Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Sem dúvida, velha!



























Lá vinha eu no ônibus. Como sempre, em pé, porque há que fazer cálculos. Se a pessoa sai do centro determinada hora pode perder o outro ônibus no segundo terminal, e aí fica mais de hora esperando. O tempo duplica. É uma loucura matemática. Então, não dá para esperar para ir sentado. Tem que pegar o carro que te leva ao outro terminal no tempo certo. Difícil explicar para quem não sofre o transporte desintegrado de Floripa. Mas, enfim. Quero falar da velhice.

Há sempre aquele ditado bonitinho que diz: a velhice é um estado de espírito. Só é velho quem quer... Bobagem, não é verdade. Pelo menos, não para a os trabalhadores. Aí a gente entende o papo mosca do politicamente correto. A diferença entre idoso e velho é a diferença de classe. Explico.  Pois como eu dizia, vinha em pé no ônibus me equilibrando com a bolsa pesada, o casaco e os livros. Tenho de segurar no banco porque meu metro e meio não me permite pendurar lá em cima. Então, uma mão já está comprometida com o segurar o “corpicho”. E com a outra eu tentava segurar o livro aberto, para ler, afinal a travessia do centro até o Rio Tavares pode levar até uma hora no período de pico.  O bagulho estava doido.

Quando cheguei ao Rio Tavares o corpo todo doía. A mão, formigando por apertar demasiado o banco, já que os motoristas dirigem como loucos e nas curvas há que fazer malabares. A outra, doendo pelo peso dos livros, e as costas em frangalhos por conta da bolsa lotada de papéis, escova de dente, pasta, batom, bonequinho do Chaves, camiseta, gorro, câmera e gravador. Esse kit básico do jornalista que sai de casa pela manhã e volta à noite. O nervo ciático repuxando tudo, fazendo mancar. Era a imagem do tinhoso.
Então vem a constatação básica. Estou velha. Velha, não idosa. Velha, incapaz de aguentar mais o peso da bolsa, dos livros, da situação vexatória do transporte público, de ser quem eu sou. Então vislumbrei os “idosos” das propagandas de banco ou de margarina. São ricos. Andam com roupas diáfanas, cabelinhos arranjados, maquiagem e estão sempre em alguma paisagem encantadora. Alguns devem ter criados para suas vontades mais tolas. Andam de carro, tranquilos. Sorriem e parecem saudáveis.

Ser velho é coisa de pobre mesmo. De quem precisa se virar na correria do dia, trabalhar, limpar, levantar peso, carregar tralhas e, ao fim do dia, ainda balançar como um pedaço de carne murcha nos ônibus lotados e sem janela, respirando um ar viciado. Velha. Na dolorosa constatação de quem não tem mais forças para enfrentar o tirão. “Há que diminuir o peso”, diz o ortopedista, vendo o corpo retorcido de dor. Mas como? Comprando um escravo para levar a bolsa com tudo que se necessita ao longo do dia? O bagulho é mesmo doido, meu irmão...


E assim, na constatação cotidiana da nossa condição, a gente vai percebendo o quanto essa política do “correto” é sacana e mentirosa. Esteriliza a verdade, amacia, engana. Como dizer idoso ao que vai se desmilinguindo pelos caminhos? Para nós, desse lado de cá do rio, é velho. Velho mesmo. Com todas as durezas, as dificuldades, as feiuras, as dores, as humilhações. Aquele momento fugaz em que se percebe que algo se perdeu e não volta mais.

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