Alzheimer/Velhice
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terça-feira, 8 de outubro de 2019
Bohemian Rhapsody
O cinema tem uma força descomunal. Pelo menos para mim. É incrível como as histórias contadas desde a tela grande podem assumir contornos inimagináveis. E, sobretudo, amo os atores. É uma coisa incrível uma pessoa poder representar outra pessoa, ou tantas outras, com tamanha profundidade. Deveras, é uma profissão pela qual tenho profunda inveja. Inveja boa.
O cinema me arrebata desde quando eu era criancinha e ia com minha irmã para as sessões duplas de matinê, fosse no Variedades ou no Municipal, lá em São Borja. Confesso que gostava mais do Variedades. Era mais rootzeira, com cadeiras de madeira dura, e a gente podia fazer guerrinha de balas. O Municipal era mais chique, de cadeiras estofadas e exigia mais modos. Mas, quando o filme começava, tudo perdia a importância e eu me deixava levar para o universo de luz desenhado na tela.
Quando os cinemas deixaram de existir e tudo virou sala asséptica dentro dos xópings eu fui perdendo essa tradição de mergulhar no escuro/luz. Mas, ainda assim, filmes são parte importante da minha vida. Não passa um dia sem que eu veja um, seja filme mesmo, documentário, vídeo, qualquer coisa escrita na luz e que exija atuação. Vejo tudo atrasado justamente por conta dessa birra com os xópings.
Ontem à noite, depois da rotina com o pai, fui assistir a um filme que já estava na minha lista há tempos: Bohemian Rhapsody. Chorei litros e segui chorando hoje durante todo o dia. Bastava lembrar alguma cena e lá vinham as lágrimas. Estou chorando bem agora, enquanto escrevo. A questão é: por quê? O filme não tem nada demais. É uma historinha comum sobre um artista gigante, seu começo, seus dramas, seus limites, e sua trágica morte aos 45 anos, vítima do então mortal vírus da Aids.
E apesar de ser só um filme simples, sobre alguém, o guri que fez o Mercury me arrebatou. Ele é demais. Cada movimento dele em cena é demais. Encarnou de tal forma o personagem que simplesmente nos toma por inteiro. É emocionante. Não foi à toa que levou um Oscar. Rami Malek é Freddy. Absolutamente incrível. Que trabalho maravilhoso.
O filme sobre o Queen aparece pra mim como um tributo aos anos 70. Lembro bem quando foi lançada essa música, a Bohemian Rhapsody, em 1975. Ainda vivia em São Borja e tinha gosto estranho para música. Aquele misto de ópera e rock logo se fez frequente lá em casa e em pouco tempo eu já cantava a letra toda de cor. Era bonito demais. Creio que foi isso que me emocionou tanto. Esse mergulho num passado tão distante, tão carregado de lembranças. Naqueles dias eu não sabia que o homem que cantava tão lindamente era um imigrante, gay, deslocado e infeliz. Mas, minha sensibilidade sempre a flor da pele talvez intuísse e por isso mesmo me fazia chorar sempre que eu cantava, aos berros, tentando alcançar as notas. Aquela letra forte, antevendo o destino de tantos meninos imigrantes na Inglaterra ou em qualquer parte do mundo. Aquela dor tão profunda.
Bohemian Rhapsody é, assim, mais do que um filme. É parte da vida de tantos, da minha vida mesma, dos desgraçados, dos perdidos, dos que não podem ser o que são. E ainda que termine no momento de maior glória de Freddy, deixa esse amargo, esse amargo...
“Mamãe, acabei de matar um homem
Coloquei uma arma contra a sua cabeça
Puxei o gatilho, agora ele está morto
Mamãe, a vida tinha acabado de começar
Mas agora eu estou acabado e joguei tudo fora...
Então você pensa que pode me apedrejar
e cuspir no meu olho
Então você pensa que pode me amar
E me deixar morrer”.
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