Alzheimer/Velhice
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terça-feira, 28 de agosto de 2018
Paixão encantou
Ele atravessou quase um século e foi o responsável pela criação da chamada "tradição gaúcha". Sua figura sempre foi bastante controvertida. Criticado por ser de direita e legitimador de uma ideologia gauchesca ligada ao latifúndio, Paixão amealhou bons adversários ao longo da vida. Mas, mesmo esses reconhecem que, antes dele, o gaúcho não tinha uma identidade tão consolidada como a que foi sendo fortalecida pelo movimento tradicionalista iniciado por Paixão e Barbosa Lessa nos tempos do colégio. Com eles nasceu o CTG (Centro de Tradição Gaúcha) e deles derivou tudo o que hoje se conhece como tradição.
Sou nascida na fronteira, marcada pela cultura missioneira. Tenho em mim agarrada essa herança telúrica, oriental e desde bem guria vivencio a tal da "tradição". Aprendi, estudando, que a ideologia do latifúndio, do gaúcho ideal, é cotidianamente apreendida e reinventada pelos trabalhadores nas canhadas e na imensidão dos campos. A bombacha, o mate, o cavalo, as longas noites de invernada, o churrasco, as danças, o modo de ser no mundo. Tudo isso está incorporado de maneira indelével, e do nosso jeito, do jeito daqueles que realmente vivem a realidade de ser um "peão", um trabalhador, um paysano, na solidão do latifúndio.
Nunca fui a fundo saber das intenções de Paixão Cortes ou de Barbosa Lessa. Sei que nos tempos da ditadura, no Rio Grande, se utilizou muito esse movimento para consolidar a obediência e a disciplina. Mas, o que guardo nas retinas é a alegria das festas da campanha, das carreiradas, nas quais os trabalhadores se reuniam para dançar e comer churrasco, cantando as músicas que falavam do seu fazer cotidiano, da sua vida real, ainda que muitas vezes idealizada pelos poetas. O que posso dizer é que do Rio Grande trago essas lembranças à flor da pele. Criada que fui no CTG Tropilha Criola, onde dançavam os pobres e os ricos, e fiel parceira do meu avô, camponês sem terra, jamais me desvencilhei dessa herança que o campo me legou.
Digo adeus a Paixão Cortes com certa gratidão. Porque reconheço que aquilo que ele criou como pesquisador e comunicador transcendeu ao que pudesse ter em mente como alguém ligado à classe dominante ou às tradições conservadoras. O nativismo está para além, eternamente se reinventando desde baixo, e ele, mesmo sem querer, é responsável por isso. Valeu, Paixão. E que vivam os gaúchos e gaúchas de todas as querências...
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