Alzheimer/Velhice

sexta-feira, 8 de junho de 2018

A UFSC, os trabalhadores e a batalha do estágio probatório




Caso Juliane expõe as vísceras da arbitrariedade que envolve estágio probatório

O Brasil vive um momento conjuntural convulsionado, saindo a poucos dias de uma paralisação geral provocada pelos caminhoneiros e que, infelizmente, não contou com a adesão das centrais sindicais. Caso os trabalhadores tivessem subido nesse bonde as coisas poderiam passar diferente. Não passaram. A greve dos caminhoneiros acabou, o diesel não vai baixar, a gasolina subiu e tudo segue na paz.

E, se no Brasil o negócio está assim, imaginem na universidade. A vida segue entre teses, dissertações, trabalhos finais, burocracias e gestão de projetos. E no campo das relações de poder, a vida é ainda mais complicada, pois o coronelismo é um fantasma cujo ectoplasma segue visível e forte.

Nessa sexta-feira esperava-se que uma batalha travada por um grupo de técnicos-administrativos, bem como pelo sindicato, referente a anulação de uma decisão de exoneração de trabalhadora pública em estágio probatório pudesse ser resolvida no âmbito das negociações internas. Já há algum tempo que a decisão vem sendo questionada e nas idas e vindas da administração e a esperança era de que agora as coisas se resolvessem. Não foi assim.

Tal qual aconteceu no caso do trabalhador Daniel Dambrowski, a argumentação dos TAEs e do sindicato era de que a comissão que definiu pela avaliação insuficiente cometeu equívocos graves e foi arbitrária. A trabalhadora em questão, Juliane de Oliveira, que exerceu seus primeiros meses de trabalho no Hospital Universitário, ao que parece foi mal avaliada porque reclamou de estar em um espaço insalubre e pediu para ser removida. Vale ressaltar que quando pediu para sair do HU Juliane estava grávida e, depois, lactante, portanto, em pleno direito de querer um espaço que não causasse dano ao bebê. O mais grave é que o período no qual Juliane trabalhou depois de sair do HU não foi levado em conta na avaliação. O sindicato e os TAEs denunciam perseguição, ilegalidades e a negação do direito ao contraditório.

Ocorre que no âmbito do trabalhadores técnico-administrativos não há instâncias as quais recorrer em casos assim. A comissão de avaliação é soberana e inquestionável. Diferentemente dos trabalhadores docentes, que podem apelar para mais quatro instâncias antes de ver uma exoneração por desempenho insuficiente acontecer.  

E diante dessa flagrante injustiça, qual a posição da reitoria? "A coisa é assim, nada podemos fazer". Ora, a universidade tem todas as condições de gerir autonomamente sua política de pessoal e pode sim definir instâncias de recurso. Não é possível que uma comissão, que não leva em conta toda a trajetória de um trabalhador, decida, e não possa ser questionada.

A reivindicação dos colegas de Juliane e do sindicato era de que a avaliação fosse revista, com a inclusão do período no qual ela atuou no Departamento de Compras - onde está agora  - e que também fosse levado em consideração a sua condição de grávida e depois, de lactante, no período em que discutiu o ambiente onde estava.

Mas, depois de reuniões e reuniões, o reitor Ubaldo Balthazar decidiu que não iria decidir. E a proposta apresentada foi a de levar o caso ao Conselho Universitário. Uma decisão de Pilates, visto que o CUn, predominante formado por professores, não tem sido sequer imparcial nas suas análises, inclusive nos casos que envolvem sua própria categoria. Basta lembrar o triste episódio de uma professora do Curso de Enfermagem que foi exonerada também por perseguição, por ser “boa demais” com os alunos. Ela entrou na Justiça e venceu, não sem pagar um preço elevado demais pelo sofrimento todo que passou, vindo depois a tirar a própria vida.

O caso envolvendo a trabalhadora Juliane não é exceção. É regra. A vida das pessoas é rasgada e cortada sem dó nem piedade. Se for alguém que questiona, que luta, que atua politicamente, bom, aí a coisa é bem pior. A lógica da “fazendinha” é simples: assuma seu cargo, não abra a boca, não olhe para os lados, não gema, não vá às assembleias, não se mova, obedeça toda as ordens, senão... O chicote canta. E a demissão vem. Juliane reivindicou. Errou aí.

O século XXI já vai chegar à segunda década, mas os trabalhadores públicos da educação, que não são docentes, seguem sendo tratados como joãos e marias-ninguém. Tudo para eles é menos.

Agora, o caso da Juliane vai para o Conselho Universitário. Nova batalha. Não há paz. Mudam as administrações e a UFSC segue como sempre foi. “É assim, não há o que fazer”, diz o reitor. Não. Não é verdade. Vontade política e coragem mudam as coisas. Mas, pelo visto, isso não é para agora.

A luta por Daniel deu um grande ânimo nos trabalhadores, porque foi vitoriosa. Aprendeu-se muito. Agora, a batalha pela permanência da Juliane mostra que a questão do estágio probatório é muito mais complexa do que se supunha. Há coisas tantas para mudar. O caminho é longo. Mas, enquanto houver luta, a vida vai apontando rumos.  



quinta-feira, 7 de junho de 2018

Doval, o futebol e o esquadrão imortal

Doval

o esquadrão imortal

Sempre tive certa síndrome de Madre Tereza, ficando ao lado do mais fracos em todas as situações, inclusive no futebol. Lembro que quando era pequena (ou criança, porque pequena ainda sou) achava muito estranho a garotada da rua ser Flamengo. Todos eram Flamengo, aquilo não me parecia justo. Eu brigava porque achava que tinham de ser dos times locais, no caso ou Internacional, ou Cruzeiro, que eram os times de São Borja. Mas, bastava ter jogo do Flamengo que a galera deixava o jogo de bolita para ouvir a contenda.

Foi por conta disso que me fiz Fluminense lá pelos anos 70. Achava triste que ninguém torcia para o tricolor. No jogo de botão, esse sempre era meu time. Cafuringa, Mickey (o artilheiro do paz e amor), Félix, Gerson. E, em 1975 o “esquadrão imortal” era imbatível, com figuras míticas como Carlos Alberto, Edinho, Dirceu, Rivelino e o absoluto Doval. Esse era meu ídolo, tinha milhares de fotos recortadas do “diabo loiro” argentino. E o dono da banca de revista já sabia, quando chegavam as revistas do esporte eu era a única menina a comprar. Também tinha todos os álbuns de figurinha.

Naqueles anos o futebol era uma beleza. A gente conhecia os jogadores, amava cada um deles pela magia que conseguiam fazer com a bola nos pés. Eu, de fato, sempre gostei do jogo, não importando muito quem jogava. E a torcida era sempre definida em função de quem estava com menos apoio.

Ao longo dos anos amei Nelinho, Eder, Paulo Cesar Carpeggiani, Renato, Figueroa, Paulo César Caju, Manga, Zico, Falcão, Marinho, Sócrates, Wladimir, Palhinha, Fio, Biro-Biro, Toninho Cerezzo, Roberto Dinamite, Leão, Valdo, e tantos outros. Hoje ainda me deixo ficar em frente à TV quando o jogo é bom, mas já não conheço ninguém. Desses, da seleção brasileira, praticamente nenhum. Eles não são nossos ídolos aqui, não dançam nos nossos gramados, estão fora.

Mesmo assim, quando chega o tempo da Copa eu me animo. Mesmo no meio do futebol técnica assoma algum guri brincalhão, desses que dança e faz misérias. Isso me emociona e me transporta para os anos 70 e 80 quando a gente vivia com força essa paixão. Mas, é triste não ter o nome dos guris na ponta da língua e não saber sequer de onde eles estão saindo. No geral, as gentes de outros lugares sabem deles mais do que nós. Nossos garotos, quando em algum momento se destacam, já são capturados por algum olheiros e viram mercadoria, levados para longe de nós.

Nesses dias que antecedem a Copa me veio assim, profundo, um oceânico sentimento de saudade e me vi debruçada sobre o álbum que enchi só com fotos do Doval. Ele ainda deve existir em alguma caixa na casa de meu pai. O Doval já se foi, “hace tempo” jogar no céu. Morreu cedo, com 47 anos, deixando a doce lembrança do riso, dos cabelos lisos e compridos e do braço em riste na hora do gol. Doval é a memória de um tempo em que o futebol era capaz de nos encantar.

Hoje, não mais... Ainda que nos dias de Copa eu me perca, outra vez...Esperando.


Messi e as crianças palestinas


Foi assim, tão logo souberam que a seleção argentina iria jogar um amistosos com a seleção de Israel, um grupo de crianças palestinas decidiu escrever uma carta ao jogador Messi, que é um ídolo mundial, e também muito amado pela gurizada palestina. Uma gurizada que vive diuturnamente acossada pela violência, pela morte, pela dor, tudo provocado pelo estado sionista de Israel. Hoje, são mais de 300 crianças presas nas cadeias israelenses, pelo simples fato de existirem, quererem viver no seu território e lutarem por isso. 

Na carta, entregue a representação diplomática da Argentina na Cisjordânia pelo presidente da Associação Palestina de Futebol, Jibril Rajoub, as crianças falam com Messi: “ Disseram que você vem jogar com os seus amigos em Al Malha, num estádio construído sobre a nossa aldeia. Você é uma figura lendária do futebol com a qual todos sonhamos em ser iguais. Somos filhos de refugiados palestinos dos campos de refugiados de Qalandia, al Amari, Yalazón e Aida. Nossas famílias são originárias de Al Malha. É lógico que Messi, o herói, venha a jogar em um estádio construído sobre os túmulos dos nossos antepassados? Nós, em nome de nossos amigos, oramos a Deus para que atenda nosso desejo, e que Messi não parta nossos corações."

Essa comunidade, que existia na parte ocidental de Jerusalém, foi  uma das 418 vilas palestinas destruídas por Israel desde a invasão, e ali hoje está o estádio Teddy Kollec, onde seria a partida, que serviria justamente para celebrar os 70 anos de criação do estado de Israel. Os 34 mil ingressos já estavam vendidos e o governo preparava uma grande festa, completamente alheio ao sofrimento e ao terror que vem provocando desde a invasão das terras palestinas.

Na última terça-feira a Argentina confirmou o cancelamento da partida, aparentemente acolhendo o pedido das crianças, numa vitória diplomática importante para o povo palestino, justo nesse momento em que os Estados Unidos acirram a violência com a transferência da sua embaixada para Jerusalém, alegando que ela é a capital de Israel. Os últimos dias tem sido de barbárie com dezenas de pessoas sendo assassinadas por franco-atiradores durante os protestos na fronteira, como o caso da enfermeira de 21 anos, Razan al-Najar, atingida enquanto prestava ajuda a um ferido.

A vitória é também do Movimento BDS (Boicote, Desenvestimento, Sanções)argentino, que potencializou a campanha. Esse movimento existe em todo o mundo conclamando o boicote a Israel.

O governo israelense já confirmou o cancelamento argumentando que o jogo não será realizado em função de “ameaças de morte” ao jogador Messi. O presidente da Associação de Futebol Argentina, Claudio Tapia, também confirma a versão: "O acorrido nas últimas 72 horas, as ações, as ameaças que aconteceram, nos levaram a tomar a decisão de não viajar. A minha responsabilidade, como presidente, é a de lutar pela saúde e a integridade física de toda a delegação".

Essa jogada de colocar a culpa do cancelamento nas “ameaças”, que na verdade não existiram, é uma tentativa polida de escorregar pela tangente. 

De qualquer forma, a Argentina não indo a Israel é um gol de placa, não de Messi, mas das crianças palestinas que ousaram chutar forte e, mais uma vez, enfrentar o gigante.

Que vivam as crianças palestinas. Que vivam!  Elas enchem meu coração de alegria em meio a toda essa dor.