A miséria da política
Lembro como
se fosse hoje aquela passeata, em Florianópolis, em 20 de junho de 2013. Era o
auge dos protestos contra a corrupção - início da batalha contra o governo
petista - e a capital catarinense viu
saírem às ruas pessoas que sempre jogaram pedra nos manifestantes tradicionais.
O protesto juntou mais de 30 mil almas, coisa nunca vista. A RBS, rede
catarinense filiada a Globo, transmitia ao vivo, e saudava a iniciativa. Estranhamente
não chamava ninguém de “baderneiro”, nem se ouvia o estridente mantra da
garantia do “ir e vir”. Naqueles dias, a classe dominante dava sua bênção para a
ocupação das ruas, a Globo chamava ao civismo e as pessoas acorreram aos
borbotões.
Eu lá estava
com os companheiros de sempre. E, aturdida, via as pessoas manifestarem seu
ódio contra os militantes de partidos políticos e movimentos sociais. Ou seja,
nós. A passeata virou uma batalha, na qual jovens vestindo camiseta – doada por
partidos de direita – com inscrições contra a corrupção berravam: “sem partido,
sem partido”, e enfrentavam os militantes que se agrupavam com suas bandeiras. Exigiam,
de forma violenta, que fossem baixadas as bandeiras partidárias e que a passeata
seguisse como uma gosma informe. Uma falsa gosma, pois como disse, os partidos
de direita estavam ali, distribuindo camisetas e insuflando a massa contra os
partidários da esquerda. Apenas não carregavam bandeiras, porque nunca o
fizeram. Eles agem nas sombras.
Aproximei-me de umas jovens “encamisetadas”,
que gritavam alucinadas, com olhos em brasa, contra as bandeiras de partidos de esquerda. E
perguntei:
-
Por que vocês são contra os partidos?
- Hã? É porque é sem partido, ora!
- Sim, mas por quê?
- É sem partido e pronto. Não fazemos
política. Tu tem partido? – inquiriram e me encararam, agressivamente.
Naquele dia,
uma massa furiosa nos atacou e obrigou que os grupos embandeirados se
descolassem da passeata, seguindo na frente. Escancarava-se a luta de classes e
o ovo do fascismo que tomou conta do país estava posto.
Lembro que
comentei com vários companheiros sobre o que estava começando ali. No dizer de
Adorno, o fascismo é um vírus que existe latente, em cada um. Diz ele que dadas
as condições, ele brota, forte, e se espalha incontrolavelmente. Eu via aquilo
na passeata. Um ódio irracional na massa, mas extremamente racionalizado nas
direções políticas da direita. Um processo de construção de um consenso que foi
crescendo, se consolidando e acabou no impedimento da presidenta Dilma. Jogada
de mestre.
As atitudes
fascistas também se consolidaram e estão a todo vapor. Uma delas é a proposta
da “Escola sem Partido”, exatamente igual ao esquema das passeatas de junho.
Sem partido de esquerda, porque os de direita poderão agir. Não querem que se
fale de Marx, mas poderão incensar Hayeck. Então, como assim, sem partido? Mas,
a massa desinformada não captura essa sutileza. Para ela, o mal é o socialismo,
o comunismo, o velho discurso de volta outra vez.
Voltaremos a
viver os terrores do fascismo cotidiano, com os nossos vizinhos denunciando-nos
como comunistas, ou então colegas de trabalho, resolvendo questões pessoais com
denúncias anônimas sobre nossas atividades de “doutrinação”. E a justiça, que é
da classe dominante, agirá, confiscando nossos computadores e acusando de “comunistas”,
como se sonhar e lutar por um mundo melhor fosse crime.
Pois essas
são coisas que já estão acontecendo em todo o território nacional. Aqui em
Santa Catarina vivemos o drama da professora Marlene de Fáveri, acusada por uma
aluna de fazer proselitismo de gênero, seja lá o que isso seja.
E ontem na
cidade de Abelardo Luz, no oeste do estado, dois trabalhadores do Instituto
Federal de Educação, Ricardo Velho e Maicon Fontanive, foram denunciados, sabe-se
lá se por um colega ou quem, de serem agentes do Movimento Sem-Terra dentro da
escola. Seus computadores e celulares foram apreendidos pela polícia federal,
com o beneplácito da justiça local, é claro. Eles foram afastados de suas funções públicas e foi quebrado o sigilo de correspondência eletrônica feita com a reitora Sônia Regina de Souza Fernandes. Ora, o MST é uma organização
clandestina, por acaso? Não foi justamente esse movimento social de massa o
grande responsável para que fosse criada a escola federal naquela cidade? Não
foi a luta dos trabalhadores sem-terra que permitiu que centenas de jovens pudessem
ter acesso ao ensino técnico de qualidade na região? Que crime pode haver,
então, as ligações que por ventura alguns trabalhadores da escola tenham com o
movimento? Pois, então, o que é isso? O acirramento da luta de classes.
Eu vivi a
ditadura militar, como criança e adolescente, e lembro muito bem o terror que viviam
as famílias que tinham qualquer posição crítica ao regime. Os vizinhos vigiavam
e acusavam anonimamente, muitas vezes se aproveitando da denúncia de “comunista”
para vinganças pessoais. Era um tempo de vigilância e de medo. Não se podia
pensar. Só dizer sim, sim, sim, ao regime. Nas escolas, tínhamos educação moral
e cívica, com a doutrina do terror. Isso podia, já falar de algum autor crítico,
jamais. Era doutrinação. E é disso que se trata a Escola sem Partido.
Mas, no
covil dos fascistas, são os comunistas, os críticos, os diferentes, e qualquer
outro inimigo, mesmo pessoal, os que devem ser perseguidos. Nós já passamos por
isso. E não foi bom. Nem para as pessoas, nem para o país. Apenas o pequeno
grupo que comanda é que se dá bem, enquanto a vida da maioria fica gris. Há que
botar freio a essa fascistização da vida. Ou ela se espalhará como rastilho de
pólvora, no fundamentalismo do terror. É hora de juntar forças, mulheres,
negros, índios, trans, trabalhadores formais, informais, homossexuais, enfim,
todos os oprimidos pelo capital e pelo patriarcado. Essa luta é de todos nós.
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