Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

O médico de família




Nada no mundo é por acaso. Vivi décadas em Florianópolis sem conseguir encontrar um médico, desses como os do passado, que conheciam a gente, a família da gente, que nos enxergavam como seres humanos, que não nos viam como pedaços doentes ou receptáculos de remédios. Procurei bastante, mas nada. Então, um belo dia, por conta das vivências na rádio comunitária, encontrei um desses jovens médicos que conseguiram passar pela faculdade sem se perder na selva do mundo sem coração. Formação de médico de família, perspectiva popular, compreendendo a questão indígena e a realidade do país. Guardei na memória. Um dia, quem sabe, se eu precisasse de um médico, teria a referência.

Então, pouco tempo depois, a vida me deu uma rasteira, e meu pai, de 86 anos de idade, começou a apresentar sinais de demência. Ele morava no mato e lá não tinha como ficar. Fui buscá-lo para ficar comigo. Ele estava bem baleado, muito fraquinho e totalmente fora de si. Não havia tempo para as intermináveis esperas nas filas do posto de saúde. Tinha de agir rápido. Na mesma hora me veio à cabeça o médico que havia conhecido nas lutas pelo SUS. Era o que eu precisava. Chamei.

Eu não queria um desses médicos que nem olham na cara, e já vão receitando. Queria alguém que visse o meu pai como uma pessoa na sua inteireza histórica. O Henrique foi perfeito. Sem pressa, atencioso, carinhoso, respeitoso, explicativo, honesto. Sem soluções milagrosas, mas com propostas inovadoras e perspectivas mais naturais. Iniciamos o cuidado.

Agora em junho de 2019 se completarão três anos que estou cuidando do pai, sempre com o acompanhamento do Henrique. Um médico que eu posso chamar a qualquer hora pelo uatizapi, que me atende e me aconselha. E que se está longe, encontra caminhos e atalhos para o bem estar. Um médico que pede notícias quando elas faltam, e que se preocupa com cada passo da jornada. Um médico que divide o que sabe, que expõe o que não sabe, que aprende junto. Um médico que abraça, que conforta, que ri, que se emociona. Um médico que se move com a força do compromisso, que sabe não ter todas as respostas, que está preparado para perder batalhas, mas sem largar a mão.

Eu que tanto procurei, agora encontrei o médico sonhado. E foi na hora certa, quando o mundo ruiu sobre meus pés. Nada é por acaso, mesmo. Conforta-me saber que passarei por essa dura estrada da demência e do Alzheimer tendo por parceiro do cuidado um cara como esse. Meu pai merece isso. Meu desejo mais profundo é de que cada pessoa nesse Brasil pudesse ter um médico assim, um médico de verdade, trabalhado no carinho, no cuidado, na atenção. E por isso eu luto pela saúde pública, pelos programas de médico de família, pela medicina preventiva.

Agradeço aos deuses e deusas que me permitiram encontrar o Henrique. E sei que, como ele, outros andam por aí, aqui mesmo em Florianópolis. Wagner, Murilo, só para citar alguns que são crias da mesma cepa e não concebem a medicina como negócio. São poucos ainda. Mas, rezo para que sejam mais. Possivelmente a própria ação desses que agora vivenciam essa prática fornecerá o exemplo para o surgimento de novos médicos assim, capazes de encontrar a humanidade que existe neles mesmos, e no outro. Uma parceria construída no amor.

A realidade nos mostra que esse caminho ainda é longo. Basta lembrar que a maioria das vagas dos Mais Médicos, as que estão nos lugares mais pobres, ainda não foram preenchidas. Porque não é moleza ficar cara-a-cara com o dor de quem não tem nada, a não ser o próprio corpo que se deteriora. Mas, não há saída. Só o amor salva. E o tempo da vida plena chegará para todos e todas. É um caminho sem volta, a despeito dos vilões sempre à espreita. Enquanto isso, lutamos!

Recomendo vivamente o Henrique. Podem chamar .


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