Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Futebol: que parem os campeonatos

 

Eu sempre amei o futebol. Desde menina vibrando a partir das cadeiras vermelhas do estádio do Internacional de São Borja. O pai era radialista, então eu tinha aquele espaço de privilégio. Depois, quando os times se juntaram no Esporte Clube São Borja, lá segui eu o novo time, no novo estádio. A paixão mesmo era pelo que acontecia em campo, aquele bailado, os dribles, o gol.

Muitos anos depois tive a alegria de trabalhar como setorista no Figueirense, em Florianópolis, e foi daí que nasceu meu amor pelo alvinegro. Ainda assim era o futebol o meu encanto. Mas, na prática do trabalho também fui conhecendo a gurizada, os seres que fazem a festa acontecer. Nos clubes menores tende a não haver grandes estrelas. Todos estão no mesmo nível, sem altos salários e com trabalho duro. Todos os dias, o treinamento pesado. Muita academia, muito suor, muito treino tático, com o corpo sendo levado ao seu limite. Não é bolinho não. 

Foi aí que descobri que aquele bailado, os dribles e o gol não existem sozinhos, eles precisam ter corporalidade, nome, sobrenome. Vai daí que os jogadores acabam sendo o centro de tudo. Sem eles, nada. Eles são esse corpo coletivo que levanta as gentes nos estádios. Eles são parte constitutiva dessa belezura toda. 

Por isso me encho de ódio ao ver os cartolas dos times, como empresas patrocinadoras, e como redes de TV exigindo que os campeonatos recomecem. A cada notícia de mais um jogador infectado, mais meu ódio aumenta. Como é possível tanta maldade? Tanta desimportância pela vida do outro? Em cada treinamento lá se vão oito, nove, 12 garotos para o drama da Covid-19. Que insanidade! E o pior é saber que eles sequer podem dizer não. São trabalhadores. Estão sob o tacão do capital. Ou jogam fora. Esse é o tom.  

O futebol é um jogo coletivo, de muito toque e de contato. Não há como jogar sem o risco de se contaminar. Não é possível que os amantes do futebol possam querer que isso continue, como se fosse um combate de gladiadores. É preciso proteger os jogadores como se proteger os demais trabalhadores nessa hora de angústia e incerteza. Como torcidas organizadas, fazer protestos, gritar, impedir esse sofrimento generalizado para os jogadores e suas famílias, que acabam se infectando também. Nada justifica o retorno dos campeonatos se não há sequer como ver os jogos presencialmente. 

Para os donos dos times, a vida não importa. Se um jogador morrer, outro logo vem. Essa é lógica do capital. Mas, se o dinheiro não entrar nos seus bolsos eles podem repensar. Nessa hora os que pagam pelo futebol, os torcedores, os sócios dos clubes, têm poder. Há que impedir essa insanidade. Exigir que os jogos sejam suspensos até que haja segurança para os trabalhadores. 

Eu não mesma consigo ver nem ouvir a transmissão do jogo. Aperta-me o peito, me dói o coração. Coloco-me na pele daqueles homens que entram em campo, assustados, e que ainda precisam vencer. Não, não dá! Que parem os campeonatos. Que se protejam os trabalhadores. Boicote aos tempos, às Federações, às emissoras de televisão. Aquele que ama mesmo o futebol há essa clareza. E os que apenas dinheiro no processo, que se fodam!


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