Mulher e soldados têm algo em comum: são trabalhadores, da mesma classe.
O sistema capitalista de produção é uma máquina de ódio e sobre esse sentimento se sustenta. Sua principal arma – que mantém a maioria das gentes sob seu comando – é a invenção de que o inimigo de cada um é outro. A pobreza, a miséria, a dor, a desgraça, a fragmentação, a doença, nada disso tem a ver com a forma como a sociedade se organiza. Tudo é culpa do outro. O outro passa a ser aquele a quem cada um e cada uma tem de eliminar.
O sistema capitalista de produção é uma máquina de ódio e sobre esse sentimento se sustenta. Sua principal arma – que mantém a maioria das gentes sob seu comando – é a invenção de que o inimigo de cada um é outro. A pobreza, a miséria, a dor, a desgraça, a fragmentação, a doença, nada disso tem a ver com a forma como a sociedade se organiza. Tudo é culpa do outro. O outro passa a ser aquele a quem cada um e cada uma tem de eliminar.
Mas, prestem bem atenção. O outro que tem de ser eliminado
não é qualquer outro. É o outro da mesma classe, a classe empobrecida. E essa é
a que tem de se digladiar diariamente, para disputar um espaço na sociedade do “mundo
livre”. Está consolidada a ideia de que o rico, o “bem nascido”, o criado a
toddy é um abençoado por deus e a que ele se deve toda a reverência. A ele
nenhuma culpa é imputada, nasceu marcado pela bênção. Se matar alguém dirigindo
bêbado, pobrezinho, teve uma má noite. Se estuprar uma menina, coitado, não foi
por mal. Se agredir uma mulher, estava exaltado. Se juntar os amigos para matar
negros e gays, é porque essa gente não deve prestar mesmo. Essa é a ideia que
permanentemente é inoculada nas gentes.
É claro que muitos conseguem escapar dessa lavagem cerebral,
mas uma boa parte das pessoas é envolvida por essa ideologia. Então, o que
acabamos vendo, perplexos, é pessoas da mesma classe, que sofrem os mesmos
dramas, se agredirem em si, disputarem, competirem e até se matarem. Esse é o
bom trabalho da ideologia. Tornar real o que não é. Mostrar como verdade o que
é mentira. Iludir, enganar, obscurecer. E àqueles que são tomados por essa ideia
de que o outro, pobre, negro, gay, comunista, macumbeiro, é o inimigo muito
dificilmente conseguimos tocar com o discurso.
É por isso que não adianta muito insistir no facebook para
que os paneleiros apareçam quando o Dória joga água nos mendigos em noites de
inverno. Os que bateram panela contra o PT, a Dilma ou contra os comunistas,
definitivamente acham que está certo “limpar” a cidade dos mendigos, porque a
ideologia diz pra eles que os mendigos são ladrões e eles têm medo dos ladrões.
Todos temos. Então, como o outro, sujo e desempregado, é o inimigo, que o
estado o elimine.
Igualmente é inútil chamar os paneleiros para bater panela
contra o Aécio, o Caiado, o Temer, ou o Gilmar Mendes. Eles fazem parte desse
grupo de bem nascidos, sobre os quais não recai culpa. Imaginem se o neto do
Tancredo vai ser um traficante? Isso só é possível aos pobres e pretos da favela.
Rico não comete crime. Rico é abençoado.
Para os que estão sob o comando da ideologia só os pobres
podem ser ruins, perversos, criminosos, violentos, inúteis. Vejam a Argentina,
onde milhares se levantaram na última semana para exigir a aparição com vida de
um artesão que foi levado pela polícia e sumiu. Pois se milhares pedem pela
vida do jovem, outros milhares de seres silenciosos estão em casa, concordando
com a ação da polícia. Afinal, pensam, o que um hippie, um artesão, representa para
a sociedade? Nada. Eles não produzem para o sistema. Devem ser eliminados. E
secretamente, essas pessoas assentem a cabeça diante do crime.
Da mesma forma é possível sentir essa silenciosa aprovação
quando os jagunços matam índios no Brasil, ou quando fazendeiros matam
ambientalistas e sem-terra. O Datena grita na TV que eles são bandidos,
vagabundos, marginais. E as pessoas assentem, crédulas, dando graças aos céus
por haver jagunços e fazendeiros tão legais que limpam o mundo dessa ratatuia.
Como entender a simpatia que uma mulher da classe alta
venezuelana, como a Lilian Tintori, desperta nas brasileiras. Ela é loira,
jovem, rica. Seu marido, Leopoldo Lopez, é o responsável pela morte de mais de
40 pessoas nas guarimbas de 2014, e agora, durante as guarimbas de 2017,
incentivou outras tantas. Então porque os brasileiros e brasileiras se doem
tanto pelo fato de ele estar preso? Por que não fazem campanha pelos tantos
negros e negras que hoje mofam nos cárceres, alguns até sem julgamento? Ou
pelos que estão presos porque roubaram um pote de manteiga? Que mistério é esse
que leva a tanta simpatia pela riquinha branca? É essa ideologia que promove a
divisão entre os empobrecidos, para que permaneçam sempre atados ao poste da
escravidão. Matem-se entre si, mas amem seus algozes.
É claro que essa silenciosa massa que odeia seus iguais não
é uma gente do mal. Estão aí, pelos séculos e séculos sendo inoculadas nesse
ódio aos seus. E não é coisa fácil escapar. Ainda que os empobrecidos sejam 99%
da população mundial, não conseguem compreender o seu poder. E o poderoso 1%
que domina o mundo tem os meios e as condições para sistematicamente fortalecer
essa ideologia de que é o pobre que é ruim. Só ele pode ser capaz de maldades e
violência e contra ele há que estar toda a força.
É por isso que gritar pelos paneleiros no facebook não ajuda
em nada a mudar esse quadro. A saída é a lenta e esgotante batalha de
construção da consciência de classe. Só que isso não acontece com discursos
vazios ou cheios. A consciência de classe só desperta quando estamos jogados na
luta coletiva. Quando caminhamos em comunhão na direção de um objetivo que
transforme nossas vidas.
E essa construção é algo que precisa de intenso
trabalho na vida real, no chão do mundo, no encontro cara-a-cara com esse outro
que nos vê como inimigo. Temos de retomar, com urgência, o contato com a vida.
As novas tecnologias são boas, são legais, e podem até ser revolucionárias, mas
elas sozinhas não mudam a vida. Assim como uma faca não pode sair matando
sozinha, a internet também não tem esse poder. São as pessoas por trás da
técnica que movem a roda da história.
Temos de voltar ao encontro, ao olho no olho, ao aperto de
mão. Com o celular no bolso, porque não, mas tecendo a trama da vida na relação
real. Os tempos estão sombrios e estamos perdendo. É hora de parar de resistir
e atacar. Mas, para isso, temos de quebrar essa ideologia de que o inimigo são
os nossos iguais. Dura batalha, dura batalha... Mas, temos de seguir.
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