Texto escrito em 2013, mas ainda bem atual no que diz respeito às forças que atuam na política catarinense.
Movimentos sociais precisam avançar dos particularismos
Santa
Catarina entrou para o mapa da história do mundo em 1515 quando alguns
náufragos da expedição de Juan Díaz Solís passaram pelo estado em direção ao
estuário do rio da Prata. Eles aportaram na então chamada ilha dos Patos, onde
hoje é a ilha de Santa Catarina e foram muito bem recebidos pelos povos que ali
viviam, possivelmente a gente Guarani. O fato de começar por Santa Catarina o
famoso caminho do Piabeiru, que ligava os povos indígenas em rotas comerciais
até o império inca, mostra que a região era bem cobiçada pelos que vinham da
Europa em busca do ouro.
Durante
mais de 100 anos os espanhóis ocuparam essas terras, cometendo as mais atrozes
violências contra os povos originários, também em franco combate com os
portugueses que buscavam garantir o controle sobre a área. Mas, foi só em 1660
que os portugueses conseguiram fundar uma colônia estável, onde hoje é São
Francisco do Sul. Quinze anos mais tarde foi a vez do bandeirante Francisco
Dias Velho fundar uma colônia na ilha de Santa Catarina. Logo em seguida foi a
vez de Laguna.
O
litoral era um espaço importante para os portugueses, mas havia o desejo de
fincar raízes nas terras adentro. E foram justamente os caminhos abertos pelos
tropeiros a transportar o gado do Rio Grande do Sul para São Paulo que
proporcionaram esse avanço para o interior. O fato de a ilha de Santa Catarina
ter sido elevada à vila em 1726 deu mais força para o povoamento do interior.
Assim, os portugueses foram tomando as terras indígenas, arremetendo contra os
espanhóis e ampliando o território. E foi justamente essa sede por novas terras
que fez com que a coroa portuguesa recorresse à imigração. Então, o povo dos
Açores encheu o litoral. No interior a base portuguesa era a cidade de Lages
onde se expandiram as fazendas de gado. Esses eram, então, os principais focos
de povoação do estado.
A
vida correu tranquila por aqui até que estourou a Revolução Farroupilha no Rio
Grande do Sul, em 1835. O movimento de libertação dos gaúchos ultrapassou a
fronteira do estado e chegou a Laguna, aonde os catarinenses chegaram a
proclamar a República Juliana, compartilhando o ideário dos farroupilhas.
Também envolveu a cidade de Lages que igualmente aderiu a revolução. Mas, dez
anos mais tarde, Santa Catarina já estava “pacificada” e recebia festivamente a
visita de D.Pedro II e sua mulher. Foi só depois que nasceram Joinville (1845),
Blumenau (1850) e Brusque, cidades que iriam desempenhar papel importante na
história do estado por conta de suas indústrias.
Quando
chegou a República, Santa Catarina era uma região tranquila, de 200 mil
habitantes, cuja maioria vivia da pesca e da pequena lavoura. Por aqui os
escravos eram poucos, pois não havia grandes plantações. Mesmo assim chegaram a
somar mais de 18 mil almas, marcando presença no processo cultural do lugar. A
imigração estrangeira, de alemães, suiços, italianos e noruegueses também
chegou com força, dando nova conformação às forças produtivas.
O
primeiro governador dessas terras, nomeado por Deodoro da Fonseca foi Lauro
Müller, militar de carreira, adepto do positivismo, que vivia no Rio de Janeiro,
embora fosse natural de Itajaí. Ele acabou deposto tão logo Deodoro saiu do
poder, por pressão dos federalistas catarinenses. Assim, a exemplo da
farroupilha, também a revolução federalista teve reflexos profundos em Santa
Catarina, com muita instabilidade na política e com o povo alçado em armas. A
“rebeldia” foi vencida pela força de Moreira César e muitos dos revolucionários
foram enforcados ou fuzilados. Pouco tempo depois a vila de Desterro era
denominada de Florianópolis, em homenagem ao seu carrasco, Floriano Peixoto.
Quem
assume o comando do estado então é Hercílio Luz, filho da elite
florianopolitana, tendo estudado na Europa. Depois dele, o Partido Republicano
continuou rendendo figuras influentes como Felipe Schimidt, Vidal Ramos, Adolfo
Konder e Vitor Konder. O domínio político se dividia entre o litoral e o
planalto (região do latifúndio), com alguns filhos de imigrantes também
aparecendo em cena. Quando em 1930 o Rio Grande puxa outra revolução, com
Getúlio Vargas, Santa Catarina se coloca contra, pela primeira vez, mas é
vencida pelas tropas gaúchas e com a vitória de Getúlio em nível nacional.
Assim, até 1945 o estado é governado por interventores da confiança de Getúlio.
Dentre eles destaca-se Nereu Ramos (filho de Vidal Ramos) – o único que foi
eleito pelo povo, de filiação liberal.
Naqueles
dias vicejavam dois partidos que dominavam a política e se intercalavam no
comando. O Partido Social Democrático (PSD), de caráter liberal-conservador,
apoiador do Estado Novo, e a União Democrática Nacional (UDN), formada por
antigos republicanos, ultraconservadores, antinacionalistas e antigetulistas.
De qualquer sorte, em Santa Catarina, os dois representavam a elite e nada
tinham de progressistas. Durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas, é criado o
Partido Trabalhista Brasileiro, que acaba sendo, menos um partido de
trabalhadores, e mais uma resposta das elites para a modernização do estado
brasileiro, com uma aliança dos interesses burgueses e dos proprietários
rurais, colocando as relações trabalhistas sob o controle do Estado. Ainda
assim, em Santa Catarina, o partido não vingou.
Nos
anos 50 a região do meio oeste começou a se desenvolver e passaria a ser também
um ponto de disputa na política estadual, até então limitada a Lages e Florianópolis.
A política volta a ser dominada pelos mesmos conservadores de sempre, agora
representados pelas famílias Ramos/Bornhausen, cuja base material da riqueza
estava na terra. Nos anos 60 criam-se as universidades, a Federal em 60 e
a Estadual em 65. Aí já está instalado o golpe militar e quem comanda Santa
Catarina é Ivo Silveira, ainda escolhido pelo voto direto. Depois de 64 os
partidos tradicionais já não existem e os militares instituem o
bi-partidarismo: Arena (para onde vão os velhos udenistas) e o MDB (a
oposição). E é nesse contexto que aparecem os novos governadores, Colombo
Salles e Antônio Carlos Konder Reis, nomeados pela Assembleia, Jorge Borhausen
(primo de Konder Reis), nomeado por um colégio eleitoral e Esperidião Amin,
também nomeado pelo governo militar. Todos eles eram aliados da ditadura,
pertencendo, portanto, a Arena. E também todos fazem parte da mesma corrente
latifundiária/conservadora. O voto direto só volta em 1982, quando então se
elege Esperidião Amin (já sob a sigla PDS), sob graves denúncias de
fraude.
É
que com a abertura política, ainda no governo militar, havia mudado o universo
partidário. Para fugir da identificação com a ditadura, a velha Arena se
transforma em Partido Democrático Social (PDS), e o MDB deixa de ser um
movimento e passar a se chamar Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
Depois das conturbadas eleições de 1982, onde uma denunciada fraude
inviabilizou a eleição de Jaison Barreto, o PMDB acaba vencendo em 1986, com
Pedro Ivo Campos, mudando um pouco a balança política e tirando de cena a velha
elite latifundiária/conservadora que vinha governando desde o tempo da colônia.
Pedro Ivo, natural de Joinville, era tenente coronel e, na juventude, militara
no antigo PTB, partido de raízes trabalhistas. Pedro Ivo morre antes de
terminar o mandato, assumindo Casildo Maldaner, seu vice. Mas, mesmo sendo
menos conservador que os "inimigos", o PMBD não avança em
praticamente nada que mexa nas estruturas cristalizadas. Nas eleições que
se seguem aparece então a "nova direita", com caras diversificadas,
mais jovens, desconectadas do mundo rural, mas ainda representando a mesma
velha oligarquia que comandara o estado desde sempre. Assim, é o Partido da
Frente Liberal (PFL – filho do desmembramento do PDS, ex Arena, ex UDN) quem
leva o governo através de Vilson Kleinübing, tendo como vice o velho Konder
Reis. Com ele, os trabalhadores públicos estaduais veem acabar-se a data-base,
ainda não recuperada até os dias de hoje. Logo em seguida o PMDB também ataca
de novas caras e o jovem Paulo Afonso Viera logra vencer em 1995, terminando
seu governo envolto no escândalo das letras. Ou seja, nada de novo na política
local.
Os
tempos atuais
Em
1999 Espiridião Amin volta ao governo, com todo o aparato direitista e em 2003
reassume o PMDB, desta vez com o então prefeito de Joinville, Luiz Henrique da
Silveira, que fica no governo por oito anos seguidos. Essa dobradinha
envolvendo um rodízio da direita – ora PFL, ora PP – e o PMDB foi constante
desde o final da ditadura. Mas, o PMDB já não era mais o mesmo do tempo de
Pedro Ivo, que mantinha certa raiz progressista, da tradicional ética
emedebista. Com Paulo Afonso já se pode perceber todo um mergulho na corrupção
e o completo descompromisso com o povo catarinense. A ação de Luiz Henrique foi
ainda mais nociva, pois esse governo atuou com forte conotação neoliberal e
privatizante. Com ele avançou a terceirização dos serviços no estado. Foi
durante seu mandato que o governo criou, defendeu e aprovou o Código Florestal
– que serviria de modelo ao nacional – um instrumento de devastação ambiental.
Ironicamente, ele também criou um Plano de Desenvolvimento para o Estado,
o qual objetivava tornar Santa Catarina uma referência no desenvolvimento
sustentável. Isso claramente não se sustenta quando se observa que durante seu
governo, o estado foi tomado pelas empresas de plantação de pinus, outra praga
de destruição permanente.
Com
ele também começa o reinado das parcerias público/privadas e as Organizações
Sociais. Entidades de cuidado com o menor, presídios, hospitais, tudo passa a
ser comandando pelas organizações sociais, com o Estado ficando completamente
omisso diante de questões de vital importância como a saúde, a educação e a
ressocialização de menores infratores. No seu governo também é promovido
um desmonte no Deter, o departamento de estradas, e as vias são entregues à
empresas privadas, com a instalação de inúmeros pedágios. A famosa
“descentralização” promovida no seu governo nada mais foi do que a montagem de
aparelhos eleitoreiros nos cantões do Estado, sem muita alteração na vida das
gentes. As tais das secretarias regionais (em número de 36) consumiam e ainda
consomem do estado 700 milhões de reais por ano, só para funcionar, sem
oferecer espaço de participação efetiva à população. Também é no governo de
Luiz Henrique que a criminalização dos movimentos sociais assume a condição de
política de governo. Toda luta ou reivindicação vira caso de polícia.
Por
isso, em 2011 o retorno do velho conservadorismo oligárquico representado pelo
DEM não foi novidade. O estado de Santa Catarina, historicamente, tem suas
raízes fincadas nesse modo de fazer política. Raimundo Colombo, o governador
eleito, vem dos campos de Lages, perpetuando o ciclo interminável de dominação
da política seja pelo litoral (com Florianópolis) ou pela serra. Mas, no começo
do governo, Colombo decidiu desgarrar-se do velho DEM e subiu no bonde do PSD,
uma nova sigla para a mesma velha política. Com esse movimento, Colombo tentou
virar o leme mais ao centro, buscando ampliar sua base de apoio. Também foi uma
forma de se aproximar do governo federal, uma vez que em nível nacional o seu
atual partido, PSD, tem votado nas propostas governistas. Colombo também volta
a se aproximar do PP, partido que tem à frente Espiridião Amin, unindo assim
mais uma parte do conservadorismo catarinense.
Em
linhas gerais, o governo de Colombo em nada se diferencia do de Luiz Henrique.
Sua linha é de endurecimento com as lutas trabalhistas e todo o poder aos
“empreendedores”, com grandes cortes no orçamento, deixando descobertos setores
estratégicos como educação, saúde e segurança. Grandes têm sido as lutas dos
professores, dos trabalhadores da saúde e dos agentes de segurança. Na área da
saúde a situação se vê dramática, com os hospitais perdendo seus leitos sem que
nada seja feito. Colombo, que foi um crítico de Luiz Henrique durante o
processo de “descentralização”, manteve as secretarias regionais que seguem
servindo de cabide de empregos aos correligionários, agora do PSD. No final de
novembro de 2012 e em janeiro/fevereiro de 2013, viveu a chamada "crise na
segurança", quando o estado foi atacado sistematicamente pelo crime
organizado desde dentro das penitenciárias. Completamente acuado, como se
devesse alguma coisa, o governo demorou demais a agir, claudicou, jogou a
comunidade à própria sorte, precisando os trabalhadores do transporte exigir
segurança para os usuários. A crise se prolongou por quase 20 dias, e não teve
um final, uma vez que as causas dos ataques - violências, maus-tratos e
torturas nos presídios estaduais - não foram levadas em conta. A solução dada
pelo governo foi o uso de mais força, com o pedido de socorro às forças
nacionais.
As
outras forças
Nessa
dobradinha de repetição da elite catarinense, ora pela direita, ora pelo
centro, a esquerda nunca teve vez, sendo sempre uma força secundária no
tabuleiro político. O antigo PT (quando era mais à esquerda), que tem suas
raízes – não por acaso - no oeste catarinense, nunca conseguiu fazer-se uma
força capaz de criar alguma turbulência no jogo político catarinense. Nascido
no oeste, com as lutas camponesas, de mulheres, de agricultores sem-terra, o PT
sempre foi visto pelos conservadores catarinenses como “muito radical”,
representando uma ameaça à ordem. Apenas agora, com o governo Lula e a ascensão
da senadora Ideli Salvatti, o partido começou a aparecer como palatável, embora
não tenha conseguido nunca lograr uma organização de base estadual capaz de
balançar o barco da velha classe dirigente. Pelo contrário, preferiu aliar-se
aos velhos inimigos em nome do que chama de "governabilidade". Pois,
ao se fazer "palatável" perdeu definitivamente sua radicalidade, e
deixou de se situar no campo da esquerda, ficando mais para o centro, ora
assumindo uma posição mais progressista, ora regredindo. Campanhas para
governador em que lideranças do PT aparecem abraçando e apoiando Esperidião
Amin mostram isso com clareza. Por conta dessas decisões estaduais e as
alianças feitas em nível nacional para vencer a eleição presidencial o partido
perdeu muitos de seus históricos militantes, o que enfraqueceu bastante a base
popular/camponesa do partido. Embora no oeste o PT ainda mantenha uma militância
aguerrida, não conseguiu criar um nome com força capaz de mobilizar o estado.
O
PC do B, com suas alianças confusas como as do PT (também apoiou Amin, é uma
das bases do governo petista e agora apoia Raimundo Colombo), desvincula-se das
forças de esquerda. O PDT, sigla assumida por Brizola depois de ter perdido a
do PTB, que deveria enveredar para o lado de seu passado histórico que, ainda
sendo de cunho populista, em certo momento esteve junto das lutas populares
antes do golpe, tem sido parceiro dos governos peemedebistas, sendo que pouco
se pode esperar. Vale lembrar que em nível nacional também já esteve aliado até
com Collor de Melo. Restam, no campo da esquerda, o PSOL e o PSTU e o PCB, que,
apesar de terem boas propostas programáticas, individualmente não configuram
possibilidade de lograr uma alternativa para o estado. O PSOL fez bonito na
eleição em Florianópolis, mas não tem encarnação na vida de outros municípios
do estado.
No
âmbito dos movimentos sociais com força para intervir na política estadual sem
sombra de dúvidas o MST ocupa o primeiro lugar. Organizado em praticamente
todas as regiões de Santa Catarina o movimento acompanha de perto a política,
intervêm, atua em consequência. Também realiza análises periódicas da
conjuntura e tem bastante clareza quanto ao que quer para o estado, apostando
no predomínio do minifúndio, das cooperativas e da articulação com os
trabalhadores da cidade. Talvez ainda falte ao MST uma análise mais aprofundada
do caráter urbano e industrial de Santa Catarina, para que possa intervir com
mais universalidade, saindo do particularismo das questões camponesas. Também
sua postura em relação ao governo federal se domesticou bastante nos últimos
anos e não tem havido uma presença mais concreta no que diz respeito a
proposição de um projeto de país. Ainda na área rural, é forte o movimento dos
pequenos produtores, mas, durante o governo do PMDB esteve fortemente vinculado
a ele, chegando a apoiar massivamente o Código Florestal aprovado na Assembleia
Legislativa. Por sua condição de proprietários (assumindo postura clássica da
pequena burguesia), esses agricultores são mais suscetíveis ao conservadorismo.
No
universo urbano um movimento importante em nível de Estado é o dos professores,
historicamente combativo, sempre protagonizando lutas importantes. Mas, de
qualquer forma, por representar uma categoria, sua atuação ainda é bastante
reativa, sem a consolidação de uma proposta global para Santa Catarina.
Trabalhadores das regiões industriais ou mineiras realizam lutas pontuais, mas
tampouco se configuram em forças capazes de intervir no jogo político global. A
própria CUT que - por aglutinar um número maior de sindicatos - poderia ser a
locomotiva das lutas de categorias urbanas como a dos comerciários e
trabalhadores das indústrias, por exemplo, não atua como uma força capaz de
articular e propor um projeto novo para o estado de Santa Catarina. Sua ação é
também mais reativa que propositiva. Vale lembrar que essa Central, que nasceu
para ser um instrumento dos trabalhadores, ao logo dos anos também foi perdendo
sua radicalidade, atuando muito mais na lógica da conciliação de classe e na
preparação dos trabalhadores para a domesticação na vida laboral. Os
trabalhadores públicos estaduais, que igualmente têm protagonizado lutas
importantes ao longo dos anos, ficam restritos ao corporativismo e lutas
pontuais. Falta definitivamente um elemento unificador de todas essas lutas
esparsas e a construção unificada de um projeto para Santa Catarina que se
diferencie do que vem sendo implementado desde o princípio dos tempos,
capitaneado pela elite que representa pouco menos de 12% do Estado.
É
bom que se tenha em mente que a falta de um projeto para o estado está também
visceralmente ligada à falta de uma proposta de um projeto para o país. Não se
consegue perceber, hoje, sequer um partido político, ou movimento social, ou
uma junção deles, que consiga dar conta dessa tarefa. Assim, a mesma
incapacidade que se verifica em Santa Catarina se coloca em nível de
país.
Essa
constatação não deve servir como elemento imobilizador ou motivo para
choramingações. Pelo contrário. Deveria ser a mola a impulsionar um projeto
histórico capaz de avançar no sentido de construir verdadeiramente uma proposta
nacional, libertária, socialista e internacionalista. Tarefa árdua que precisa
de muito estudo e capacidade de organização.
A
riqueza em jogo
Quando
se fala em conjuntura e em construção de uma proposta de país e de estado, há
que levar em conta a base material do que está em questão. No caso de Santa
Catarina - que é o motivo dessas breves notas - o que está em disputa é
uma riqueza cuja economia está colocada em sexto lugar no país. Apesar de ser
um estado pequeno (95.285 km quadrados) Santa Catarina movimenta 4% do PIB
nacional, ou seja, 129,8 bilhões, o que não é coisa pouca. Sua força maior está
na indústria, representando 22,3% do PIB estadual. É gigante na área têxtil, na
agroindústria, na cerâmica e metal-mecânica. É o maior exportador de frango e
de carne suína do Brasil, sendo a Sadia e a Perdigão as responsáveis por isso.
Hoje as duas empresas estão configuradas numa multinacional, a Brasilian Foods.
Também está em Santa Catarina a maior fábrica de motores elétricos do mundo, a
WEG, e uma das maiores fabricantes de compressores para geladeira, a Embraco.
Com sede no estado está ainda a maior encarroçadeira de ônibus do país, a
Busscar, assim como outras marcas de nome nacional com a Consul e a Brastemp.
A
região de Blumenau congrega o maior parque têxtil do estado e mesmo as pequenas
empresas ou as produções domésticas estão a serviço das grandes empresas como a
Hering. A região norte condensa a metalmecânica.
Apesar
de ser conhecido nacionalmente como um estado de minifúndios, Santa Catarina
está cada dia se transformando num deserto verde. Tudo isso por conta da
expansão das empresas de florestamento que atuam com pinus, uma planta exógena
que, comprovadamente, provoca a desertificação das áreas. O pinus tem se
espalhado pelas regiões do meio oeste e serra, ocupando inclusive topos de
morro, uma vez que é muito difícil controlar a sua disseminação. Muitos
pequenos agricultores estão abandonando o cultivo de alimentos e se dedicando a
plantar pinus. Acreditam eles que é mais lucrativo, e de fato é. O manejo é
ínfimo e um produtor de pinus pode ficar em casa descansando, só esperando a
árvore crescer. Não há preocupação com clima, nem com perdas. É lucro seguro. O
problema é que com o tempo a terra vai minguando e pode ficar incultivável. Não
é sem razão que Santa Catarina foi o terceiro estado que mais desmatou as
florestas nativas, e é o maior produtor de celulose. Tudo está a serviço das
empresas de reflorestamento que, longe de ajudar a recuperar as matas, as estão
matando. Inclusive os pinheirais, parte da tradição da vida do povo da serra,
estão minguando. A produção de pinhão declina ano após ano.
No
campo da pequena produção que ainda resiste o milho é a principal cultura.
Segue-se a soja, bastante cultivada na região do meio oeste, o fumo, a mandioca
e o feijão. Tirando a soja, que é plantada em grandes propriedades, as demais
culturas estão no controle dos pequenos proprietários. No que diz respeito a
criação de animais é a suinocultura e a avicultura que domina o cenário, sendo
que no oeste, a maioria dos pequenos produtores trabalha associada aos grandes
frigoríficos, em condições bem desfavoráveis. Também a pesca tem representado
importante papel na economia do estado. Santa Catarina é um dos maiores
produtores de pescado e crustáceos do país, com maior produção na região de
Florianópolis, Itajaí e Navegantes.
Na
área do extrativismo mineral é a região de Criciúma que se destaca. Todo o
entorno já foi um grande produtor de carvão e apesar do decréscimo na produção,
ainda representa muito dentro da economia catarinense. Existem ainda reservas
de fluorita, sílex, quartzo, bauxita, petróleo e gás natural. A região também
domina a produção de cerâmica e é uma das maiores produtoras do país.
Conforme
informações da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) no
que se refere às exportações Santa Catarina é campeã de lucros e representa 3,6%
das exportações do país. De janeiro a dezembro de 2013, as exportações
catarinenses alcançaram o valor acumulado de US$ 8,7 bilhões. Ocupa a décima
colocação no ranking nacional. Os principais mercados de destino dos produtos
catarinenses em 2013 foram Estados Unidos (11,8%), China (8,0%), Japão (6,0%) e
Países Baixos/Holanda (6,0%).
Os
produtos industrializados catarinenses que aumentaram a participação no mercado
internacional foram os motores e geradores elétricos, cujas vendas cresceram
22,3% e atingiram US$ 190,2 milhões; motocompressores, com crescimento de 8,8%
e receita de US$ 168,9 milhões; e blocos fundidos, com incremento de 18,9% nas
vendas e receita de US$ 141 milhões. A carne de frango, principal produto da
pauta de exportação, cresceu 10,6%, para US$ 733,5 milhões.
No
que tange aos indicadores sociais Santa Catarina é sempre considerada uma
espécie de Europa brasileira. O índice de famílias colocadas na classe E é o
mais baixo do país, 6,9%. Por outro lado, as classes A, B e C somam 80,4%,
maior índice do país. O estado ostenta o segundo maior Índice de
Desenvolvimento Humano, tem 51,9% dos trabalhadores com carteira assinada, com
salário médio de 1.258 reais. Tendo na sua formação cultural forte conteúdo
migratório, também é bastante conhecida a fibra da população catarinense
(descendente de alemães, italianos, poloneses, açorianos) acostumada a vencer
qualquer sorte de desgraça, como as comuns cheias do Vale do Itajaí. Talvez venha
daí essa capacidade de aguentar também maus governos e condições desfavoráveis
de reprodução da vida.
A
força patronal
Além
das forças políticas, expressas nos partidos, e a ação dos movimentos sociais
de cunho trabalhista ou popular, também há outras forças com forte atuação na
vida do Estado. Uma delas é a da Fiesc, que representa a maior e mais rica
força econômica: a indústria. São 38 mil empresas representadas na entidade,
que, juntas, empregam mais de 670 mil pessoas, sendo responsáveis por um terço
da riqueza gerada no estado. A Fiesc também articula 130 sindicatos de
indústria, representando política e institucionalmente o setor. Além disso,
ainda oferece serviços nas áreas de comércio exterior, política econômica
industrial, infraestrutura e meio ambiente, legislativa e tributária e relações
do trabalho. Portanto, sua atuação junto as forças que comandam o estado é
sempre sinérgica.
O
sistema Sesi, ligado à Fiesc atende 280 mil trabalhadores por dia,
oferecendo serviços nas áreas de saúde, lazer, educação, farmácia e
alimentação, criando assim, vínculos emocionais com os trabalhadores das
indústrias, o que faz com que muitos deles considerem as empresas onde
trabalham como sua segunda casa. Esses vínculos, muitas vezes, impedem que a luta
por melhores salários se faça, uma vez que os trabalhadores acabam acreditando
que a empresa faz “o suficiente” para seu bem-viver. O sistema de qualificação
profissional, o Senai, possuiu hoje 400 laboratórios e atende, a cada ano, 90
mil alunos. Desde sua criação, com as 34 unidades espalhadas pelo estado, já
formou 1,7 milhão de profissionais. Com tamanha encarnação na vida dos
trabalhadores, essa é uma força que não pode ser ignorada quando se trata de
pensar um projeto para o estado.
Não
é sem razão que a FIESC, muito mais articulada que os movimentos sociais, tenha
o seu projeto para Santa Catarina muito bem delineado, com uma série de
documentos livremente publicados na internet, não só no campo econômico, mas
também dando receitas para a saúde e educação, no qual os dirigentes políticos
bebem para realizar suas propostas de obras e de desenvolvimento do estado. No
mais das vezes, a simbiose Fiesc/governo é quase total.
Assim,
uma das tarefas que está colocada para os movimentos sociais e partidos de
esquerda é justamente a de melhor conhecer as forças que atuam no estado,
compreender e avaliar os projetos e a situação da classe dominante e, de forma
articulada, iniciar um movimento sistemático de estudo e análise da realidade
para poder combatê-la. Perceber quais as propostas e anseios das gentes que
atuam na vida real, conhecer suas lutas – que não são poucas – ficar ciente da
correlação de forças que existe entre a classe dominante e os “de abajo”.
Depois, com base nisso, definir ou redefinir os seus objetivos. Recomeçar
o difícil e árduo trabalho de articulação e construção de um novo projeto
político para Santa Catarina, que tenha a classe trabalhadora (formal ou
informal) como protagonista e condutora das mudanças.
Mas,
esse projeto para o estado não poderá estar descolado da questão nacional,
visto que os mesmos partidos que atuam aqui, apresentam seus projetos em nível
nacional. A relação com o império estadunidense, a proposta para a América
Latina, a aliança com o agronegócio, os conceitos de desenvolvimento, são
elementos que apenas se diferenciam de forma muito pontual entre os partidos
que representam a elite dominante. E o PT, com seus aliados nacionais como o
PCdoB e PMDB, de instrumento da classe trabalhadora e partido de esquerda, passou
a ser um partido ideológico (que encobre a realidade), tal como os outros,
representante de uma classe média emergente que quer chegar ao paraíso
capitalista.
Assim,
transitar no conjunto dos movimentos do campo e da cidade, com seus mais
diversos matizes políticos não é coisa fácil. Também se configura difícil a
possibilidade de que a maioria deles saia dos seus particularismos para assumir
uma proposta transformadora, de destruição do sistema capitalista, de
construção de outro projeto nacional, de revolução. Mas, alguns há que pensam e
caminham, e, com isso, o processo vai avançando. No caso de Santa Catarina é
chegada a hora de os partidos de esquerda e os movimentos comprometidos com
outra forma de organizar a vida decidirem-se por travar uma boa luta e avançar
na discussão sistemática com a população, para muito além do momento eleitoral.
Ou isso, ou seguiremos indefinidamente repetindo a velha dobradinha
direita/centro nos centros de poder, com sérias chances de ver o estado ser
assaltado sistematicamente por velhos/novos e ardilosos gangsteres
profissionais.
Nesse
sentido, segue muito atual o lema do grande educador venezuelano, Simón
Rodríguez: "ou inventamos, ou erramos". Esse é o desafio para todos
nós que queremos um estado e um país diferente desse que aí está.
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