Quem estuda a história sabe: desde 1492, quando os espanhóis
invadiram a costa de Abya Yala, trazendo com eles a imposição de uma fé e o capitalismo
como modo de vida, a vidas das gentes desse grande continente tem sido de
grande dor. A entrada dos europeus no espaço que mais tarde ficou conhecido
como América não foi um encontro de culturas. Foi uma invasão genocida, afinal,
atrás deles vieram a tortura, a escravidão, a morte e o desaparecimento de
povos inteiros.
Assim, nos primeiros tempos, foram esses dois países,
Espanha e Portugal, que definiram a vida de todos. Mas, eles, na verdade, não
eram os verdadeiros donos da América. Toda a riqueza que tiravam daqui ia para
a Inglaterra, que no espaço geográfico da Europa, era quem dominava. Então,
para sustentar uma vida de luxo de poucas famílias da nobreza espanhola e
portuguesas, o continente americano foi depredado, saqueado e seu povo escravizado.
História diferente se deu nos Estados Unidos e no Canadá, para onde vieram
famílias de colonos com a finalidade de fixar residência. Mas, ainda assim,
essas famílias foram as responsáveis pela morte e destruição de milhões de pessoas
dos povos originários.
Quando três séculos depois tiveram início os processos de
independência quem se posicionou na retaguarda, pronto para abocanhar as nações
recém-libertas, foi a Inglaterra, novamente, agora negociando diretamente com
as Américas. E ela pairava sobre a vida de todos, decidindo os destinos das
nações. Quem ousava fugir de seu controle, como foi o caso do Paraguai, era
arrasado. Foi para colocar o país no lugar de subalterno que a Inglaterra
fomentou a guerra contra o Paraguai, da qual vergonhosamente participaram
Argentina, Uruguai e Brasil, como testas de ferro do império inglês.
Com o fortalecimento dos Estados Unidos, como nação livre, o
pêndulo do poder foi mudando de posição. A nação emergida do colonialismo
inglês resolveu ela mesma comandar o destino das gentes no continente. Era seu
“destino manifesto”. Segundo seus dirigentes, “deus” havia decidido que agora
quem mandaria no mundo seriam os Estados Unidos, e em nome dele, principiaram a
tramar contra a soberania de todas as nações. John Winthrop, governador da
colônia de Massachussets, em 1630, criou um selo, conhecido como o “grande selo”
que rege a lógica daquele país até hoje. Nele, há a figura de um indígena, com
um pergaminho saindo de sua boca. Nesse pergaminho está escrito: venham e
ajudem-nos. Messianicamente, os colonos que tomavam os Estados Unidos,
achavam-se os “ungidos do senhor” com a missão de salvar os hereges e os
selvagens.
O grande selo foi a imagem que também comandou a tomada de
Cuba, Haiti e Porto Rico em 1898, das mãos da Espanha, e desde então tem sido
assim. Os governantes usam desse argumento praticamente religioso e, em nome do
que chamam de “intervenção humanitária”, invadem, matam e destroem países
inteiros.
Para garantir esse destino manifesto os Estados Unidos
tornaram-se uma máquina de matar. Não é sem razão que hoje ele são as maiores
autoridades em tortura, usando-a para seus interesses e também exportando os
métodos para os países da sua órbita. Foi assim durante as ditaduras militares
na América Latina, quando seus homens treinavam os policiais na tristemente
famosa “Escola das Américas”.
Hoje, com os meios de comunicação, a ideologia do “venham e
ajudem-me” se espalha de maneira viral. Foi o argumento usado para invadir o
Afeganistão. Era preciso livrar a população de lá do tremendo mal que era o Talibã.
Como se os afegãos não pudessem eles mesmos definir suas vidas. Foi o “venham e
ajudem-me” que determinou a invasão ao Iraque, para livrar o povo de lá do
ditador sanguinário. E assim poderíamos enumerar cada intervenção dos Estados
Unidos, não apenas de agora, mas também do passado.
Estranho destino esse de ajudar, matando e destruindo.
Segundo Noam Chomsky, se as informações divulgadas fossem as verdadeiras, o
mundo inteiro saberia que o governo mais terrorista no planeta é o dos Estados
Unidos. Para ele, o maior ato de terror até hoje foi o que John Kennedy
perpetrou com a invasão do Vietnã e da Indochina. Milhões de pessoas foram
mortas das maneiras mais cruéis. Naqueles dias, dizia Kissinger, então conselheiro
de Segurança Nacional: “tudo o que voa contra tudo o que se move”. Foi um
massacre sem igual na história durante os oito anos que durou a guerra,
inclusive com o uso de armas químicas, de resultados avassaladores.
Olhando para o Oriente Médio e toda a destruição que vem
sendo causada desde a guerra do golfo, só mesmo um ingênuo poderia ainda
acreditar na invenção de Winthrop, do “venham e ajudem-nos”. Isso nunca existiu.
Os povos originários dos Estados Unidos foram massacrados e nunca pediram para
entrar na “civilização”, porque sabiam que aquilo não era bom.
Essa semana temos acompanhado pelos meios de comunicação
comercial mais um terrível capítulo dessa enganação. As garras da águia estão
sobre a Venezuela, um país que decidiu seguir seu caminho longe da órbita estadunidense.
E, por conta disso, tem pago um preço alto demais. Primeiro foi uma tentativa
de golpe, financiado e organizado pela inteligência dos EUA na parceria com a classe
dominante venezuelana. Não deu certo. Depois, mataram Chávez, e também não deu
certo. Agora, financiam uma oposição criminosa que coloca o país dentro de uma
guerra econômica, e não satisfeitos ainda promovem o terror. Grupos de jovens
são incitados a praticarem atos de terror e violência, chegando a atacar um
hospital infantil. Tudo isso sob o argumento de que o “povo” está pedindo ajuda
para se livrar do “ditador”.
Um breve recorrido pela história mundial e o que se vê é a
história se repetindo. E de tal maneira que parece incrível que ainda há quem
acredite na “bondade” dos salvadores do mundo. Tal qual um Midas ao contrário,
todos os países onde a “intervenção humanitária” se dá, fica pior. Os lugares
são destruídos e se seguem sob o controle dos Estados Unidos, nunca mais se
levantam. O Iraque é um exemplo que nos salta a cara. Quatorze anos de matança e
destruição. Um dos mais belos lugares do mundo segue em escombros.
O grande selo inventado pelo governador de Massachussets foi
uma enganação. Uma piada de mau gosto, a considerar todo o genocídio dos povos
originários. É preciso que as gentes saibam de que não há um destino manifesto,
muito menos um povo eleito, que se arvore em dominar o mundo. Somos todos um
pequeno gênero humano, como dizia Bolívar, povos com suas particularidades,
belezas e desafios. Ninguém necessita de um “grande salvador branco”, cada povo
pode muito bem se autogerir de acordo com sua cultura e suas tradições.
O “venham e ajudem-me” inventado pelo colono estadunidense é
só um engodo para justificar as atrocidades que são praticadas apenas para o
saque das riquezas.
No Brasil já tivemos a nossa cota, durante o período
militar. E é bom que os brasileiros estudem mais a história para não cair na
armadilha. Também para não reproduzir as barbaridades que se ouve e lê nas
redes sociais, seja sobre a Venezuela ou sobre a Síria. Não precisa muito, só
uma boa observação, para vem quem está nos países dizendo aos EUA, “vem e
ajude-me”. São aqueles que, quando no poder, se comportam de maneira imperial,
governando apenas para seu grupo de amigos, ignorando aqueles que os ajudaram a garantir o poder.
A Venezuela, a Síria, o Iraque, o Brasil, o Haiti, qualquer
país, tem todas as condições de resolver seus problemas sem a intervenção de
ninguém, muito menos daqueles que só se ocupam em saquear as riquezas.
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