Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

O primeiro computador


 Meu primeiro computador me foi presenteado pelo tio Roberto, irmão do meu pai. Era 1994 e essa coisa de computador pessoal estava começando. Ele, um engenheiro antenado já usava. Aí comprou um mais novo e me mandou lá de Belo Horizonte, via transportadora, o enorme CPU e o monitor no qual apareciam as letrinhas verdes. Ainda não havia disquetes e os textos eram gravados numa espécie de disco bem flexível. Foi um presentão. Nunca vou esquecer da minha alegria por ter em casa um equipamento daqueles. Na época eu estava escrevendo um livro sobre um desaparecido pela ditadura e me enrolava em milhares de papéis e folhas datilografadas. O computador deu uma agilidade tremenda à escritura porque já não era mais preciso reescrever a lauda cada vez que errava alguma coisa.

Lembrei disso vendo velhas fotos e fiquei pensando sobre essas pessoas que entram na vida da gente para nos tornar melhores. O Tio Roberto é uma dessas. Ele saiu do Rio Grande ainda novo, então nós não o conhecíamos. Só fomos ver o famoso tio, paraquedista e engenheiro, quando tivemos que literalmente fugir do sul para Minas Gerais em 1978. Quando meu pai perdeu tudo o que tinha foi ele quem amparou. E quando decidimos encontrar o pai em Minas, ele nos deu guarida. Quando montamos a nova casa nos confins das Gerais, ele a tia Zaíra deram os móveis com os quais recomeçamos. E quando eu quis estudar foi na casa dele que encontrei morada. Dormia no escritório, espaço sagrado dele, onde estavam seus livros. Hoje imagino o quanto aquilo foi difícil para ele. Permitir uma adolescente no seu lugar mais amado. Mas, ele não titubeou. E quando minha mãe quase morreu foi na sua casa que novamente encontramos o amparo e o cuidado. Ele e a tia Zaíra foram assim como anjos a nos envolver com as asas abertas.

Quando decidi voltar para o sul eles deram apoio e não foi, portanto, surpresa, que ele fosse a pessoa que me introduzisse no mundo computacional. Impossível descrever a alegria que foi aquele presente chegando da distante Belo Horizonte. Eu nunca teria podido comprar um.

O tio Roberto é pessoa de pouca conversa, ensimesmada, mas grandiosa de coração e eu tenho por ele um profundo amor. Ele e a tia Zaíra - mulher de oceânico amor - são como segundos pais. Nunca será demais agradecer por todas as coisas que, mineira e silenciosamente, fizeram por nós. Hoje, galopando as teclas do meu notebook, me assalta a lembrança daquele enorme caixotão onde comecei a escrever meu primeiro livro. Foi um dos melhores presentes, ainda que o melhor mesmo tenha sido esse, de ter encontrado e convivido com criaturas tão solidárias e fraternas. Porque elas nos fazem melhores.

Obrigada tio. Sempre é bom que saibas o quanto tu e a tia Zaíra significam na minha vida. Amo vocês enormemente.


domingo, 4 de outubro de 2020

O mexe mexe do pai



A nova fase do pai agora é a do mexe-mexe. Quando vai chegando o fim do dia ele começa a confusão. Abre tudo que é armário, gaveta, guarda-roupa, o que for. O seu objetivo, aparentemente, é a busca de comida, mas pode tirar pratos, xícaras, talheres, mantimentos. Se bobear ele abre os sacos de farinhas e fica comendo. Se encontra algum pacote de bolacha, abre e come tudo. E mete a mão no saco do pão  e vai embuchando o que tiver. É quase como um gremmlin, dos filmes de terror. E ai de mim se resolver tirar algo da sua mão. Aí é um deus nos acuda. Fica brabo demais da conta. Agora tenho de preparar pequenos embrulhos para que ele possa encontrar. Então, ponho uma fruta, um pão, uma bolacha, mas em pequenas porções para ele não exagerar. É um trabalhão. Mas, único jeito. Como não tenho despensa nem grandes armazenamentos não consegui encontrar ainda um jeito para defender os saquinhos de farinha, arroz, feijão etc... Aí tenho de esperar que ele se entretenha com os pequenos embrulhinhos. Mas, tem dias que não tenho tempo de preparar as “armadilhinhas” e o bicho pega.

Agora, há dias que ele tem encrencado com o cacho de banana que está no pé. Passas as tardes todas olhando para o cacho e querendo que eu o tire para poder comer. Não adianta dizer que tá verde, que não deu a hora. Não. Ele quer e pronto. Aí o jeito é eu me fazer de salame, desentendida. Mas, ele não desiste. Fica ali, parado, olhando o cacho, um tempão, dá até dó. Não vejo a hora de ficar no ponto para ele desencanar. Hoje, ele ficou embaixo da bananeira por horas a fio, por certo pensando em alguma maneira de alcançar. Se eu descuido ele sobe no tanque. Eita desejo por aquele cacho.

O mexe-mexe não para. Agora, enquanto escrevo ele está ali na porta, abrindo e fechando, abrindo e fechando, entrando e saindo, entrando e saindo, até que eu saia do computador e lhe dê toda a atenção ou ele se depare com algum saquinho de guloseima.

É uma aventura diária esse cuidado.