Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Atrás do Berbigão vai até quem já morreu



O carnaval de 2020 em Florianópolis terá um grande vazio. Pela primeira vez em 33 anos não estará à frente dos festejos o alegre e querido Ernani Hulk, histórico Rei Momo da corte da alegria, que encantou em setembro do ano passado depois de uma longa luta contra o câncer. Nascido em Blumenau, ele assumiu o amor pela cidade abraçando o carnaval e por mais de três décadas arrastou a multidão pelas ruas, clubes e sambódromo. Quem vive o carnaval sabe o quanto sua figura era estimada e é justamente por isso que ele será o mais novo boneco da corte do Berbigão do Boca.

O Berbigão é o mais popular bloco de carnaval de Florianópolis, nascido em 1993 e que com o passar do tempo se transformou na festa popular mais importante da cidade, carregando pelas ruas, com alegres marchinhas, para lá de 40 mil pessoas na abertura dos festejos de Momo que acontece uma semana antes da festa oficial. 

Florianópolis já teve um dos melhores carnavais de rua do Brasil, num tempo em que tudo acontecia ao redor da Praça XV. Por ali passavam os blocos, as grandes Sociedades com seus carros de mutações (únicos no país) e as escolas de samba. Para a população a alegria era gratuita, pois não tinha que pagar nada para ver as maravilhas que se construíam ao longo do ano para apresentação no Carnaval. Com a inauguração da Passarela do Samba Nego Quiridu em 1989 as escolas foram deslocadas para lá e os desfiles passaram a ser comercializados. A rua esvaziou, mantendo-se apenas os blocos de sujos. 

E foi a nostalgia dos velhos carnavais da Praça XV que levou um grupo de rapazes a criar o Berbigão. Era o carnaval de 1992. Eles curtiam a ressaca, quarta-feira de cinzas, em frente ao mar de Coqueiros, cheios de saudade de um tempo em que a festa era na rua. Queriam também aumentar os dias de folia, agora tão protocolar. Começaram a lembrar do bloco Bacalhau do Batata, de Olinda, que sai depois que tudo acaba. Pois aqui haveria de sair antes. Logo veio à mente o berbigão, fruto do mar típico da ilha, para dar nome ao bloco e como a ideia tinha sido do Boca (Paulo Bastos Abraham), ficou “Berbigão do Boca”. O bloco sairia uma semana antes do carnaval, circulando pelas ruas do centro, sem nenhum custo para a população. 

Quando 1993 chegou lá estava o Berbigão pronto para a festa.  No começo era só um bloco, que já nos primeiros anos ia arrastando muita gente. Mas, quando em 1995 inventou de incorporar grandes bonecos no cortejo, com a construção da figura gigante do primeiro Rei Momo, o Lagartixa, pelas mãos do artista Alan Cardoso, o bloco foi ficando com cara de um Boi-de-Mamão carnavalesco e a cidade foi se apaixonando. Seguir atrás do Berbigão do Boca começou a ser de lei. Ano após ano, outros grandes bonecos foram sendo criados, de figuras importantes da cultura local que já tivessem partido para o outro plano, e hoje já são 40 deles que seguem junto à multidão, imortalizando o povo do carnaval e da cultura.  

É de alegre lembrança a eterna rainha do samba, a Nega Tide, que sempre dizia: “valhamideuzi, eu não quero virar boneco”. Pois ainda assim, virou, pois era figura imprescindível no carnaval. Claro que o que ela não queria era morrer, pois só vira boneco quem parte. E, conforme conta o Alan da Pandorga, o artista dos bonecos, só depois de cinco anos da passagem é que ele começa a confeccionar. Isso porque quando morreu o Aldírio Simões, um nome importante da cultura local, eles decidiram fazer logo o boneco para homenagear o amigo. Só que enquanto construía a figura, o boneco, do nada, se mexeu. Alan decidiu, por isso, esperar o morto esfriar bastante. Mas, esse ano, ele abriu exceção, pois não poderia sair o Berbigão sem o Hulk. E por isso mesmo já está pronto o 40º boneco, lembrando o mais querido Rei Momo da cidade. 

A farra do Berbigão do Boca, no dia 14 de fevereiro, começa ao meio dia no Mercado Público. Tem festival gastronômico, com receitas de berbigão, tem shows de todo tipo de música de carnaval e quando chega às 19 horas, a banda, formada por músicos locais, com muito sopro, sai pelas ruas arrastando o povo. A cidade se enche de alegria e as gentes de todas as idades podem curtir as velhas marchinhas e o carnaval na rua, seguindo o cortejo dos bonecos. É festa pra rachar, é uma coisa louca, todo mundo botando pra quebrar, no Berbigão do Boca, uma festa genuinamente popular.  

A folia do Berbigão do Boca foi declarada em 2008 como uma festa de utilidade pública, e em 2011 definida como Patrimônio Imaterial da cidade. 

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