A burocracia é um poder. Isso é um fato. Os que se aferram a ela a usam para justificar uma forma de agir que não encontra amparo numa visão mais humana e empática de mundo. No serviço público isso tem sido uma arma. Lembro de uma vez, eu sentada numa sala de espera do INSS, e uma trabalhadora mandou embora um senhor bem velhinho, dedos calejados, chinelo havaiana, que tinha vindo resolver um problema de sua aposentadoria, porque ele não tinha em mãos uma conta de luz ou algo que atestasse residência. Ora, era absolutamente visível que aquele senhor não era um fraudador da previdência. Era alguém desinformado. Ela poderia ter liberado sua aposentadoria, de pouco menos de seiscentos reais na época, e pedido para ele trazer a conta no dia seguinte. Não, o mandou embora. E ele saiu, perplexo e perdido.
Na UFSC pós-pandemia temos observado um avanço grande dessa burocracia imobilizadora. Tudo é feito por formulários na internet e há que obedecer a fila. A fila. Uma coisa que inviabiliza cuidar de urgências e emergências. Imaginem um setor de informática, com uma fila de pedidos para reparação num computador. O que deveria ser levado em conta? A fila ou a necessidade real do reparo? Um computador em meio a vários outros para o serviço administrativo é mais ou menos urgente que um computador que é único – por conta dos programas que carrega – para a realização de determinado serviço? Obvio que é o segundo. Mas se ele estiver lá para trás na fila não será reparado até que chegue a sua vez. Isso, para mim, não é qualidade de atendimento.
Muitos colegas defendem a fila e até se negam a falar por telefone ou pessoalmente com as pessoas porque é “preciso respeitar a fila” e se houver uma conversa a fila pode ser desrespeitada. Penso eu que essa é uma posição equivocada. Há que contextualizar a fila. Não sou contra formulários. Penso que pode ser uma boa estratégia, mas nele deveria constar um espaço para a explicação da emergência ou da urgência. “Ah, mas tudo é urgente para quem está precisando”. Sim e não. O trabalhador responsável pode muito bem avaliar e decidir. Como aquela moça do INSS. Poderia ter liberado o dinheiro e recebido a comprovação de residência depois. E se o velho fosse um marginal, fraudador, bueno, é o risco. Mas pelo menos ele não teria saído dessuleado. Naquele dia eu fui atrás e ajudei o homem. Mas e os outros tantos?
Penso que a fila deveria seguir o critério da fila no hospital. Quem tá em pior situação, é atendido primeiro. Tratar de maneira desigual os desiguais. A burocracia dura desumaniza, emperra os caminhos em vez de abrir. O trabalho no serviço público envolve relações humanas, fundamentalmente. Lidar com gente. Eu estou na UFSC desde 1994. Sei exatamente quem está tentando ludibriar a fila e quem realmente está na urgência, porque conheço a instituição, conheço o trabalho que cada setor desenvolve. E conheço porque me importo. Já me ferrei algumas vezes, com gente enganadora, é verdade, mas muito poucas. Na maioria das vezes as pessoas falam a verdade.
A burocracia é boa porque organiza. Mas quem a maneja somos nós, humanos. E os humanos no serviço público precisam agir na força de Exu, abrindo caminhos, abrindo caminhos... Essa deveria ser a nossa primeira preocupação!
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