Nessa quinta-feira (13.02), bem debaixo do sol do meio dia, os trabalhadores dos Correios caminharam pelas ruas do centro de Florianópolis. Eles estão em greve desde o dia 30 de janeiro, mas, ao que parece, o governo está pouco se lixando para suas reivindicações, uma vez que sequer abriu mesa de negociação. Por outro lado, a direção geral da ECT imediatamente acionou a justiça para que o movimento fosse declarado ilegal e abusivo. Ainda assim, os trabalhadores seguem parados, já que o tribunal do trabalho remeteu a discussão para a comissão que discute o dissídio coletivo. Os trabalhadores deflagaram greve por conta das mudanças que a ECT fez no fez no plano de saúde. Até agora, a assistência da saúde dos trabalhadores tem sido feita pela própria empresa. Mas, com as mudanças propostas, eles terão de pagar por um plano privado, terão os pais excluídos do benefício e ainda terão de pagar co-participação por cada procedimento que fizerem.
Outra reivindicação diz respeito ao horários das entregas. Desde há anos que a ECT acordou estudar a troca de horário para o trabalho dos carteiros, que atualmente é à tarde (do meio-dia às quatro), para o período da manhã. Segundo o diretor do Sindicato em Santa Catarina, Hélio Samuel, a entrega na parte da tarde tem sido um tormento para os trabalhadores, principalmente agora no verão, quando ondas de calor tornam o dia um caldeirão. “Esse é o pior horário para exposição ao sol, comprovado cientificamente. Temos muitos companheiros com câncer de pele. Isso não é brincadeira.”
Talvez boa parte das pessoas das grandes cidades não tenha sentido os efeitos da greve, uma vez que nos dias atuais pouco utilizam os correios, a não ser para receber contas a pagar. Mas, nas pequenas cidades e entre as comunidades empobrecidas de todo o país, o correio ainda é a única opção de comunicação com parentes distantes, bem como o caminho para o envio de encomendas. E, apesar de muitos dos serviços dos correios já estaram privatizados, a entrega das correspondências e das encomendas ainda é feita por trabalhadores públicos. Pois são esses que, hoje, lutam pela garantia da assistência à saude e por melhores condições de trabalho.
Até 2011 a Empresa Brasileira de Correios era uma empresa pública que detinha o monopólio de todo o serviço postal. Mas, uma medida provisória, mais tarde transformada em lei, acabou com o monopólio e possibilitou a entrega de vários serviços para a iniciativa privada. Naqueles dias, o presidente dos Correios, Wagner Pinheiro de Oliveira, defendia a ideia, alegando que era necessário “modernizar” a empresa, justamente porque o serviço de entrega de correspondência tradicional vinha perdendo espaço para novas tecnologias. “A aprovação da MP possibilitará a transformação dos Correios em uma grande empresa de logística integrada, que poderá oferecer serviços de qualidade a todos os cidadãos brasileiros, objetivo do governo federal”, dizia. Essa modernização, é claro, veio para beneficiar o setor privado que hoje, inclusive, detém a parte do leão, que é o serviço de Sedex, o mais caro do país. Durante o processo de discussão dessa lei, apenas os trabalhadores dos Correios gritaram contra. A sociedade não se manifestou. Muitos sequer souberam que os Correios estavam se privatizando.
Compreenda como caminhou a privatização dos Correios
Foi o decreto lei 509, de 20 de março de 1969, assinado pelo presidente Costa e Silva, que transformou os Correios numa empresa pública, responsável pelo monopólio dos serviços postais em todo o território nacional. A sede era na capital federal, com regionais que, na prática , eram as que distribuiam as correspondências, as encomentas e todo o restantes do serviço. Como uma empresa ligada ao Ministério das Comunicações, o Correio estava submetido a todas as regras orçamentárias federais, sem interferência de capital privado. As franquias postais e telegráficas eram permitidas, mas ficavam totalmente submetidas ao Conselho de Administração Central.
A lei 6.538, editada em junho de 1978, pelo presidente Ernesto Geisel especifica melhor o que são os serviços postais, listando todas as atividades realizadas pelo correio, garantindo ao cidadão brasileiro o direito de enviar e receber correspondências e encomendas. Segue definindo que apenas a empresa pública pode prestar esse serviço, embora estabeleça algumas novidades como a possibilidade a exploração de publicidade em objetos de correspondência. Fogem do monopólio estatal apenas o transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, o famoso malote, e o transporte e entrega de carta e cartão-postal; executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento. No mês seguinte, um novo decreto – 83.726 - define o estatuto da empresa, sua organização e atribuições.
Em 1989 é a vez do presidente José Sarney modificar a lei, acrescentando, através de um decreto, regras para licitação. Em 1995, o decreto 1.390, assinado por Fernando Henrique Cardoso, altera algumas regras com relação a cargos e especifica atribuições aos mesmo. Em setembro de 1997, outro decreto (2.326), incorpora novas atribuições ao cargo de presidente e diretores de regionais.
Em maio de 2011, o decreto 7.483, assinado pela presidente Dilma Roussef, dá uma guinada na história dos Correios revolgando todos os decretos promulgados desde 1970. Na prática, define um novo Estatuto para a empresa que, a partir de então, libera algumas atividades para exploração privada, além de poder firmar parcerias comerciais que “agreguem valor” à marca. É retirado definitivamente dos Correios o monopólio dos serviços postais. Contraditoriamente, a lei define um “Estatuto Social” aos Correios, ao mesmo tempo em que abre a porta para a entrada da iniciativa privada no setor.
Em setembro do mesmo ano, O Congresso Nacional aprova a lei 12.490, que trata de duas questões importantes. Uma diz respeito a política de abastecimento e a outra está relacionada aos Correios. Vários pontos são acrescentados com relação aos serviços postais. Finalmente, no ano de 2013, no mês de maio, o decreto 8.016, define um novo estatuto para a empresa, revogando assim o promulgado em 2011.
No novo estatuto também não se vê mais a palavra “monopólio”, a qual acompanhou todos os decretos e leis desde 1969. Prevê exclusividade em alguns serviços e permite a contratação de subsidiárias. Apenas o serviço de entrega de correspondência (carteiros) ainda é vedado às empresas privadas. Muito bom negócio para o empresário que pode lucrar à vontade com o serviço, enquanto o estado segue bancando a entrega. E assim foi regularizado o serviço de Sedex – que hoje é privado e que encareceu o envio de encomentas de forma astronômica.
Mas, para garantir um serviço de encomendas a preço menor o governo instituiou o PAC, definido como um serviço da linha econômica. Nele, encomendas de 500 gramas até 30 quilos podem ser enviadas com tarifas bem menores que as do Sedex. A diferença é que demora mais de 15 dias para chegar. Não bastasse isso, nos postos privados de Correio ainda há funcionários que se recusam a enviar encomendas que não estejam embaladas nas caixas específicas de empresa, que custam de três a 20 reais, mesmo que isso não seja obrigatório. As pessoas, desinformadas, acabam cedendo à venda casada. É bom que saibam que o documento que cria o PAC especifica no item 7 - Toda encomenda deverá ser acondicionada e fechada pelo remetente em embalagem que resista ao peso, à forma e à natureza do conteúdo, bem como as condições de transporte. Isso significa que não necessariamente precisa estar numa caixa.
A luta por serviço de qualidade
Para os trabalhadores não tem sido fácil ver a deteriorização dos Correios, empresa que até bem pouco tempo era considerada um exemplo de confiabilidade e pontualidade. Hoje, conforme pesquisa divulgada pela ONG ProTeste, as correspondências não-comerciais chegam a atrasar em até 75% dos casos. O que mostra que houve uma priorização para o serviço postal empresarial, enquanto que as pessoas mais simples, que ainda precisam do Correio para se comunicar, amargam os maus serviços.
Agora, não bastassem todos os problemas decorrentes do sucateamento da face pública dos Correios, também os trabalhadores estão sendo entregues ao sistema privado. E é por isso que estão em luta. “Nós amamos o nosso trabalho, queremos ver as pessoas bem atendidas. Mas, tudo parece só estar piorando”.
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