Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

As mulheres indianas e a luta por vida plena





O pêndulo da política segue seu incansável vai e vem. Por isso, enquanto em alguns espaços do planeta conquistas são perdidas e avança o retrocesso, em outros a luta por transformação assoma, com surpreendente força. Um exemplo disso foi o que aconteceu na Índia, esse imenso país asiático, ainda tão desconhecido para os latino-americanos. De lá, o que sabe o senso comum? Que é a terra de Gandhi, que tem muita pobreza, que tem templos bonitos, muitos deuses e espiritualidade latente. Raros são os que compreendem as razões da pobreza extrema bem, fruto de uma tradição ultraconservadora somado com a destruição colonial, bem como a estranha divisão da sociedade por castas, que se configuram em espaços intransponíveis. Ou seja: quem nasce numa casta ali permanece, e tampouco pode conviver com outra.

Um dos grandes dramas na Índia é o das mulheres, principalmente o das de casta dita “inferior”. No geral são tratadas como propriedade de pais, irmãos, parentes e maridos. Não são poucos os casos de estupro coletivo registrado no país e a violência contra elas é generalizada. Em muitos lugares elas são impedidas até de entrar nos templos para reverenciar seus deuses. Direito é algo que parece inimaginável para a maioria.

E foi justamente a batalha das mulheres para ter acesso a um complexo de templos, no estado de Kerala, que detonou um movimento gigantesco de luta por direitos. Até então, por conta de regras pétreas da chamada “tradição imemorial” elas não podiam entrar no templo de Sabrimala, dedicado a Ayyapann, filho de Shiva, ao qual acorrem mais de 17 milhões de pessoas durante o ano. Depois de muitas lutas a Suprema Corte da Índia suspendeu a decisão da justiça do estado de Kerala, que já havia reiterado essa proibição em nome da tradição.

A decisão da Suprema Corte da Índia foi tomada em 28 de setembro de 2018 e determinava que as mulheres poderiam entrar no templo, alegando que essa discriminação não fazia parte essencial do hinduísmo, mas de um arraigado “patriarcado religioso”. Com base nessa decisão o governo da Frente Democrática de Esquerda do estado de Kerala liberou o acesso, enfrentando por isso uma série de protestos de rua realizados por grupos reacionários de direita, incluindo aí o partido Bharatiya Janata (BJP).

O clima seguiu bastante tenso em Kerala e, em outubro, o chefe dos ministros do estado, Pinarayi Vijayan, que também é líder do Partido Comunista da Índia fez um discurso público na defesa da ruptura de determinados costumes. Ele afirmou: “Se uma tradição é um grilhão, devemos rompê-la”. E então convocou as mulheres a constituir um muro vivo de protesto e de luta. A partir daí, conta o jornalista Vijay Prashad, as pessoas foram se mobilizando. “Foram realizadas mais de cem reuniões públicas nos últimos meses de 2018 para impulsionar o apoio e mais de 170 organizações progressistas da Índia se uniram à campanha”.

E foi assim que no dia primeiro de janeiro, a partir das quatro horas da manhã, começou a se formar o muro humano que juntou cinco milhões e 500 mil mulheres, ombro a ombro, por 620 quilômetros, em luta pela emancipação das mulheres. “Aquele não era um muro da intolerância, como o de Trump, mas um muro de liberdade, contra tradições que não fazem mais do que humilhar as mulheres”, diz Vijay Prashad.

Prashad informa que K. K. Shailaja, ministra da Saúde de Kerala e dirigente do Partido Comunista da Índia esteve a frente do muro em Kasaragod, no norte do estado. O muro terminou em Thiruvananthapuram, a capital do estado, onde a última pessoa na cadeia humana era a dirigente comunista Brinda Karat, que reiterou: “Este muro de liberdade não é só para as mulheres de Kerala, mas para as mulheres de todo o país”. Os movimentos de esquerda estiveram unificados nessa importante manifestação de força.

A luta das mulheres contra as já insustentáveis tradições de exclusão, violência e intolerância não é coisa simples na Índia. Os costumes ainda são muito arraigados e não são poucos os assassinatos de mulheres por conta disso. Mas, com o fortalecimento das forças de esquerda no país esses pressupostos começam a ser questionados e deslegitimados inclusive legalmente, abrindo caminhos importantes para que os direitos sejam respeitados, de fato, na vida real.

A incrível coluna feminina de 620 quilômetros que se expressou no primeiro dia do ano sabe que há muitas coisas mais a conquistar do que o direito de entrar num templo. Mas, devagar, elas vão acumulando forças, coletivamente, para avançar em outros terrenos. O passo desse primeiro de janeiro é o primeiro. 


Sobre o salário, o lucro e o socialismo



É muito comum as pessoas acreditarem que por investirem muito na construção de seus negócios, os empresários tenham mesmo o direito de lucrarem e ficarem muito ricos. No geral acredita-se que essa riqueza vem pelo mérito do patrão, que trabalha e investe bastante para ter sucesso no negócio. Mas, a realidade é bem outra. A riqueza do patrão não tem nada a ver com sua habilidade ou sorte. Ela só existe porque o patrão rouba do trabalhador. Essa é natureza do capitalismo: roubar o trabalho alheio.

Explicando: um empresário resolve montar uma empresa. Ele compra as máquinas, monta a estrutura, a matéria prima para produzir seu produto. Então vai buscar a mercadoria que definitivamente vai trazer o lucro: o trabalhador. Esse trabalhador não tem nada de seu. Nem máquina, nem estrutura, nem matéria prima. A única coisa que pode vender é sua força de trabalho. E é essa força que o empresário compra.

Bom, como o provável patrão calcula o preço a pagar pela mercadoria (força de trabalho do trabalhador) adquirida? Ele precisa calcular o preço dos alimentos que manterão o trabalhador vivo, o preço das roupas que o vestirão, do aluguel, dos gastos com saúde, educação, enfim, tudo aquilo que é necessário para que a pessoa possa se manter, a ela e sua família, e ter condições de trabalhar. Somados esses valores, o total é dividido pelos 365 dias do ano. Assim, o empresário saberá qual é o preço diário do trabalho do trabalhador. Então, se para se manter vivo o trabalhador precisar de 100 reais por dia, o patrão entenderá que o preço justo a pagar pela força de trabalho dele será 100 reais.

Pois bem, depois de comprar tudo que necessita para iniciar a empresa e contratar os empregados pagando o valor que considera justo, no caso os 100 reais por dia, o empresário está pronto para iniciar seu negócio. E quando chegar o fim do mês, o patrão terá de fazer novas contas. Observem que o empresário tem despesas grandes. Os meios de trabalho (máquinas, o prédio, as ferramentas) se gastam, há que comprar os insumos e ainda pagar o salário dos trabalhadores. Logo, é justo que ele tenha seu lucro. Afinal, no capitalismo, o lucro, o excedente, é só o que importa. Até aí vamos bem.

Mas, o lucro do patrão não tem nada a ver com o preço que ele cobra pelas mercadorias que produz, porque ao somar tudo que envolve a produção, vamos ver que o preço da mercadoria não pode ser tão maior do que o custo da produção. Onde o patrão lucra então? No roubo do trabalho do empregado. Como assim?

Ora, o trabalhador é contratado por oito horas e recebe 100 reais por dia (preço que foi calculado com base no que é necessário para a pessoa se manter viva). Bem, nessas oito horas o trabalhador, por exemplo, de uma fábrica de roupas, produz 50 peças. Bem, os 100 reais que é pago ao trabalhador representa a manutenção dele por 24 horas e não o que ele produziu nas oito horas de trabalho. É como o agricultor com seus animais. Ele sabe que uma vaca vai produzir muito mais leite do que o custo que ele tem para mantê-la.

Veja que o trabalhador vai para casa considerando que está bem, o salário é muito justo. Mas, na verdade, não é. Porque ele não recebe sobre o que produz. No caso do trabalhador da fábrica de roupas, ele consegue fazer, em oito horas, 50 peças. Cada peça será vendida por 50 reais. Sua produção foi equivalente, então, a 2.500 reais num dia apenas. E por esse dia ele receberá 100 reais.  Ou seja, 2.400 reais vão para o bolso do patrão, limpinho.

Outra coisa importante para se levar em conta é que na soma das necessidades do trabalhador, o patrão geralmente só leva em conta a sobrevivência mínima do empregado. É por isso que existe um “salário mínimo”. Isso significa que esse valor é menor valor possível que se pode pagar para que alguém consiga sobreviver, comendo, vestindo e morando.

Muitos já devem ter ouvido falar no salário mínimo do DIEESE. O DIEESE é uma entidade dos trabalhadores que atua justamente com pesquisa sobre temas referentes aos trabalhadores. O cálculo que o DIEESE faz para determinar um salário “mínimo” é bem diferente do cálculo feito pelo governo ou pelos empresários. Porque como é uma entidade dos trabalhadores, leva em consideração outras variáveis. E considera que os trabalhadores não apenas devam sobreviver (manter-se vivos com o mínimo), mas fundamentalmente, viver. Ou seja, o trabalhador tem direito a uma moradia digna, comida de qualidade, educação, saúde, diversão, lazer e tudo isso entra na conta. Por isso os valores são bem diferentes.

Por exemplo, nesse primeiro de janeiro de 2019, o governo brasileiro definiu o valor do salário mínimo em 998 reais, frustrando a expectativa de que ele passasse dos mil reais (1.006) conforme já tinha sido definido no orçamento para esse ano, o que ainda seria ruim. O governo entendeu que esses 998 reais devem ser suficientes para que o trabalhador não morra. Pode ser, mas, não é suficiente para que viva.

Para ter uma vida plena e segura, o salário mínimo do trabalhador deveria ser de 3.960 reais, segundo os cálculos do DIEESE. No cálculo, essa cifra é que conseguiria garantir os direitos básicos de uma pessoa: moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e Previdência Social. Alguns poderiam dizer: “ah, mas aí não há quem aguente pagar”. Bom, os grandes empresários aguentam sim (eles lucram muito), e aquela família que tem empregada e não quer pagar muito por ela teria que repensar se precisa de alguém para chamar de “sua”.

Outros poderiam pensar: bem, mas é justo que o patrão ganhe com o meu trabalho, afinal ele investiu tanto. Não, não é. Porque quando o patrão faz as contas dele ele sempre leva em consideração o desgaste das máquinas, dos prédios e dos equipamentos. Está tudo contabilizado e é tirado justamente do lucro que obtém com o roubo do trabalho do trabalhador. Ele nunca perde. Mas, e o desgaste do trabalhador, quem paga? Pois o próprio trabalhador. Onde está a justiça disso? Quando o trabalhador fica doente, ele tem de bancar seu tratamento. Quando ele envelhece, ele que tem de aguentar as consequências de não poder mais trabalhar já que a previdência não lhe garante quase nada.

Para o patrão, o desgaste do trabalhador não interessa. Quando um fica velho, ele demite e contrata braços mais vigorosos. O que ficou pelo caminho que se dane. Essa é a lógica do capitalismo. Sugar o máximo do trabalhador, e deixa-lo a própria sorte quando não puder mais produzir.  

Mas, poderia ser diferente? Sim, poderia. Numa sociedade onde o trabalho fosse parte da vida coletiva (e não objeto de lucro para alguns) e o trabalhador, por qualquer tipo de produção, recebesse conforme suas reais necessidades. A isso se chama socialismo. E é isso que os empresários procurar demonizar para que os trabalhadores não se deem conta do quanto poderia ser bom. “Ah, mas o socialismo deu errado em toda parte”, argumentam alguns. Essa é uma meia verdade já que algumas experiências chamadas de socialistas não foram muito bem sucedidas. Mas, outras tentativas, como a de Cuba, apresentam vitórias importantes para a população, como saúde gratuita e de qualidade, educação gratuita e de qualidade, segurança, moradia. Não é o mundo perfeito, claro, até porque a pequena ilha vive sob o ataque econômico dos Estados Unidos. Só que ainda assim conseguiu garantir avanços incríveis. Imaginem se fosse livre para negociar.

O socialismo não é uma forma de bolo na qual colocamos a massa e esperamos crescer. Não se faz por decreto ou por qualquer forma de lei. O socialismo é um processo que precisamos construir, coletivamente, em comunhão. Que nos custará muito, mas nos trará também grandes benefícios. Claro que nem todo mundo consegue acreditar que é possível viver num estado de Justiça, onde cada qual viva conforme precise, e ninguém tenha mais que ninguém. Onde o trabalho seja sinônimo de vida, de criação, e não de morte. Mas, pessoas há que querem viver assim e não deveriam ser condenadas por isso.

Então, quando ouvirem os empresários ou gente do governo dizer que o socialismo é o demônio, tenham bem claro: é mesmo. Mas, é o demônio para os empresários que enriquecem a custa de todos nós, os trabalhadores. No socialismo eles não seriam os patrões, nem seriam os ricos, porque uma fábrica de roupas, por exemplo, seria gerida por todos os seus trabalhadores. Assim, o que é ruim para eles é bom para a maioria dos trabalhadores. Não é interessante?

Então, não compre o discurso assim, tão rápido. Pense.