Alzheimer/Velhice

domingo, 28 de agosto de 2016

O golpe


Os tempos de fundamentalismo mental estão aí e são duros. Sei que pouco adiantará dizer que fui crítica do governo Lula desde os primeiros meses, que fiz greve contra a reforma da Previdência, que fiz outras tantas greves por melhorias salariais, que escrevi textos de análise crítica e tudo mais. Também pouco adiantará falar de toda a reflexão feita a cada ação desastrosa do governo Dilma, como o seu apoio ao agronegócio ou sua omissão diante do problema indígena. Basta que falemos no golpe e já alguém salta, acusativo: “petista”.

Não importa. Meu destino é esse: escrever. Então, escrevo o que me vai à alma.

Causa-me profundo pavor o que vejo e ouço da sessão do Senado que legitimará o golpe. É como um livro de Albert Camus. É como uma ópera bufa. É um teatro do absurdo. Mesmo sendo leiga em direito, qualquer pessoa com um único neurônio já pode ver que o que acontece ali é uma farsa.

Não há crime de responsabilidade.  Não há nada que seja argumento seguro para tirar do cargo a presidenta. Que ela estava governando com a elite, sabemos. Que não questionava o sistema capitalista, sabemos. Que beijava na boca dos fazendeiros, sabemos. Não era um bom governo. Mas, não há crime. Ou mau governo agora é crime? Não. Não é. Nunca foi. Se fosse, quantos outros presidentes não teriam sido caçados?

O acosso contra Dilma é uma jogada política. A classe dominante brasileira já não quer mais saber de gerentes com resíduos sociais. Há que ter mão dura, arreganhar dentes, pisar no pescoço dos pobres, retirar até a última gota. Em mais um pico da sempre presente crise capitalista, os donos do poder decidiram que não se pode mais sequer dividir migalhas. Melhor que elas sejam jogadas no lixo do que corram o risco de emancipar algum dos famintos.

E assim vai se desenhando o gole, melancolicamente, enquanto os candidatos de todos os partidos fazem passeatas em busca de votos.

Até ontem eu não tinha qualquer simpatia por Dilma. Agora, ela até me provoca ternura. Fico olhando sua figura pouco afeita ao sorriso e ao afago, sendo abraçada pelas pessoas comuns em cada canto por onde passa, enquanto seus parceiros de partido parecem ter se esquecido dela. Foi bom enquanto durou, mas, agora, é página virada. A defesa de seu governo é feita no campo institucional. Bem feita, é fato, por Cardoso e os colegas senadores. Mas é protocolar. Surpreende, paradoxalmente, que sua mais ferrenha defensora seja justamente a rainha do agronegócio: Kátia Abreu, do partido golpista. Certamente é a amizade que fala ali.

Nas ruas, de maneira espontânea, as gentes saúdam aquela que de certa forma, no mundo da política real, já foi esquecida. Ligar-se a ela pode não render votos. E me parece que é ali, e só ali, que ela consegue se sentir amparada, com afeto e carinho. Ah, os humanos...

Enquanto o Brasil inteiro espera pelo desenlace do golpe, a vida eleitoral pulsa. O partido da presidenta amarra coligações com seus inimigos e segue, pelas ruas, pedindo votos, pronto para recomeçar. O que foi, foi. Agora é hora de ganhar cidades e cadeiras de vereadores.

Mesmo vivendo a política desde tanto tempo, ainda me surpreendo com essa frieza diante do golpe. É inexorável, dizem, melhor tocar o barco.

Mas e nós? E todos os que somos a maioria? Que nos resta? Aceitar o golpe, já que ele é inexorável?  Tocar qual barco? Fico deveras estupefata.

O golpe, cujo desfecho se avizinha não é uma coisa qualquer. E tampouco tem a ver com a queda da presidenta. O golpe é contra todos nós, as pessoas comuns. Respaldará retirada de direitos, cortará programas sociais, marcará o arrocho, o desemprego, o “ajuste”. A Dilma faria a mesmo coisa, dirão alguns. Pode ser. Mas, não temos como saber. É futurologia. O que sim, podemos saber, é o que está sendo feito pelo governo Temer e seus aliados.

Por isso não consigo compartilhar da alegria farsesca da campanha eleitoral. Penso no valente povo hondurenho que, diante do golpe vil contra sua democracia capenga, não topou participar das eleições fraudulentas promovidas para eleger o novo presidente. A esquerda não apresentou candidato. Recusou-se a referendar a farsa. Por isso me espanta que tudo siga como dantes no quartel de Abrantes, inclusive com o PT coligando com partidos que são golpistas.

A impressão que tenho é que quando tudo acabar no Senado, a vida seguirá seu curso normótico, com toda a gente aceitando os fatos. E, em outubro, festejarão a “festa da democracia” depositando seu voto na urna, acreditando que tudo está bem. A democracia sem máculas. E logo, quando menos esperarmos, começarão as campanhas para a presidência.  

Posso até estar muito equivocada, mas penso que tudo isso é muito ruim. Parece-me que sairemos desse episódio sem qualquer salto dialético. Espero estar errada.



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