheço, como se nada. Minha sorte é que eu sempre fui guria perguntadeira, desde pequena, querendo saber as histórias da família. Então, eu praticamente sei tudo sobre o que ele e todos viveram nos tempos idos. Cada detalhe.
Hoje foi assim. Justo num dia que começou já com muita tristeza, por conta da morte de amigos. Pois ele acordou e não quis saber do café. Aí eu ataco:
- Seu Tavares, sabe quem trouxe esse café? A Mariquinha. – Ele me olha, surpreso.
- A Mariquinha? Mas, como?
- Ela veio lá de Santa Maria, passou aqui e deixou esse café. Pediu pra tu tomares.
Ele fica cismando, imagino eu que alguma coisa venha na memória, porque ao fim ele senta e toma alguns goles, com pequenos pedaços de pão. A Mariquinha é uma prima dele, muito amada.
Assim eu vou fazendo, buscando histórias que o façam atentar. Começo a falar das ruas onde ele morou, das pessoas. Mas não peço para ele lembrar, apenas comento de maneira casual.
De meio-dia estava de novo agitado.
- Olha pai, mandaram esse feijão lá do 64º Batalhão, de Quarai. Vem provar - Ele abre um sorriso.
- Quaraí?
- Sim, tu tá ligado onde era o batalhão?
- Mas, claro.
Aí vou desfiando o rosário das lembranças de lugares e pessoas. Até agora tem dado certo. Falo dos parentes, dos velhos amigos, dos lugares que ele amava. Não sei se ele lembra, mas algo acende. No geral, a palavra mágica é Uruguaiana. Bastou pronunciar e ele se alegra. E mesmo quando ele está naquela agitação para “ir embora”, basta eu dizer:
- Tu queres ir pra Uruguaiana?
- Mas, claro!
- Ah, tá, então vamos lá. Abro portão, dou uma voltinha na rua e voltamos pra casa.
- Pronto, já estamos em Uruguaiana.
E tudo fica bem. Acende um cigarro e vai ver a Inezita Barroso na TV.
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