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Na última semana participei de um debate na FURB/Blumenau,
na Semana de Ciências Sociais. Minha tarefa era levar para a discussão do
ensino de Sociologia as ideias de Simón Rodriguez, o grande educador caraquenho
que, numa América Latina ainda invadida pelas metrópoles portuguesa e
espanhola, ousou dizer que se deveria ensinar às mulheres, os negros e os
índios visando prepará-los para a vida na República, que já apontava. E,
segundo o professor Newton Tomazzoni, que escreve uma tese sobre ele, o
primeiro a defender a soberania popular.
Assim, contei da história original desse homem único e da
sua luta para garantir educação de qualidade a toda a gente nesse nosso espaço
geográfico, observando que o ensino de qualquer disciplina deve levar em conta
os elementos levantados por ele: inclusão de todos, garantir que se aprenda a
aprender, abrir espaço para a invenção, buscar não imitar a Europa, ser
original.
De certa forma, ainda que Simón tenha publicado sua obra no
período que vai de 1791 a 1860, sua voz transformadora tem tudo a ver com o
momento que vivemos hoje no Brasil, quando o grupo que articulou o golpe de
estado propõe o que chamam de “escola sem partido”, que, na prática é o
impedimento do pensamento crítico de direito. Digo de direito porque, na
verdade essa proposta de “escola sem partido” que chega ao ministério da
Educação pelas mãos do ator Alexandre Frota, já existe na prática. No universo
dos professores que atuam na escola fundamental, média e na universidade, quem
trabalha - sem censura – o pensamento crítico? Imagino que ninguém.
Trago um exemplo de minha aldeia. Em Florianópolis, o
professor Eduardo Perondi e mais outros dois colegas, decidiram discutir com os
alunos e os pais de alunos sobre as condições precárias da escola onde
ensinavam. Mostraram a situação, explicaram as razões escondidas, desvelaram as
relações sociais que implicam no fato de uma escola pública, num bairro de
periferia, ser como é. Depois de várias reuniões, os pais e os alunos,
compreendendo que são sujeitos de direitos, decidiram não iniciar as aulas e
exigiram a imediato término das obras da escola nova - cuja construção se arrastava. O resultado de tudo isso? Os dois colegas de
Eduardo - mais antigos na profissão - receberam punições, foram suspensos,
tiveram salários cortados e Eduardo, que era um professor jovem, recém-ingressado,
foi exonerado. Perdeu o cargo, foi expulso. E de nada adiantou a luta dos
alunos por meses a fio pedindo o retorno do jovem professor. Ou seja, venceu a
escola alienante. A que não pode ensinar a pensar.
E assim, poderíamos pegar outros tantos exemplos. Como a repressão
violenta que sofreram e ainda sofrem os jovens secundaristas de São Paulo,
Goiás e Porto Alegre, que ocuparam suas escolas contra a tal da “reestruturação”,
que nada mais é do que tirar dos meninos e meninas a possibilidade de estudar
perto de suas casas, com professores que os conhecem e se importam e que,
portanto, poderiam levá-los a aprender a
pensar. A tal da “escola sem partido” com a qual sonham Frota e seus parceiros
golpistas é exatamente essa que está aí, a escola partida, excludente e
conservadora, que não se move pelos preceitos transformadores de educadores
como Simón ou Paulo Freire, nosso mestre nacional.
Então, o que essa gente quer é simplesmente tornar “legal” a
censura, a perseguição, a repressão, a violência contra todos aqueles e aquelas
que educam de verdade. Que são originais, que encontram caminhos em meio às
trevas, que ensinam a aprender, que provocam o pensamento crítico. Na verdade,
não é uma escola sem partido o que querem, mas uma escola sem cabeça, sem
compromisso, sem respeito com os jovens e seus saberes.
Por isso causou-me surpresa ouvir de um integrante da plateia
que a perspectiva que o debate trazia, sobre a necessidade do pensamento crítico
e o desvelamento das relações sociais, fosse nada mais do que “religião” e que
as ciências sociais exigem um método científico.
Ora, o método histórico/dialético é um método científico. Um
método que, inclusive, muda radicalmente a história da pesquisa social. Tem
rigor, tem empirismo, tem compreensão do mundo, na aparência e na essência,
desvela as relações. Explica e abre portas para transformar. Não é sem razão
que, como diz Lukács, as ideias de Marx são perseguidas e vilipendiadas,
enquanto as de Durkheim ou Weber, não. Os dois últimos levantam dados sobre a
realidade, mas não perguntam os porquês.
Vem-me a mente a frase lapidar de Ernest Bloch, e sua
obsessão pela utopia: “Aquilo que é, não pode ser verdade”. Bloch via a
realidade, mas sabia que havia algo por trás, essas relações escondidas que não
fazem parte de qualquer mistério. A luta
de classes na sua transcendência.
Nada tenho contra a religião, a boa religião - do re-ligare,
ligar ao sagrado - coisa com a qual conspiro.
Mas, se existe algo que o método histórico/dialético não é, é religião. Afinal,
ele não liga coisa alguma ao sagrado. Pelo contrário. Ele desvela o humano, o
demasiado humano e suas relações sociais.
Nesses tempos obscuros, quando ideias como a “escola sem
partido” encontram eco no fundamentalismo que avança, tudo o que posso esperar
é que os educadores sigam resistindo. Aqueles mesmos de sempre. Os que hoje -
na escola atual - são perseguidos por abrirem portas, janelas e frestas no
ensino conservador que nos domina.
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