Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O Papa Francisco



Eu tinha 17 anos, lembro como se fosse hoje. Era setembro. Meu irmão foi me avisar no colégio. Eu fazia contabilidade num colégio de Pirapora, cumprindo outro segundo grau só pra não ficar sem estudar. Chamou na porta da sala e eu já logo pensei que fosse desgraça. Afinal, ele ali, naquela hora, com a cara contrita. Chegou pra mim, falou baixinho: a mãe mandou avisar que o Papa morreu. O papa? Tá louco? Eu ri, pois já fazia mais de um mês da morte de Paulo VI. Vivíamos a alegria de ter na função o doce e querido Albino Luciani, aquele que viria para fazer da Igreja um espaço de belezas para os mais pobres. 

Eu cresci na religião católica, minha mãe era devota. E eu, desde pequena já andava nas funções da Igreja. Mais tarde, atuando também nas CEBs, quando ainda vivíamos a noite escura da ditadura cívico/militar. O Papa era figura presente, mas eu mesma nunca fora com a cara do Paulo VI, muito sisudo e conservador. Por isso que quando o Papa que o sucedeu foi aquele italianinho querido, eu me enchi de amores. João Paulo I tinha alguma coisa santa, o seu sorriso, seu jeito de pensar a igreja, sua maneira carinhosa. Haveria de ser um Papa para a maioria das gentes e não dos poderosos da terra. Eu era uma guria cheia de esperanças. 

Quando o meu irmão, ainda mais entristecido, me contou que quem tinha morrido agora era o Papa sorriso, eu desabei. Saí da aula correndo e fui pra casa chorar com minha mãe. Sentia que estávamos órfãos outra vez. Durara tão pouco tempo: trinta e três dias.  Mataram ele, eu dizia, mataram ele. E assim foi. Mataram ele. 

Depois daquela tristeza toda abandonei as coisas da igreja. A instituição não me interessava mais. Havia matado aquela doce criatura que queria mudar tudo. Nunca mais. Segui meu caminho, religiosa sempre,  ligada às CEBs, mas sem qualquer esperança de que a igreja deixasse de ser o que era. Pensei que jamais iria me encantar com um Papa, pois quem iria superar o sorridente e doce Albino?

Quando, agora,  depois da longa jornada do ultraconservador  João Paulo II, finalmente um latino-americano assumiu o lugar do chefe supremo da igreja, meu coração balançou. Um argentino,aaaah. E escolhera o nome de Francisco. Bah! Haveria de ser gente boa. Mas, em seguida, a enxurrada de denúncias sobre a atuação de Jorge Bergoglio na ditadura militar me fez largar pra lá a figura do Papa.

Com o passar do tempo o argentino foi fazendo sua caminhada no pontificado e, de novo, o Papa chamou minha atenção. Num mundo louco, no qual o conservadorismo e o reacionarismo cresciam a velocidade vertiginosa, Francisco se destacava, com seu riso contagiante, sua delicadeza, sua maneira nova de olhar e viver o cargo. E, em alguns momentos, as palavras de Francisco chegavam a soar como mais progressista que as da dita esquerda. Por dios! Era engraçado. E ele foi me ganhando.

Não voltei à igreja, mas gosto de acompanhar a caminhada do Papa Francisco. E, vendo o filme “Dois Papas” que mostra seus equívocos durante a ditadura argentina, sua autocrítica sincera, fui criando empatia. As pessoas erram. É assim. Não sei se as coisas foram mesmo assim, mas o fato é que gosto dele. Gosto do Papa. Sei que ele não vai virar o Vaticano ou a igreja “patas arriba”, não tenho ilusões com a instituição. Ele não é o comunista que os reaças católicos dizem que é, óbvio. Mas tem alguma coisa nele que me toca. Talvez o charme argentino, essa coisa atávica, esse jeito engraçado de dizer coisas sérias, esse compromisso com os perdidos. Pode não ser como eu sonhava, mas me cativa. 

Sei que isso não importa a ninguém, mas mesmo assim, senti que precisava verbalizar. Pela memória do amado Papa sorriso, ao qual amei com paixão. Francisco me faz lembrar ele. Só por isso já o quero bem. Imagino eu que a instituição igreja, que nunca dá ponto sem nó, tenha escolhido Francisco por isso mesmo, para ganhar fiéis, visto que o catolicismo perde gente. Mas, ainda assim, gosto do Francisco. Gosto mesmo. Até quando ele chuta o balde. 


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