Alzheimer/Velhice
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sábado, 27 de junho de 2020
Entre o tribunal das redes e a liberdade
Eu gosto de novidades e gosto de aprender. Por isso sempre me encantam as novas tecnologias, as novas plataformas, e toda essa mudança louca pela qual passa o nosso planetinha. Acho revigorante e procuro me atualizar. Mas, não faço disso meu mundo. Ainda tenho como maior paixão essa coisa do corpo-a-corpo com a vida. Pode ser essa minha veia repórter. Caminhar pela vida real, sentir os gostos, os cheiros, olhar no olho, tocar na mão, abraçar.
Só que agora com essa pandemia que nos limitou os movimentos e nos confinou, acabei por estar bem mais tempo no mundo virtual, creio que como todo mundo. E, com o passar dos dias, fui me aterrorizando. Já havia percebido que as tais redes são pequenos tribunais de exceção. As pessoas estão sempre prontas para o julgamento sumário e para a condenação sem apelação. É espantoso e cruel. E se tu tentas argumentar, buscar o debate, não te é permitido. Julgamento feito, condenação dada, nada mais a fazer.
Outro dia li alguém a dizer: “essas pessoas ficam jogando suas histórias, como se isso tivesse alguma importância”. Santo Marx. Mas, se não louvarmos nossa caminhada histórica, o que vamos louvar, nós, os trabalhadores, que só temos de nosso a nossa história e nossos corpos nus? Há uma inumerável multidão de pessoas que acredita piamente que o mundo começou quando elas entraram nele. E tudo o que já foi feito antes, não tem valor. Uma geração de arrogantes e de seres incapazes de ouvir. Vivessem numa aldeia indígena seriam ensinados sobre o valor da história dos anciãos.
Navegando pelas redes sociais tenho me sentido assim como o Zaratustra, do velho Nietzsche. Aquele que passou 10 anos aprendendo coisas e veio para a cidade dividir os conhecimentos. Mas, o que encontrou foi uma turba insensível e alheia, perdida em suas próprias verdades, no caso do nosso mundo, verdades muitas vezes construídas via uatizapi. Zaratustra querendo mostrar os horrores do último homem, buscando a ponte para o além do homem. Ninguém para ouvir. E falo isso já sabendo que alguém vai dizer: Nietzsche era um machista. E o além da mulher? Ô, glória! E dê-lhe pedra.
Zaratustra desiste de tentar falar com as gentes. “Não serei pastor, nem coveiro. Cantarei aos solitários”. Por vezes me sinto assim. Mas, sou filha de um tempo bem antigo no qual o coletivo sempre esteve acima do individual ou do particular, e prefiro ser gregária, agarrada a minha classe. Apavora-me pensar que a cada dia que passa, vamos perdendo mais gente no caminho para a intolerância e para os mais diversos fundamentalismos. E que, por isso, o mundo anda tão triste, tão gris.
Confesso que tenho dado umas fraquejadas. Mas, ampara-me a literatura. Há um livro em particular do qual gosto muito, é o “A Caverna”, do José Saramago, que conta a história de uma família que não suporta mais viver no mundo no qual lhes era seguro viver. E, junto com um cachorro, Achado, tomam o rumo do sabe-se lá. Ah, como me identifico com aquele momento de partida do Centro, num carro velho, cheio de coisas bonitas e singelas, feitas com as próprias mãos, recheadas de história.
Estou presa nesse átimo entre ficar no rebanho, ou levantar âncora. Sei que sempre haverá uma pequena “família” – parentes de alma - para sair por aí comigo, desligada de todas as redes, livre de todos os tribunais. E, com essa gente, sentar em volta de uma fogueira, para contar minha história, e ouvir a deles, respeitosamente, porque será só o que teremos. E será suficiente. Esse é o mundo pelo qual ainda luto!
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