Meus dias são dedicados a cuidar do pai. Ele agora já está numa fase na qual já não caminha, então não o vejo mais andar para lá e para cá fazendo bagunça no portão, nos armários da cozinha ou no guarda-roupa. Ele levanta, passeia ao sol na cadeira de rodas, depois vem para sua poltrona e fica ali até depois do almoço. Então é a hora da “siesta” e ele descansa o corpo até umas quatro horas. De novo volta para a cadeira de rodas, circula pelo jardim se o tempo está bom, e por volta das seis e meia ele janta. Come bem, tanto na janta quanto no almoço. Nos intervalos também consome muitas frutas, iogurte, café e água. Basta que a gente abra a geladeira para ele já abrir a boca, querendo provar do que for que estejamos comendo. Também toma uma cervejinha ou um vinho conforme o cardápio.
Tenho o costume de falar sempre com ele, normalmente, contando as coisas do dia, do que acontece no mundo, as notícias. E ele me olha sério, prestando atenção, geralmente respondendo na sua língua klingon. Batemos altos papos. Visivelmente ele fica bem feliz quando eu chego do trabalho e coloco minha cara na porta gritando: cheguei, seu Tavares. Também se alegra quando desperta e me vê, convidando-o para sair da cama e comer um ovinho cozido. É óbvio que não me reconhece como filha, mas ele sabe que ali está alguém que o ama, pois seus olhinhos brilham de alegria. O mesmo acontece quando ele acorda de noite e logo vê a minha cara, sorrindo, ao seu lado. Ele também sorri e volta a dormir, provavelmente sabendo-se seguro. Eu me encho de ternura.
Nas manhãs em que cuido dele tenho a ajuda da Clau Alves. E a gente sempre dá um banho gostoso. Tem dias que ele tá brabo, mas no geral fica de boa, curtindo o chuveiro quentinho. Outro dia arrumando ele, constatei.
- O senhor tá bem bonito né seu Tavares? Pode ser velhinho, mas está bonito e charmoso, não é mesmo?
E ele respondeu de imediato.
- Mas sabe que eu não sei - E ri, faceiro, nos seus lampejos de consciência.
Às vezes eu fico um pouco triste, achando que não dou a ele distrações variadas, já que ele quase sempre fica em casa, na poltrona. Aqui onde moro não tem nada por perto aonde a gente pudesse ir com cadeira de rodas, então os passeios ficam restritos ao quintal, no máximo na calçada. Mas, essa é vida e a gente vai fazendo o que pode. O certo é que ele ainda tem essa mirada firme e esse sorriso de quem se sente feliz e protegido. E eu também me sinto feliz, chimarreando com ele, falando dos doramas, dos passarinhos, e ouvindo canções gaúchas. Os dias passam e vamos vivendo... O Alzheimer não nos vence porque na deriva dos sofreres vamos encontrando caminhos de beleza.
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