Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Belo Monte não é a única

Apesar de toda a mobilização dos indígenas, ribeirinhos e lutadores sociais, segue a construção da barragem de Belo Monte, que deve inundar 668 quilômetros de mata e de vida. O consórcio Norte, vencedor da licitação, envolve uma série de empresas que vai desde a Eletronorte, construtoras como a Queiróz Galvão e Mendes Junior, o grupo espanhol Iberdrola, até fundos de pensão da Petrobrás e do Banco do Brasil. O que significa que é também o dinheiro dos trabalhadores que está financiando o monstro. Pelo menos nove povos indígenas serão afetados diretamente pela barragem assim como 210 sítios arqueológicos.

Mas, apesar de toda a carga de destruição desta mega usina que pretende ser a terceira maior do mundo, ela não deve ser a única a ser construída na região amazônica. Pelos menos 140 outros empreendimentos deste tipo estão planejados para o espaço geográfico que hoje concentra 60% de todas as florestas do mundo e que é responsável pelas variações climáticas de todo o planeta. Destes 140 empreendimentos mais de 60 estão em solo brasileiro, especificamente na floresta. As demais se espalham pelo Equador, Peru, Colômbia e Bolívia. Isso se considerarmos só a América do Sul. Porque também estão sendo construídas barragens nos países da América Central. Uma delas, a de Diquis, na Costa Rica, que deve inundar mais de 12 mil hectares, também tem sido palco de muita luta, já que deverá destruir pelo menos cinco etnias.


Segundo Jeffery Lopez, da Organização Dtsö, o projeto da Diquis é antigo, mas, no passado, estava conectado com a expansão do sistema elétrico nacional. Só que agora, a proposta já não é gerar energia para os costarriquenhos, e sim para exportação. “Essa proposta tomou corpo nos anos 90, quando os países da América Central entraram num processo de abertura de suas economias. Foi o famigerado Plano Puebla/Panamá, inventado pelos Estados Unidos para garantir a livre circulação de mercadorias”. Dentro desse plano, que foi alavancado pelo preposto dos EUA na América baixa, o presidente Vicente Fox, do México, sob o comando do Banco Mundial, estava contido a proposta da construção de uma série de obras destinadas ao “desenvolvimento” da região, tais como estradas, oleodutos, gasodutos, portos, aeroportos e hidrelétricas. Também foi embutido o “amistoso” plano da construção de um sistema de integração energética. Na verdade, os Estados Unidos estavam cimentando a base de um corredor que poderá sugar a energia das águas da região amazônica, o petróleo mexicano, além do petróleo venezuelano e o gás boliviano.
É um gigantesco projeto, iniciado em 2002 e que segue seu curso, sem que as gentes se dêem conta do tamanho do estrago. Como as lutas dos povos acontecem de forma fragmentada, conforme vão sendo implementadas as obras, fica bem difícil enxergar o todo. Mas, com um pouco de paciência se pode ir montando o mosaico.

Hoje, está em andamento da América Central, com a participação de várias multinacionais europeias, a construção de uma linha de mais de 1800 quilômetros que atravessa todos os países até o México e dali outra linha segue para os Estados Unidos. Assim, além das barragens, também as torres de transmissão devem desalojar milhares de pessoas e provocar um verdadeiro desastre ambiental. Dessa interconexão elétrica também deverá fazer parte Belo Monte e todas as demais usinas que estão sendo construídas na Amazônia. Ou seja, o caminho está feito para que a energia gerada seja exportada para quem dela precisa: os Estados Unidos, seja no seu próprio território ou nos territórios onde vicejam suas grandes empresas (as sugadoras de energia).

No Brasil, esse processo começou praticamente no mesmo momento que o Plano Puebla Panamá (esse firmado em 2002). Foi durante o governo de Luís Inácio, que assumiu em 2003, e nominou de Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC, o ambicioso projeto de desenvolvimento baseado na construção de obras de infra-estrutura. Naqueles dias, a proposta do PAC apareceu para as gentes brasileiras como um esperado sonho de crescimento e fartura, mas com o andar da carruagem o que se viu foi o desenvolvimento da riqueza dos “de sempre”, sobrando para a maioria a fatura dos enormes custos sociais e ambientais. Como o dinheiro jorrou rápido, as obras foram sendo feitas às pressas, sem diálogo com as comunidades e muito menos sem o planejamento adequado.

As barragens estão nesse contexto do PAC, que é a versão brasileira da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA), e o governo não pensa, nem por um segundo, estancar essa loucura de obras a qualquer custo. E aí é importante perceber que não se trata só de um desejo de crescimento do país, como afirmam Luís Inácio e Dilma, mas sim um plano meticulosamente traçado nas mesas do Banco Mundial, sob o olhar atendo do governo estadunidense. Basta observar que a IIRSA – que reúne 12 países da América do Sul num plano de “desenvolvimento” - é uma proposta nascida nos EUA, e financiada pelo Bando Interamericano de Desenvolvimento. Também vale destacar que a proposta de desenvolvimento embutida nesses projetos não gera nem nunca gerou melhorias reais para a vida das gentes.

Além da usina de Belo Monte (capaz de gerar 11 mil megawatts), que atualmente tem provocado bastante discussão, outro projeto grandioso é o das duas grandes barragens nas corredeiras de Santo Antônio e do Jirau, no Rio Madeira (6 mil megawatts), dentro do estado de Rondônia, Amazônia, que vai alagar 271 quilômetros e que está sob o controle da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, entre outras. Isso sem contar as outras barragens médias e pequenas (gerando de 3 mil a 200 megawatts cada uma), também planejadas para a região. São tantas que até um olhar ingênuo, de alguém não especialista em energia, pode suspeitar.

O argumento usado por aqueles que defendem as barragens é que esses megawatts todos são necessários para que não aconteça outro apagão como os dos anos de 2001 e 2002. Por isso acusam os que são contra de estarem impedindo o desenvolvimento do país. Mas, como precaução e caldo de galinha não prejudicam ninguém, é bom ficar de olho nesses argumentos e exigir a verdade. Quanto dessa energia será realmente usado no Brasil? Quanto será exportado? Quem é que verdadeiramente suga a energia? Essa pergunta precisa de uma resposta urgente e correta, pois é mais do que certo de que não é o consumo doméstico. Não seriam as grandes indústrias, que inclusive tem seus preços subsidiados? É o que diz o Movimento dos Atingidos pelas Barragens, tendo já provado isso nos estudos que realizou o ano passado para levar em frente uma campanha pela redução do custo da energia. Quanto maior o empreendimento, menor é o custo da energia. Os pobres são os que pagam mais. E quanto mais empobrecida a região, também mais cara a energia. Agora imaginem o que pode acontecer com todo o sistema privatizado? O certo é que lutar por justiça na distribuição e uso da energia não é ser contra o desenvolvimento, e sim contra o roubo.

Não bastasse todo o prejuízo que essas obras causarão ao meio ambiente, as comunidades indígenas estão sendo obrigadas a aceitar dinheiro como compensação pela perda dos territórios, mesmo dizendo não aos projetos. Isso vai contra a própria Constituição do país que determina a consulta aos povos sobre qualquer intervenção nas suas terras. Mas, nada detém os tratores nem os governantes. Ao que parece, nem o governo nem as empreiteiras estão preocupadas com as gentes ou os impactos ambientais até porque consultores pagos pelo Banco Mundial divulgam “estudos” alegando que não haverá qualquer problema. Ou seja, conluio total.


Por outro lado estudos feitos fora do âmbito oficial são pródigos em identificar problemas com relação ao processo migratório dos animais, extinção de peixes, impactos nas comunidades indígenas, escassez alimentaria, desestruturação comunitária, perda de identidade dos povos, perda da biodiversidade. Isso sem contar o desarranjo climático que todas essas intervenções poderão promover e que já se fazem sentir.

Boa parte dos especialistas em energia no Brasil insiste na defesa das obras, e considera ingênuas as propostas que já existem, de modernização do sistema existente, de ajuste nas perdas de transmissão ou da construção de alternativas ambiental e humanamente equilibradas.
Na verdade, corroboram a sangria de bilhões de dólares que serão entregues aos conglomerados da indústria da construção e o endividamento acelerado do país em nome de um “desenvolvimento” altamente duvidoso.

O fato é que as obras estão em andamento, a Amazônia está sendo recortada, devastada, inundada artificialmente e tudo isso para gerar riqueza bem longe daqui. O grito de luta que se ouve contra Belo Monte deve ecoar também nas demais localidades onde estão sendo construídas ou planejadas novas usinas e barragens. São muitas e fazem parte de um plano só. É hora de as gentes lutadoras, dos sindicatos, dos movimentos sociais, acordarem. Um pouco mais e será tarde. Essa não é uma luta só dos que serão atingidos territorialmente. Como o que acontece na Amazônia se reflete no resto do planeta, essa é uma luta de todos.


Veja nesse mapa interativo onde estão as obras de barragens, quem são as empresas que cuidam da destruição e os impactos humanos e ambientais que elas causarão.
www.dams-info.org

O site foi desenvolvido pela Fundação Proteger, da Argentina e pela International Rivers, dos Estados Unidos, contando com o apoio financeiro da ECOA, Brasil.

Um comentário:

  1. Prezada Elaine,
    Para começar, quero dizer que estamos em terrenos opostos no que se refere a este assunto: sou favorável a Belo Monte (e isto depois de mais ou menos um ano acompanhando os argumentos de ambos os lados).
    Independentemente da minha posição, gostaria, entretanto, de parabenizá-la pelo ótimo texto, em especial pelo fato de articular uma ligação com os argumentos dos defensores do projeto, ainda que seja para questioná-los.
    Desta forma, a meu ver, você reforça a posição dos opositores ao projeto - e a sua também - pois leva em conta os motivos do outro lado, que, a priori, representam os interesses de uma grande parcela da população. (Se isto é verdade mesmo ou não, cabe partir então daí para questionar, como você faz)
    Nesse sentido, o discurso de oposição à UHE Belo Monte volta a se inserir na perspectiva nacional, e de forma mais realista do que falar apenas num vago discurso anti-desenvolvimentista, ao qual sou simpático, em tese, mas que não vejo ainda como se articular com a totalidade da realidade brasileira - não tenho dúvida que tal discurso é factível e realista na perspectiva de algumas regiões e grupos sociais no Brasil, mas não me parece que o seja, pelo menos não a curto e médio prazo, para a totalidade da nação.
    Portanto, acho que é por aí que o debate deve caminhar: sem perder a perspectiva do todo (por mais que as partes – e aqui elas são representadas pelas comunidades afetadas, uma parcela ínfima da população brasileira que, por mais merecedora de todo o respeito da sociedade brasileira, não pode esquecer que faz parte dela. Neste sentido, a própria Convenção 169 da OIT prevê situações excepcionais em que as comunidades indígenas podem ser reassentadas, momento esse no qual a sociedade deve zelar para que as compensações sejam as mais justas possível.
    É por aí.
    A maioria das perguntas que você faz relacionadas aos argumentos favoráveis à obra estão, em tese, respondidas nos Planos Decenais de Energia do governo. Por exemplo, a pergunta “Quem é que verdadeiramente suga a energia?” é respondida no Plano assim: metade da energia elétrica é consumida pelo setor industrial, e a outra metade, em partes mais ou menos iguais, pelo setor residencial e comércio. E por aí vai.
    Se vocês não conseguirem provar que, ou o plano mente, ou que as projeções apontam para um caminho que não interesse à maioria, não vejo como vocês poderão ter legitimidade (de novo, não estou “desprezando” as minorias representadas pelos afetados pelo projeto, mas vale lembrar que a própria Convenção 169 da OIT prevê os deslocamentos, ou seja, insere a defesa dos povos indígenas numa realidade maior que é a realidade de uma nação inteira).
    Mais uma vez, parabéns pela abordagem.

    ResponderExcluir