Alzheimer/Velhice

sábado, 22 de abril de 2017

O destino manifesto de destruir



Quem estuda a história sabe: desde 1492, quando os espanhóis invadiram a costa de Abya Yala, trazendo com eles a imposição de uma fé e o capitalismo como modo de vida, a vidas das gentes desse grande continente tem sido de grande dor. A entrada dos europeus no espaço que mais tarde ficou conhecido como América não foi um encontro de culturas. Foi uma invasão genocida, afinal, atrás deles vieram a tortura, a escravidão, a morte e o desaparecimento de povos inteiros. 

Assim, nos primeiros tempos, foram esses dois países, Espanha e Portugal, que definiram a vida de todos. Mas, eles, na verdade, não eram os verdadeiros donos da América. Toda a riqueza que tiravam daqui ia para a Inglaterra, que no espaço geográfico da Europa, era quem dominava. Então, para sustentar uma vida de luxo de poucas famílias da nobreza espanhola e portuguesas, o continente americano foi depredado, saqueado e seu povo escravizado. História diferente se deu nos Estados Unidos e no Canadá, para onde vieram famílias de colonos com a finalidade de fixar residência. Mas, ainda assim, essas famílias foram as responsáveis pela morte e destruição de milhões de pessoas dos povos originários.

Quando três séculos depois tiveram início os processos de independência quem se posicionou na retaguarda, pronto para abocanhar as nações recém-libertas, foi a Inglaterra, novamente, agora negociando diretamente com as Américas. E ela pairava sobre a vida de todos, decidindo os destinos das nações. Quem ousava fugir de seu controle, como foi o caso do Paraguai, era arrasado. Foi para colocar o país no lugar de subalterno que a Inglaterra fomentou a guerra contra o Paraguai, da qual vergonhosamente participaram Argentina, Uruguai e Brasil, como testas de ferro do império inglês.

Com o fortalecimento dos Estados Unidos, como nação livre, o pêndulo do poder foi mudando de posição. A nação emergida do colonialismo inglês resolveu ela mesma comandar o destino das gentes no continente. Era seu “destino manifesto”. Segundo seus dirigentes, “deus” havia decidido que agora quem mandaria no mundo seriam os Estados Unidos, e em nome dele, principiaram a tramar contra a soberania de todas as nações. John Winthrop, governador da colônia de Massachussets, em 1630, criou um selo, conhecido como o “grande selo” que rege a lógica daquele país até hoje. Nele, há a figura de um indígena, com um pergaminho saindo de sua boca. Nesse pergaminho está escrito: venham e ajudem-nos. Messianicamente, os colonos que tomavam os Estados Unidos, achavam-se os “ungidos do senhor” com a missão de salvar os hereges e os selvagens.

O grande selo foi a imagem que também comandou a tomada de Cuba, Haiti e Porto Rico em 1898, das mãos da Espanha, e desde então tem sido assim. Os governantes usam desse argumento praticamente religioso e, em nome do que chamam de “intervenção humanitária”, invadem, matam e destroem países inteiros.

Para garantir esse destino manifesto os Estados Unidos tornaram-se uma máquina de matar. Não é sem razão que hoje ele são as maiores autoridades em tortura, usando-a para seus interesses e também exportando os métodos para os países da sua órbita. Foi assim durante as ditaduras militares na América Latina, quando seus homens treinavam os policiais na tristemente famosa “Escola das Américas”.

Hoje, com os meios de comunicação, a ideologia do “venham e ajudem-me” se espalha de maneira viral. Foi o argumento usado para invadir o Afeganistão. Era preciso livrar a população de lá do tremendo mal que era o Talibã. Como se os afegãos não pudessem eles mesmos definir suas vidas. Foi o “venham e ajudem-me” que determinou a invasão ao Iraque, para livrar o povo de lá do ditador sanguinário. E assim poderíamos enumerar cada intervenção dos Estados Unidos, não apenas de agora, mas também do passado.

Estranho destino esse de ajudar, matando e destruindo. Segundo Noam Chomsky, se as informações divulgadas fossem as verdadeiras, o mundo inteiro saberia que o governo mais terrorista no planeta é o dos Estados Unidos. Para ele, o maior ato de terror até hoje foi o que John Kennedy perpetrou com a invasão do Vietnã e da Indochina. Milhões de pessoas foram mortas das maneiras mais cruéis. Naqueles dias, dizia Kissinger, então conselheiro de Segurança Nacional: “tudo o que voa contra tudo o que se move”. Foi um massacre sem igual na história durante os oito anos que durou a guerra, inclusive com o uso de armas químicas, de resultados avassaladores.

Olhando para o Oriente Médio e toda a destruição que vem sendo causada desde a guerra do golfo, só mesmo um ingênuo poderia ainda acreditar na invenção de Winthrop, do “venham e ajudem-nos”. Isso nunca existiu. Os povos originários dos Estados Unidos foram massacrados e nunca pediram para entrar na “civilização”, porque sabiam que aquilo não era bom.

Essa semana temos acompanhado pelos meios de comunicação comercial mais um terrível capítulo dessa enganação. As garras da águia estão sobre a Venezuela, um país que decidiu seguir seu caminho longe da órbita estadunidense. E, por conta disso, tem pago um preço alto demais. Primeiro foi uma tentativa de golpe, financiado e organizado pela inteligência dos EUA na parceria com a classe dominante venezuelana. Não deu certo. Depois, mataram Chávez, e também não deu certo. Agora, financiam uma oposição criminosa que coloca o país dentro de uma guerra econômica, e não satisfeitos ainda promovem o terror. Grupos de jovens são incitados a praticarem atos de terror e violência, chegando a atacar um hospital infantil. Tudo isso sob o argumento de que o “povo” está pedindo ajuda para se livrar do “ditador”.

Um breve recorrido pela história mundial e o que se vê é a história se repetindo. E de tal maneira que parece incrível que ainda há quem acredite na “bondade” dos salvadores do mundo. Tal qual um Midas ao contrário, todos os países onde a “intervenção humanitária” se dá, fica pior. Os lugares são destruídos e se seguem sob o controle dos Estados Unidos, nunca mais se levantam. O Iraque é um exemplo que nos salta a cara. Quatorze anos de matança e destruição. Um dos mais belos lugares do mundo segue em escombros.

O grande selo inventado pelo governador de Massachussets foi uma enganação. Uma piada de mau gosto, a considerar todo o genocídio dos povos originários. É preciso que as gentes saibam de que não há um destino manifesto, muito menos um povo eleito, que se arvore em dominar o mundo. Somos todos um pequeno gênero humano, como dizia Bolívar, povos com suas particularidades, belezas e desafios. Ninguém necessita de um “grande salvador branco”, cada povo pode muito bem se autogerir de acordo com sua cultura e suas tradições.

O “venham e ajudem-me” inventado pelo colono estadunidense é só um engodo para justificar as atrocidades que são praticadas apenas para o saque das riquezas.

No Brasil já tivemos a nossa cota, durante o período militar. E é bom que os brasileiros estudem mais a história para não cair na armadilha. Também para não reproduzir as barbaridades que se ouve e lê nas redes sociais, seja sobre a Venezuela ou sobre a Síria. Não precisa muito, só uma boa observação, para vem quem está nos países dizendo aos EUA, “vem e ajude-me”. São aqueles que, quando no poder, se comportam de maneira imperial, governando apenas para seu grupo de amigos, ignorando aqueles que os ajudaram a garantir o poder.


A Venezuela, a Síria, o Iraque, o Brasil, o Haiti, qualquer país, tem todas as condições de resolver seus problemas sem a intervenção de ninguém, muito menos daqueles que só se ocupam em saquear as riquezas.     


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