Ontem, indo para casa, me acometeu o terror. Percebi o
quanto a gente pode se acostumar com o que nos impõe o capital. Os particularismos
que esse sistema nos apresenta como universais vão se impregnando na gente e,
de repente, estamos navegando na órbita dele achando tudo natural.
Pois lá ia eu, no ônibus, tentando dormir, visto que os
engarrafamentos em direção ao Rio Tavares já são comuns a toda hora, não mais
só em horário de pico. Revira daqui, revira dali e não conseguia acomodar o
corpo. Então, me veio o pensamento de que as empresas poderiam melhorar a ergometria
dos bancos, permitindo que a gente pudesse se ajeitar melhor. Foi apenas um
segundo de vacilo. Mas, foi vacilo. Aprumei o corpo e arregalei os olhos. Mas,
como? Não tem que arrumar o ônibus para eu dormir, tem que ter faixa exclusiva
para a porra do ônibus levar apenas 15 minutos do centro ao Rio Tavares, como
tem de ser. Como é possível que a gente permita que isso siga sem solução, com
a vida da gente sendo sugada cada dia mais por esses transporte desintegrado?
Então fui pensando sobre outras coisas as quais nos
acostumamos, como se fossem benesses do capital, como os bancos nos espaços de
serviço público. O sistema de atendimento é tão ruim, e tem tanta falta de
gente, que as filas são gigantescas. Então, o que faz o sistema? Em vez de contratar
mais pessoas e tornar o serviço mais eficiente, coloca bancos nas recepções. A
gente chega, pega a senha e fica ali, sentado, ordeiramente, esperando pela
vez, ainda que o nosso número seja o número 122. E pensamos: ah, que bom que
tem um banco. Antes eu ficava em pé.
Ou então a lógica perversa de a gente trabalhar para os
bancos, setor da economia que mais tem lucro no mundo. E claro, eles são os mais
lucrativos porque todos nós trabalhamos para eles. Nosso salário
obrigatoriamente é depositado em banco. Não existe mais o envelope entregue
pelo patrão. A pessoa é obrigada a ter uma conta bancária. E, estando no sistema,
é obrigada a fazer todo o serviço. A máquina está ali, disponível, mas é a
pessoa que tem de preencher os envelopes, fazer as operações. Ah, e claro, ficar
nas filas. Mas tudo bem, os bancos também têm assentos de espera. Fico pensando
nos velhos, esses seres tão abandonados, que se desesperam na boca dos caixas,
sem saber como lidar com todo aquele aparato. E ainda são obrigados a sofrer os
olhares de reprovação de toda a gente, por demorarem demais num atendimento que
lhes deveria ser prestado pelo banco.
E assim, vamos nos acomodando ao que nos dita o capital. “Trabalhe
para nós 24 horas”. É no emprego formal, é no bico do fim de semana, é no
banco, é no serviço público, é no posto de gasolina, é sentado em casa, vendo
TV. Seja um “self-safe man”, faça tudo sozinho, não dependa de nada, nem de
ninguém. E as pessoas vão se deixando escravizar, orgulhosas de sua “autonomia”.
Até que, de repente, mesmo os seus desejos são de acomodação aos horrores da
exploração, como eu, naquele ônibus, sonhando com um banco mais confortável
para enfrentar o absurdo de se levar duas horas num trajeto de 15 quilômetros.
Perde-se a visão de totalidade, não se consegue mais enxergar as relações de
dominação que nos exploram ao máximo.
Vai daí a sempre necessária prática do pensar criticamente.
Cada imposição do capital precisa ser vista no seu todo, como um braço a mais
do sistema tentando te prender. Que ainda sejamos obrigados a suportar tudo
isso, vá lá. Ainda não chegou o dia da revolução. Mas, pelo menos, que a gente
não se acomode. E que nossa indignação não fique prisioneira apenas no
resmungo. Que ela nos mova... Que ela nos mova!
Elaine, baita verdade. Como eh necessária essa troca de olhares...
ResponderExcluirElaine, baita verdade. Como eh necessária essa troca de olhares...
ResponderExcluir