Alzheimer/Velhice

sábado, 11 de maio de 2013

Pelo dia das mães...



Quando eu saí de casa e fui para a vida, foi duro deixar a mãe. Ela sempre foi o pilar da casa, sustentando tudo. Leoa, guerreira, pura fortaleza. Nos tempos de aflição, ela nos acolhia sob os braços e dizia: tudo vai ficar bem. A gente acreditava. E as tormentas passavam. Era como se fosse por conta da sua magia. Nunca foi de discursos. Era de práticas. E seus exemplos ficaram encravados em nós. O cuidado com os filhos, com a casa, com a vida mesma. A certeza de que era preciso enfrentar todos os terrores com galhardia, apesar do medo. Não esqueço seu olhar no dia em que fui embora para bem longe, desmamada, desgarrada. Havia tristeza, mas havia orgulho. Seu passarinho voava e isso era bom.

Nos caminhos da vida, sempre que a dor vinha forte demais, bastava apenas ligar para casa. Não precisava contar nada do que estava passando, nem esperar conselhos. Só a sua voz, atendendo ao telefone, dizendo: "filha", de um jeito só seu, e tudo clareava, o arco-íris abria suas cores. Falávamos de bordados, de tricô, de ponto cruz. Falávamos das lutas, das coisas do país. Então, tudo voltava a ficar bem.

Hoje ela não está. Encantou há tempos. Então, nesses dias em que todos os apelos comerciais insistem na compra de presentes, eu coloco um disco da Ângela Maria, do Miguel Aceves Mejía, do Carlos Galhardo, e canto. Já ensinou meu amigo Jesus: “não se procura entre os mortos aquele que vive”. Faço panquecas ou pastel, cevo um bom chimarrão e a imagino nadando no Rio Ibicuí, como quando era bem jovenzinha. Minha “madrecita” está livre, na corredeira. Vez ou outra posso vê-la, com o riso tímido, sentada sobre a perna num gesto só seu, tecendo suas mantas. E, quando não, sinto seus dedos tocando meus cabelos, e aquela voz cheia de ternura a dizer: filha...

Misturada na grande energia cósmica, minha Helena passeia pelo jardim da vida. Assim, nesse dia de mãe, celebro essa vida, que me deu a alegria de estar aqui...

sexta-feira, 10 de maio de 2013

O palácio de Cí Xí





No meio da tarde de inverno chinês, passear pelo imenso palácio de verão da última imperatriz é compreender, no mais mínimo, como vivia a classe dominante da China, antes da revolução popular. O lugar é esplendoroso e fica às margens do rio Yun Tin, naqueles dias completamente congelado. Através dele a imperatriz se comunicava com a Cidade Proibida, para onde ia, navegando, caso fosse necessário. Cí Xí era o seu nome e ela literalmente dominou os últimos anos da dinastia Manchu, morrendo em 1908, quando o país já apontava novos caminhos para sua história.

Mesmo sendo uma concubina de escalão inferior, acabou assumindo o comando do país quando deu a luz ao único filho do imperador Xianfeng. Contam que ela era implacável e intolerante. Tanto que nunca aceitou qualquer modernização no país. Quando a alvorada do século XX prenunciava transformações em todo o mundo, Cí Xí esmagou a tentativa do príncipe Gong, em 1884, de modernizar a China. Ele acabou preso no próprio palácio, impedido de sair. E ela seguiu regendo os destinos da China, por 47 anos, sendo a responsável por mais de 12 milhões de mortes durante o seu reinado.

A história registra que foi ela quem incentivou o chamado “Levante dos boxers” (em 1900). Essa rebelião foi liderada por uma sociedade secreta, adepta de lutas marciais, que lutava contra tudo o que fosse estrangeiro no país. O levante, no início do século XX, matou quase 300 estrangeiros e outros tantos chineses cristãos, o que provocou a formação de um exército internacional que entrou em Pequim e saqueou a cidade. A realeza, que havia patrocinado a barbárie, só se salvou porque entregou os boxers e pagou indenização à força estrangeira. Desde aí, a ocupação estrangeira só aumentou. O tiro de Cí Xí saiu pela culatra.

Contam que ainda assim ela seguiu vivendo na riqueza. Em seu palácio de verão, todos os dias, eram colocadas à disposição da imperatriz mais de 10 mil frutas. Ela não comia qualquer delas, apenas gostava do cheiro. Na sua cozinha, esperavam, diariamente, 100 diferentes pratos. Ela só escolhia o que ia comer na hora da refeição.  Beliscava um e outro. O resto ia fora. Nunca tocou em nada da terra. Apenas comia o que vivesse no mar ou no ar. Chegou a construir um barco, todo em mármore, que ficava fixo no rio, onde ela costumava ver o pôr-do-sol. O seu palácio ostenta o passeio mais longo do mundo, com 778 metros, que ligava a casa principal ao rio. Dizem as más (ou boas) línguas, que quem desfrutou de tudo aquilo foi o seu amante, sempre protegido.

Cí Xí morreu em 1908 e o seu neto seria o último imperador da China, caindo durante a revolução comandada por Mao Tsé Tung.







quinta-feira, 9 de maio de 2013

Rancho de amor à ilha

No show de celebração dos 84 anos de Zininho, sua filha, Cláudia Barbosa, canta e leva com ela todos os que amam o poeta...

 

Coral da Capela São Sebastião

Em todas as festas de abertura da Tainha,  lá estão eles, levando a canção do pescador...

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Tributo a Zininho




Noite de maio, um friozinho leve e uma viagem pela memória, dentro do histórico Teatro Álvaro de Carvalho. Ali, músicos de primeira grandeza: Denise de Castro, Wagner Segura, Marco Aurélio, Jorge Lacerda e Gilson "baixinho" Duarte. Na voz, Cláudia Barbosa. E o objetivo daquela reunião singular era prestar um tributo a Claudio Alvim Barbosa, o Zininho, importante poeta dessa ilha, que faria 84 anos nesse 8 de maio.

Ele nasceu foi em Biguaçu, mais veio criancinha para o Largo 13 de maio, onde hoje fica a Praça da Bandeira, e ali se criou. Zininho viu a velha Florianópolis crescer devagar ali para os lados do Hospital de Caridade. E, ao longo da vida, foi imortalizando coisas dessa cidade que hoje só existem mesmo na poesia: a pureza do morro, o Miramar, as princesinhas da ilha e o romantismo dos bares que eram reduto das serestas e das dores de amor.

Zininho era o rei das marchinhas e dos sambas-canção. Tem no seu repertório mais de cem músicas que o imortalizaram como um dos mais importantes compositores de Florianópolis. Muitas de suas letras viraram lenda na voz de Neide Mariarrosa, amiga de infância, da rua Menino Deus. E foi ela mesma quem defendeu o Rancho de amor à Ilha, composto por Zininho, num concurso, para escolher o hino da cidade.  Não deu outra. Venceram. E, hoje, essa canção é imortal, tal qual os dois que já encantaram.

Nessa terça-feira, no aconchego do TAC, com ingresso ao alcance de qualquer um , foi possível viajar para essa cidade cheia de pureza que vivia nas letras de Zininho. Cláudia Barbosa, sua filha, brilhando feito um sol, foi carregando todo mundo na beleza e na saudade, com a parceria segura dos amigos. E esse outono de lindezas deu colorido à lembrança do poeta. Um poeta da gente, tão absolutamente grandioso e simples. Não foi sem razão que quando todos os músicos se despediram e sumiram na coxia, o público seguiu em pé, cantando o hino dessa cidade que amamos. E eles tiveram de voltar, para cantar de novo, e outra vez. Zininho, por certo, estava por ali, em algum banco, perna cruzada, cigarro no dedo, a sorrir.

Feliz Aniversário, Zininho... Por aí, num cantinho qualquer!


  

Quando morre um amor



O CESB, tão igual como antes... num tempo de purezas!

Hoje de manhã, em meio a um grande turbilhão que envolve meu cotidiano, chega a notícia. Assim, de chofre, em três linhas: "O Paulo morreu ontem". Por um breve instante tudo em mim congela. A morte tem esse dom, de nos suspender, de nos capturar para um não-sei-onde. A morte é o nunca mais.

Paulo foi meu primeiro amor. Era o rei do colégio. Menino ainda e já era um gigante de 1,90m. Jogava no time de vôlei, num tempo em que a escola tinha profunda ligação com o esporte.  A turma do Colégio Estadual de São Borja, o CESB, era imbatível naqueles anos 70, porque lá estava ele, com suas cortadas infernais. Creio que todas as gurias o amavam, pois era uma espécie de herói da escola.

Eu, feiinha  minúscula e tímida, nunca tive qualquer chance. Como ele era o mais popular dos jogadores podia namorar quem quisesse, inclusive as garotas mais bonitas. Por isso, esse imenso amor que eu nutria por ele nunca se fez concreto. O típico "platônico", mirando desde longe, assistindo a todas as partidas, vibrando com suas vitórias. No final da tardes são-borjenses, obrigava minha irmã a passar comigo em frente ao Clube Comercial, só para olhar para ele, de longe, brilhando em meio aos amigos.

Mas, como é comum às meninas tímidas, eu segui pela vida adentro amando aquele guri. Fui embora de São Borja, viver outras vidas, em outros lugares, e ele seguia em mim. Só fui desligar da ideia de um dia me casar com ele quando já tinha 23 anos e a notícia de seu casamento me chegou, assim também, de chofre: "o Paulo casou com a Escobar". Só então, romanticamente, joguei todo aquele amor não vivido nas águas profundas do Rio São Francisco, em Pirapora (MG), num lindo ritual mágico, desses dos quais sou afeita. E o Paulo se foi, descendo a corredeira, sonho desfeito embalado pelas lágrimas.

E hoje, nesse maio de cores tão lindas, ele retorna, assim, de inopino, na notícia tão triste. Nunca mais. Morreu. Nunca soube o que foi feito dele, como viveu, que coisas amou, se teve filhos, se foi feliz. Tudo que restou de sua imensa presença foi uma fotografia amarelada que ao longo desses anos todos, volta e meia, eu olhava, com os olhos cheios de saudade. Saudade do não vivido, do que poderia ter sido.

Agora, o garoto do CESB se foi... Virou poeira cósmica, encantou. E, em mim, fica esse imenso vazio, uma tristeza imensa, pelo não sabido, pelo nunca mais...Um amor de menina, aquela que fui, de olhos graúdos e sonhos imensos...

domingo, 5 de maio de 2013

Pelas ruas chinesas




Nas grandes cidades chinesas o trânsito é coisa de doido. Logo na chegada, a impressão que se tem é de que ninguém respeita o pedestre. Quase não há sinaleiras e o movimento é ininterrupto. Mas, depois, acostumando-se com o ritmo da cidade, o que se percebe é que é justamente o contrário. O pedestre é que é soberano. Capturei isso olhando, desde o décimo andar, para uma enorme rótula numa das entradas da muralha de Xian. Parecia impossível que as pessoas pudessem atravessar a rua naquela sequência alucinante de carros, sem que houvesse passarelas ou sinais. Só que tudo se move como num bem ensaiado balé. Os carros andam em velocidade baixa, as bicicletas atravessam em paz e as pessoas vão cruzando a rua, por entre os veículos. Ninguém xinga  e todos seguem seus caminhos, num ritmo nada acelerado.

Aparentemente pode parecer caótico, mas tem uma ordem ali. Mesmo no meio da madrugada, os carros que cruzam a rótula seguem em baixa velocidade. Vão lentos, mesmo que não haja ninguém na rua. Nas cidades como Beijin e Shangai, com mais de 25 milhões de habitantes, esse ritual é muito parecido. As ruas largas até tem algumas faixas de pedestres, mas ainda assim as pessoas vão atravessando em qualquer parte da rua, devagar e ritmadas, como numa dança com os carros. Da mesma forma as bicicletas e os estranhos taxi-bicicletas que se veem por toda a parte.

Navegando pela internet vi muitos comentários de pessoas que viajaram para a capital chinesa, falando mal do trânsito. Pareceu-me que essas criaturas não conseguiram compreender a profunda sintonia que existe nas ruas. Um pouco aquela coisa de olhar um mundo tão distinto como o chinês, a partir da perspectiva ocidental. Eu circulei pelas imensas ruas de Beijin no mesmo diapasão: compartilhando o espaço com os carros, atravessando lentamente as ruas, desviando dos possantes e das bicicletas. Em nenhum momento senti medo de ser atropelada, coisa que sinto comumente no meu país, mesmo estando em cima da faixa. Penso que existe lá, naquela cultura milenar, um respeito profundo pelo humano que, apesar de todo o crescimento econômico, tão visível nos grandes centros, ainda não se perdeu.

Definitivamente, as ruas das grandes cidades chinesas são adoráveis espaços humanos. 



Economia política a partir da visão dos trabalhadores







A palavra economia tem seu significado constituído a partir de Aristóteles e quer dizer "economia da casa", ou seja, a economia é uma forma de interpretar e atuar sobre o mundo. Por isso, saber o que se passa nesse campo é fundamental para constituir propostas sobre como viver. O sistema capitalista, que atualmente comanda a forma de organizar a vida da maioria dos países do mundo, tem sua própria visão de economia. Como é um sistema profundamente desigual, cria uma imensa comunidade de vítimas. Isso pode ser visto no cotidiano, no qual uns tem muito e outros estão sem acesso a praticamente tudo. O desemprego, a falta de saúde, educação, moradia, segurança, tudo isso é uma das faces do sistema baseado no capitalismo. A outra face diz respeito a uma pequena parte da população que se apropria das riquezas e vive sem qualquer problema. 

No Brasil é muito comum que os economistas  - na sua maioria - , os partidos políticos, os sindicalistas, os jornalistas e a maioria das lideranças populares pensem a economia como a expressão dos interesses da classe dominante. No geral, as explicações ideológicas sobre como funciona o mundo capitalista, que são disseminadas pelos meios monopólicos de comunicação, tornam a desigualdade criada pelo capitalismo como uma coisa normal. Ser pobre passa a ser culpa do indivíduo. É a pessoa que não se esforça, que não tem sorte ou que não sabe trabalhar. A classe dominante, que suga as riquezas da maioria, é inocentada a partir, inclusive, da própria universidade que lança todos os dias na vida uma série de pesquisadores e especialistas que tem por objetivo divulgar essa ideologia. São os "teólogos de aluguel" dessa "religião" que se tornou o mercado capitalista, conforme denuncia o filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto. O professor Nildo Ouriques também adverte: a economia é também a expressão dos interesses dos trabalhadores, das pessoas comuns que sofrem os efeitos do sistema capitalista, no geral, como vítimas. 

O Encontro da Associação Mundial de Economia Política que acontece na UFSC, de 24 a 26 de maio, pretende discutir essa "organização da casa" a partir da perspectiva dos trabalhadores, dos humilhados, dos oprimidos, dos que produzem a riqueza e não usufruem dela. Pretende revelar, a partir de dados reais, que na origem da riqueza de alguns está a exploração da maioria. E que as crises cíclicas do capital acabam por fazer com que também uma pequena parcela de gente acumule ainda mais riqueza. É da natureza do capitalismo expropriar a maioria para o regalo de poucos. Um exemplo disso se vê agora na Europa, onde mais de 44 milhões de pessoas estão desempregadas, enquanto alguns triplicam suas fortunas em função da crise. Nos Estados Unidos são mais de 46 milhões de pessoas que não tem acesso à saúde e os países da América Latina não tem motivo nenhum para se orgulhar do capitalismo dependente ao qual estão submetidos, com ilusórias bolhas de crescimento, que também só enriquecem alguns. 

"Há que limpar as estrebarias", ironiza Álvaro Vieira Pinto, ao lembrar que é papel dos intelectuais críticos desfazer essa ilusão de que a pobreza é coisa natural. Há que conhecer a história, desvelar os mecanismos que movimentam a exploração e rebater os "arquitetos da alienação" com informações concretas acerca da realidade. 

Pois isso é o que os economistas críticos pretendem realizar nesse encontro que acontece pela primeira vez na América do Sul. No geral, as atividades se concentram na Europa ou na Ásia, tendo saído para a América Latina apenas em 2012, quando a Universidade Nacional Autônoma do México recebeu o encontro. Agora, na UFSC, não apenas os economistas poderão participar das conferências e discussões. A reunião Anual da Associação de Economia Política estará aberta a estudantes, professores, sindicalistas e lideranças populares. Porque a UFSC e o Iela entendem que esse não é um tema para especialistas. É discussão para qualquer um que queira "organizar a casa", nesse caso, a nossa sociedade dependente e desigual. 

A organização local está a cargo do professor de Economia da UFSC e membro do IELA,  Nildo Ouriques, e todas as atividades são com entrada livre, sem custo. Durante as conferências da WAPE haverá tradução simultânea. O Iela fará uma sessão latino-americana, que começa na sexta-feira de manhã, para discutir a importância de Karl Marx para o pensamento crítico e a Dívida Externa como tema decisivo da economia política em nosso continente.