Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

PEC 241 - A hora da vingança contra a esquerda



Acompanhei ontem a votação da PEC 241 na Câmara através de um “ao vivo” do aplicativo Facebook. Era uma transmissão feita pela Bancada do PT. Entrei ali ao acaso, foi a primeira que encontrei no aplicativo. 

E como acontece, essa opção de “ao vivo” no face, permite que as pessoas comentem ao longo da transmissão. Definitivamente fiquei impressionada com o nível de fundamentalismo de grande parte das pessoas que acompanhavam a votação. 

Na medida em que o “sim” ia sendo proferido, aprovando a PEC, as pessoas destilavam todo o seu ódio contra o PT e a esquerda. Os comentários, ofensivos, agressivos e violentos não tinham qualquer argumentação plausível. A aprovação da PEC era apenas para ver a cara de derrotado do PT. “Chupa PT”, “morram todos os comunistas”, “Chupem e chorem, esquerdinhas”, “morte aos funcionários públicos” e mais outra centena de xingamentos que nem ouso reproduzir. 

Para essas pessoas, a PEC 241 é só uma facada no PT e na esquerda brasileira que, segundo eles, cometeu o erro de estar no governo. Uma tragédia comunicacional, visto que a esquerda mesmo nunca esteve no poder. O PT, como governo, não avançou na pauta da esquerda. Pelo contrário, foi duramente criticado por render-se a agenda neoliberal, de maneira suave, mas segura. 

Tudo o que o Temer está fazendo, destruindo cada política criada ao longo do governo petista, que timidamente correspondia apenas a uma gestão moral da pobreza, como conceitua o professor Nildo Ouriques, passa a ser, para essas pessoas, apenas uma vingança contra a esquerda. 

Pouco se importam se os pobres ficarão mais pobres, se os cotistas não poderão se manter nas universidades, se a classe média baixa não poderá mais pagar as prestações da casa própria, se milhões perderão os empregos. Danem-se! O negócio é “foder” com o PT, “bando de petralhas desgraçados”. 

É certo que o PT fez por onde levantar alguns ódios, mas o que se vê agora extrapola qualquer bom senso. Parece uma histeria coletiva, cega e sem qualquer argumento além do desejo de vingança. Ainda que não se tenha muita noção de vingança contra o quê. 

E assim passará a PEC 241, sob o aplauso frenético de um número bem expressivo de pessoas que certamente será bastante afetado pelo congelamento dos investimentos em tudo o que é público. Vai demorar um tempo até que isso seja percebido, mas aí, já será tarde. 

A vida ficará ainda mais dura para a camada mais empobrecida da população, que é gigantesca, mas isso também não importa para essas pessoas que hoje gritam pedindo a morte dos “petralhas”. Elas sabem bem como resolver os problemas da pobreza: mais polícia, extermínio dos “bandidos”, cercas eletrificadas nas casas, tortura nas delegacias, violência de estado. “Pobre tem de morrer” é o lema. Não sabem, ou não querem saber, que são os trabalhadores os que produzem a riqueza e que, sem eles, o sistema que tanto amam, quebra. 

Posso entender o ódio de classe. Ele é inerente à luta. Mas, como entender o ódio a sua própria classe? Possivelmente existe aí uma construção de consenso feita pelos meios de comunicação de massa, que é bastante forte e não pode ser negada. Há sim a constituição de uma mais-valia ideológica, produzida pelos meios, que potencializa a opinião dos receptores. De qualquer forma, o que assiste à televisão não é um imbecil, que pode ser moldado. Ele está envolto em sua própria bolha ideológica, constituída a partir de vários outros espaços – não só o da TV – que condiciona sua maneira de agir no mundo. O que a mídia faz é justamente potencializar os rasgos fascistas que já pipocam na sociedade. Como bem lembra Adorno, somos todos fascistas em potencial, e se tivermos aumentados esses estímulos, há riscos de que essa forma de ser no mundo cresça.

Luckás também oferece pistas sobre a ação da classe média em tempos de crise ao falar sobre como age a pequena burguesia. Segundo ele, esse extrato social, apesar de estar dentro do sistema capitalista se sente acima da oposição de classes em geral e age, não no sentido de suprimir alguns dos extremos – capital ou salário – mas sim buscando atenuar sua posição e transformar tudo em harmonia. O filósofo húngaro não usa essa expressão, mas podemos incluir essa postura a um alinhamento com o chamado “capitalismo humanizado”, que a despeito de sua aparente boa-vontade, está descolado da totalidade da sociedade, logo, fica prisioneiro de seus interesses particularistas e no geral, contra os trabalhadores.

Ele argumenta também que é fundamental para a pequena burguesia não compreender o que se esconde na oficina escura do capital, porque, sabendo, não poderia mais sustentar essa ideia de que o capitalismo pode ser humanizado. Por isso, a alienação. Não saber leva a não comprometer-se com a mudança. Então fica mais fácil gritar por “morte aos petralhas”, “morte aos funcionários públicos”, “morte aos pobres”.

Há um longo caminho a percorrer no processo de construção da consciência de classe. Enquanto isso, a classe média seguirá oscilando, ora com a burguesia, ora com os trabalhadores, sempre defendendo seus interesses particularistas. Sem alteridade, ou seja, pouco se lixando para o outro que sofre.   

  

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