Durante muito tempo o pai dormiu sozinho. Ele acordava bastante e vinha bater na porta do meu quarto de madrugada. Eu o levava de volta e assim íamos. Um pouco antes de se desatar a pandemia eu decidi me mudar para o quarto dele. Ele havia caído e eu me dei conta que não dava mais para deixá-lo só. Assim que estou ali, acampada. Nesses dois anos foram muitas as fases e as noites eram turbulentas. Agora, já faz algum tempo que ele está tranquilo, e dorme quase a noite toda. Um milagre. Mas, ainda assim, eu sigo ali, porque ele desperta pelo menos umas duas vezes, e estar ao seu lado faz a diferença.
Eu sinto quando ele começa a se mexer lá por volta da uma hora. Ele se destapa e senta na cama, o rosto crispado, as mãos em luta, como se estivesse andando no inferno. Aquele despertar na madruga é carregado de muito medo. Acho que eles ficam muito confusos quando saem do sono. Não sei, algo passa. Então, eu também sento na cama, pego a sua mão e digo: “tá tudo bem, querido, eu estou aqui”. Ele abre os olhos lentamente, me enxerga e sorri, saindo daquele estado abissal. O medo se desfaz e a expressão que vejo no rosto dele é de pura alegria. Ele fala algumas coisas na sua língua de cigano, canta, resmunga e volta a dormir, apertando bem a minha mão, na certeza de que pode atravessar qualquer deserto. Eu estou ali.
Quando dá cinco horas, de novo. Ele senta na cama e começa a puxar as minhas cobertas, fazendo um bolo, os olhos apertados, com aquela expressão de medo e desespero. Eu falo com ele e digo que ainda é muito cedo, que dá para dormir mais um pouco. Ele luta com os cobertores até que abre os olhos e me vê. – Ah, tu tá aqui? – ele diz, abrindo um sorriso luminoso. “Sim, meu brotinho, tô bem aqui e não vou a lugar nenhum, tá bom?”. Devagarinho ele vai descendo o corpo, colocando a cabeça no travesseiro para mais algumas horas de sono. Não sem antes espiar pra ver se sigo ali mesmo. Ele se sente seguro.
Acho importante estar sempre por perto quando ele acorda, porque a impressão que tenho é que ele sai de algum emaranhado desesperador. E o rosto familiar o recupera para a vida. De manhã, eu fico espiando ele, esperando que desperte. Porque é sempre igual. Ele senta e começa a amassar as cobertas, assim como fazem os gatos, sovando. Quando por fim vejo que ele abriu os olhos eu entro cantando: “Bom dia, o sol já nasceu lá na fazendinha´, acorda o bezerro e a vaquinha, acorda o seu tavarinho”... e vou fazendo macaquices como uma Maricota maluca. Não dá para descrever a alegria que se desenha no seu rosto. Ele reverbera em riso e eu faço cosquinhas... “Bora pular da cama, seu Tavares, bora tomar café”... Aí começa toda a função da troca de roupa... que é outra história...
Outro dia um amigo me disse que agora que o pai já dorme bem à noite eu podia voltar para o meu quarto, para a minha vidinha de antes. Mas, não dá. Esses despertares na madrugada são assustadores. Ele realmente fica desorientado. Um rosto amigo e sorridente é fundamental para que ele saia daquele estado de abismo e possa voltar a dormir, serenamente. E assim vamos vivendo nossa aventura, aprendendo sobre confiança e sobre belezas.
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