Alzheimer/Velhice

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Eleições presidenciais






 










Aprendi de política quando era bem menina. Vivia numa ditadura militar e morava na cidade do cara que tinha sido deposto pelos milicos. Na velha São Borja, fronteira com a Argentina, éramos forjados na dureza do campo, no respeito aos horizontes e na honra maragata. A política era coisa grande, projeto de país, caminho de liberdade. Desde cedo entendi que a mudança não estava na pessoa, mas no plano de voo. Não bastava ser bom, amigo ou parente. Havia que ter um projeto – coletivo - capaz de mudar a ordem das coisas. Logo, política era coisa grande, profunda, grupal, sendero de rebeldias.

Foi assim que, naqueles dias, me encantei pelo MDB. Havia ali uma proposta generosa de liberdade, de mudança, de solidariedade, de construção coletiva de outro Brasil, longe das botas, da censura, da tortura, do medo. Mas, o movimento era um grande guarda-chuva, que abrigava tendências de todo o tipo. Com o passar do tempo, e o estudo cada vez maior da história e da política, fui vendo que a alternativa para o Brasil tinha que ser mais profunda.

Então, quando no final dos anos 70 os trabalhadores começaram a aparecer como força unificada, nas grandes greves em São Paulo, meu coração se enamorou da proposta proletária. Um Brasil para os trabalhadores, descolado da elite, da oligarquia, dos que ano após ano seguiam mandando. Aquilo era bem melhor do que a frente emedebista, já eivada de conservadorismos. Foi quando surgiu o PT, a CUT e toda uma ideia de governo popular.

Nesse caminho andei até a eleição de 1989. Havia trabalho político. Projeto coletivo de mudança radical. Ação nos bairros, nas comunidades, trabalho braçal de construção do novo. Fazia-se política na vida mesmo. Então, a doença do cargo foi chegando. Eleger vereador, deputados, senadores, prefeitos, governadores. O voto ganhou centralidade. E, eleitas as criaturas, governabilidade passou a ser fundamental. Lá se foi a grande política. Tudo ficou pequeno demais.

Ainda assim, os contragolpes partidários não tiraram de mim o gosto pela política, que segue sendo coisa bonita, gostosa de viver. Traz no seu bojo a proposta da participação cotidiana, reflexão permanente, ação diária. Não se expressa unicamente no voto. É a construção coletiva da transformação. Por isso, com a política sigo caminhando, na luta comunitária e popular.

Agora, estamos aí outra vez às portas da eleição. Hora do voto, esse bastardo, quase um inútil. O que escolher? Não digo quem... Qual é o projeto? O que está em disputa de verdade? Quais são as diferenças radicais? Na disputa pela presidência, debatem-se filigranas. Os grandes temas estão fora da agenda. Os pequenos partidos de esquerda não têm tempo suficiente para discutir qualquer coisa. O grande oráculo – a TV – que chega aos lares de 97% dos brasileiros, se limita a mostrar a agenda dos candidatos, coisa absolutamente inútil. Não há debate sobre os pagamentos à dívida externa, sobre política monetária, sobre matrizes de energia, novas fronteiras agrícolas, terras indígenas, formas de organizar a vida, a invasão das mineradoras.

O jornalismo, que deveria ser a análise da vida política, não cumpre seu papel. Ao contrário. Desinforma. Deforma. Mente. Esconde. Prefere nutrir-se de factoides. Os candidatos e candidatas seguem a fórmula: eu fiz isso, farei aquilo, a mão de deus me guiará. E os grandes temas? Nadicadinada! Nada dizem os candidatos de quem os financia, e a quem terão de render contas, se eleitos.

Não vislumbro nada de novo nesse processo eleitoral. As forças com chances de ganhar o controle do Brasil se diferem em pequenos detalhes. No essencial, estão juntas. Seguirão comandando um barco dependente, no qual o abismo entre pobres e ricos segue se aprofundando. Tampouco existe algum movimento verdadeiramente forte, capaz de virar o jogo. Os partidos de esquerda, pequeninos, não conseguem entranhar-se na maioria, sem tempo na TV e sem militantes suficientes para cobrir grandes extensões do país.

Eu queria mesmo era ver em ação a grande política. O debate das ideias, as propostas generosas de mudanças reais, os planos factíveis, a verdade sobre a dívida, os transgênicos, o modelo de desenvolvimento. Mas, não é o que teremos. Nas redes sociais vicejam as denúncias de todos os tipos e a apropriação dos conteúdos é caótica. Poucos são aqueles que estão verdadeiramente dispostos a discutir as temáticas. É quase uma guerra de fundamentalistas. 


Lendo o programa dos partidos e conhecendo a prática de cada um deles no governo de cidades e estados, o que mais se vê são incoerências. A começar pelos nomes. Como entender "progressista" o Partido Progressista? Como entender socialista o PSB, aliado do agronegócio? E onde anda a "democracia" do DEM? As coisas beiram ao cinismo. Também podem ser contestadas as propostas/práticas do PT e do PC do B, que, no governo, em nome da tal "governabilidade" fazem alianças com o que há de mais atrasado no país e com as vampirescas multinacionais. Ou o próprio PV, que embora esse ano tenha um candidato interessante - Eduardo Jorge - igualmente tem se prestado a alianças muito pouco confiáveis ao longo dos anos.

Na esquerda mesmo restam o PSOL, que esse ano vem com Luciana Genro, o PSTU e PCO, há várias eleições com o mesmo candidato, Zé Maria e Rui Pimenta, e o PCB, que passou por um processo de reorganização e, esse ano, apresenta como candidato o cientista político Mauro Iasi. Nesse bloco é onde estão, com menor ou maior radicalidade, as propostas que confrontam o modelo de organização da vida já muito bem incorporado pelos demais partidos, que é ou de aceitação completa do capitalismo ou a ideia ainda mais esdrúxula que procura convencer ser possível "humanizar" ou "esverdear" o capitalismo.

Nesse sentido, no primeiro turno das eleições presidenciais, os eleitores podem optar por uma resposta política. De escolha de projeto. E aí, é preciso ter bem claro o que defende cada um dos partidos, ou frentes ou redes. Mas há que conhecer a fundo, para não servir de marionete. Votar porque sabe e não porque aquele ou aquela é mais bonitinho, ou amigo do pai, ou indicação do pastor. O voto é pessoal, uma escolha nossa. E ainda que não seja a última bolacha do pacote, nem o objetivo final da democracia, é um momento de expressão do nosso desejo.

Pessoas há, por exemplo, que não se veem representadas em nenhum dos partidos, que não reconhecem nem aceitam o sistema político tal como é. E mesmos esses exprimem sua opinião, votando nulo ou branco.

Eu gosto demais desses dias que antecedem as eleições. É um momento bom para conhecer os projetos e as propostas que estão postas para conduzir o país. Porque está tudo exposto. As propostas mesmo, aquelas que valem, estão escritas nos documentos e se expressam nas alianças. Tudo fica muito claro. Basta entrar nos sítios das campanhas e se debruçar sobre as informações. É óbvio que se a pessoa ficar limitada ao que o candidato promete no programa de TV, aí corre risco de se enganar. Todo mundo diz que vai lutar pela educação saúde e segurança. Mas há que ver as letras pequenas. Saúde de quem? Educação e segurança para quem? Quem está financiando a campanha, quem são os parceiros de palanque? Tudo isso dá a exata dimensão do que virá.

Para essa eleição, lidas todas as letrinhas pequenas, já decidi meu voto para presidente. Vou de Mauro Iasi, PCB. 

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