Alzheimer/Velhice
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sábado, 28 de fevereiro de 2015
Um encontro com Simón Rodríguez
A casa das primeiras letras, onde Simón Rodríguez deu suas primeiras
aulas.
A primeira vez que ouvi falar de Simón foi num pequeno texto de Galeano. Nele, o escritor uruguaio contava sobre esse educador venezuelano que era chamado de "el loco", por estar completamente a frente de seu tempo numa Caracas do final do século 18. Era 1791 quando ele redigiu seu primeiro texto de crítica da escola. O jovem de vinte anos queria uma escola na qual os professores fossem valorizados. No seu quase panfleto “Reflexões sobre os defeitos que viciam a Escola de Primeiras Letras de Caracas e os meios para uma reforma por um novo estabelecimento”, ele arrasa com o sistema vigente, critica o fato de só ser oferecida educação às crianças brancas e aponta a necessidade de educar as crianças pobres, aos agricultores, aos artesãos. “O regime deve ser de igualdade”, diz.
Mostra também que o sistema não se preocupa com a formação dos professores e insiste que esse deve ser o principal fator de mudança. Como proposta exige o aumento do número de escolas, capaz de atender todas as crianças em idade escolar, a formação de professores profissionais, salários dignos para os educadores, jornada de seis horas, móveis adequados para o ensino e finalizava exigindo que se tomasse a sério a escola de primeiras letras. “Uma escola até pode ser superficial, mas não inútil. O aluno não pode esquecer o que aprendeu. Há que ter cuidado e delicadeza para dar às crianças a primeira ideia de uma coisa”. Dizia isso porque havia a tradição de ensinarem até nas barbearias, enquanto afeitavam os clientes. Simón abominava isso. Defendia que como nessa idade a criança se distrai com qualquer coisa, era necessário um ambiente adequado e que o professor também prestasse atenção nas brincadeiras. “É necessário saber ler em todos os sentidos e dar a cada expressão o seu próprio valor”.
Por conta disso passou a ser olhado de revés pelos colegas e pelos que cuidavam da educação. Mandou tudo às favas e foi ser preceptor de Simón Bolívar, aquele que viria a ser o libertador. Naquela cabeça plantou ideias de liberdade e foi-se pelo mundo, plantando escolas por onde passava.
A história desse homem passou então a me perseguir depois da leitura do texto de Galeano. E, com o tempo fui descobrindo toda a sua trajetória de vida. Nesse encontro, amando-o. O louco nada tinha de louco. Era um amante do conhecimento, um amante dessa terra nova. "Imitamos demais a Europa. É hora de inventar", dizia, juntando meninos, meninas, negros e índios em sua própria casa, repartindo o saber. E, quando chegou a revolução, ele voltou para a América para formar gente capaz de viver numa democracia. Acolhido por Bolívar ele bem que tentou implantar seus métodos, mas, com a morte prematura do libertador, caiu em desgraça. Ainda assim, escreveu uma vasta obra, hoje recuperada pela revolução bolivariana, a partir de Chávez, que também o amava.
E foi atrás de seus passos que cheguei em Caracas nesse janeiro de 2015. O desejo era conhecera a atmosfera na qual ele viveu, as ruas por onde caminhou, a escola onde ensinou as primeiras letras e onde gestou seu pensamento original.
No centro histórico da capital venezuelana está o bem cuidado prédio onde o maestro ensinou. Bem no bulevar Panteão. Hoje é um museu que abriga a história do educador. Recuperado, o prédio ainda concentra uma biblioteca com a obra de Simón e outras obras que falam dele, um café e um espaço interativo no qual os jovens podem jogar com aplicativos nos quais os personagens não são mercenários decepando cabeças, mas os heróis da independência.
Na tela grande podemos ver um Bolívar menino - com a idade de nove anos (tempo em que teve Rodríguez como professor) - contando a história do mestre e também outros momentos da vida do educador. Desde um longínquo passado nos sorri aquele que aprendeu pelas mãos de Rodríguez a beleza de semear a originalidade. Não foi sem razão que Bolívar ousou pensar uma Pátria Grande.
O recorrido pela casa é um turbilhão. Passado, presente e futuro se misturam. A cada minuto entra um jovem para um passeio interativo com as máquinas, ou para sentar-se a mesa do café, folheando as ideias que saltam dos livros. Nas paredes, pequenas frases do educador indicam caminhos e sonhos. Pode-se ficar por ali uma eternidade, porque há muito para aprender.
Na porta, um Simón Rodríguez de papelão dá as boas vindas e é um repetir-se de cliques das pessoas que querem mostrar-se ao seu lado, numa fotografia insólita. Meninos, jovens, gente madura, é uma procissão. O "louco" que foi corrido de Caracas agora descansa bem ali, entre livros e mentes ávidas. Pode-se até sentir a presença do mestre, espiando pelas frestas.
Quando saiu de Caracas ele jurou nunca mais retornar, tanto que morreu bem velho, no Peru, sem jamais voltar a pisar no solo pátrio. Mas, certamente, hoje, amado de forma tão intensa pela juventude bolivariana, o sério e compenetrado professor está feliz. Aquelas carinhas risonhas e festivas estão cheias de novos sonhos, de ideias de integração, de liberdade e de originalidade. Bem ao gosto de Simón. E a gente sai dali renovada porque, enfim, o mestre tem o lugar que merece no coração e na mente de toda uma pátria, a grande pátria latino-americana.
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