Alzheimer/Velhice
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sábado, 7 de abril de 2018
O último Jedi
Vi, um ano atrasada, o episódio VIII do Guerra nas Estrelas, mais um da série de filmes que marcou profundamente minha vida, apaixonada que sou por ficção científica desde bem pequena. Fiquei totalmente tocada com a presença de Luke e Leia, que são assim, como parentes...
A cena de Leia vencendo o espaço gelado, Mestre Yoda e sua adorável ironia, Cheewba, Luke e sua partida tão bonita. Um lindo encerramento para uma geração que, como eu, encantou-se com esses personagens. A Força, em toda sua expressão.. Lindo demais. Certamente ficarei pelo menos uma semana em estado de melancolia...
quinta-feira, 5 de abril de 2018
Sobre a conjuntura, fascismos e golpes
Não pretendo falar do julgamento do STF sobre o Habeas
Corpus de Lula. Não é isso que interessa. Julgo que todo o processo que envolve
as denúncias contra o ex-presidente tem vício de origem, logo não deveria ter
chegado até esse ponto no qual chegou, com duas condenações absurdas, de nove e
depois expandida para 12 anos. No campo do direito, não são poucos os juristas
que apontam a inconsistência nas provas contra Lula. E, se um dos princípios
basilares da lei burguesa é a presunção de inocência, não teria motivo de ser
diferente só porque o acusado é um ex-presidente. Logo, o julgamento é
político. Não faltará quem jogue na cara: então tu apoias a corrupção do Lula?
Não, não apoio. Nem do Lula, nem de ninguém. Os que comandam a máquina
capitalista todos têm as mãos sujas de alguma forma. Mas, se formos nos ater a
letra fria da lei penso que provas concretas são necessárias, contra quem quer
que seja: amigo ou inimigo meu.
Vejo claramente algumas coisas que gostaria de dividir para o
debate:
Primeiro: Sim, foi golpe o que aconteceu em 2016. De um
jeito novo, mas foi golpe. E estamos vendo esse golpe se desdobrar
vertiginosamente. “Primeiro a gente tira a Dilma”, disseram, e é assim mesmo. O
que vem depois vai pegando primeiro os petistas e no desenrolar pode pegar
qualquer um. Isso é fato. Uma hora vai chegar ao cidadão comum. Alguém pode
dizer que o cidadão comum sempre esteve vivendo num estado de exceção e de
certa forma é verdade. Os empobrecidos sempre estão com a lei sob suas cabeças,
como uma faca afiada, coisa que não ocorre com os do topo da pirâmide. Exemplos
não faltam, de um e de outro lado. Vejam os números de mortes impunes nas
favelas, nas periferias. Vejam a situação dos aprisionados, grande parte sem
julgamento. Vejam os ricos que matam e traficam e saem impunes. Tudo isso é
verdade. Mas num tempo de golpe, a ação contra os inimigos do “estado de coisas”
se potencializa, cresce e deixa a vida confusa. A mão da lei, que é a mão do
poder, pode pegar qualquer um, sem precisar usar a lei. O contrato social
representado pelas leis, ainda que frágil na democracia burguesa se rompe
definitivamente. Tudo passa a valer. Inclusive convicções pessoais viram
provas. Isso não pode ser aceitável.
Segundo: a direita brasileira conseguiu colar no Lula e no
PT a imagem de “comunista”. Todos os que temos compreensão da realidade e
conhecemos a fundo o que é o capitalismo, o socialismo e o comunismo, sabemos
que o PT e o Lula não são comunistas. O máximo que podemos conceder é que eles
sejam de um liberalismo de esquerda, com certa pegada social e uma preocupação
com os empobrecidos, ainda que insuficiente. Mas, não adianta dizer isso a
essas gentes que já estão inoculadas com essa “verdade” do petista/comunista. É
por isso que esse povo vai para as ruas com suas camisas da seleção – que representam
a pátria - gritar contra Lula e o PT.
Porque pensam que eles são comunistas, e acreditam que o comunismo é o mal. Veem
o comunismo com os olhos da direita, sequer sabem bem o que isso significa.
Precisaríamos de muito tempo para desconstruir isso. Muito trabalho de base.
Não se consegue com discursos nem com postagens no facebook. Ainda mais que o
próprio facebook trabalha para consolidar essa mentira que virou verdade. O tal
do face é uma usina de mentiras, tal qual os grandes meios de comunicação.
Terceiro: sim, há fascismo nessa conjuntura brasileira e
isso não é banalizar o termo. Teothonio dos Santos, no seu livro “Socialismo ou
Fascismo” ajuda a gente a compreender esse movimento. Ele avalia que existem
atitudes fascistas, movimentos fascistas e fascismo. Cada caso é bem diferente um
do outro Ele faz sua análise nos anos 70 do século passado e é claro que não
podemos transplantá-la para hoje. Mas ajuda a pensar. Segundo Teothonio, o fascismo surge quando há uma ameaça à nação
e um movimento de unidade nacional que aparece para salvá-la. Não é o caso no
Brasil. Mas, acontece que foi criado um consenso que diz o contrário. Nesse
consenso liga-se o PT ao comunismo e isso aparece como uma ameaça. É o que
dizem os comentários raivosos de um bom número de pessoas. Nesse caldo, figuras
como Bolsonaro, militares ou políticos da direita de todas as cores, aparecem
como lideranças capazes de colocar ordem na casa. A casa bagunçada pelo
capitalismo aparece como uma casa bagunçada apenas pelo PT. “No tempo dos
milicos não tinha violência”, dizem, e não analisam o tempo de um Brasil ainda
rural, sem os males das grandes metrópoles. A violência não é coisa do PT, ela
é estrutural do capitalismo.
O fascismo, diz Teothonio, aparece quando as lideranças
populares estão desorientadas ou chegam ao poder e não conseguem dar respostas
às lutas do povo. Temos essa realidade com o governo do PT que, de certa forma,
não conseguiu avançar nas demandas populares e domesticou sindicatos e
movimentos. Hoje temos essa desorientação. Também, para que o fascismo se
expresse para além de ações isoladas é necessário que existam grupos marginais
e decadentes que se organizem contra o socialismo, o comunismo ou as demandas
populares. Temos isso hoje no Brasil de maneira muito clara.
Teothonio diz ainda que para que o fascismo se instale como
projeto de governo é necessário que haja uma crescente luta popular que ameace
a burguesia, então, ela, com a ajuda do grande capital, trava a luta. Bom, não
temos grandes levantes populares, mas não estamos adormecidos, e a burguesia
local impõe via meios de comunicação essa “verdade”: os comunistas querem
voltar. Isso é forte. Talvez não tenhamos mesmo as condições materiais e
históricas para um regime fascista no Brasil. Mas isso não significa que não
tenhamos de conviver com movimentos pontuais e atitudes fascistas. Coisas que já
observamos claramente hoje. Isso tem de ser combatido, sob pena de avançar.
Nesse contexto todo, misturando os ingredientes, a situação
é de fato dramática para esquerda, porque é necessário apontar cenários e
saídas a essa camada da população que hoje se mobiliza na campanha de “eleição
sem Lula é fraude”. Esse é, na verdade, um projeto muito reduzido para nossa
esquerda nacional. Posso entender os partidos se juntando em atos públicos para
rechaçar atitudes e movimentos fascistas, mas isso não toca na essência do
problema. Não há verdadeiramente um projeto nacional que sirva de rede para
nossos desejos. Não há. O projeto que boa parte das gentes em movimento hoje
tem é o projeto petista, que já mostrou suas fragilidades e suas insuficiências.
Como acreditar que as coisas possam ser diferentes? Que a política econômica não será comandada
por gerentes do capital? Que os meios de comunicação comerciais de massa não seguirão realizando a mais-valia ideológica sem freio? Que a auditoria da
dívida será feita e o que for ilegal não será pago? Esses pontos não estão no
horizonte petista hoje. Nesse sentido, antes de pensar em uma frente com essa
força seria necessário avançar muito mais, para além da proposta esquerdo/liberal.
É fato que no mundo real só podemos trabalhar com a
realidade real, como diz o economista José Martins. E sabemos que os caminhos
da mudança são tortuosos e difíceis, necessitando de construção coletiva
massiva. Mas, não podemos rebaixar os horizontes. Como dizia Galeano a utopia foi
feita para a gente caminhar, e a utopia não é um lá-na-frente impossível. Ela é
um lá-na-frente que ainda não chegou, mas que pode chegar. Então, nossas
propostas e bandeira precisam se erguer além do possível. Claro, sem deixar de
observar o que é possível no agora. Mas esse é um caminho dianalético ( sim,
dianalético, como em Dussel), ou seja, no confronto entre tese e antítese,
assoma a voz da comunidade das vítimas, os que estão fora do horizonte do
sistema ( e não fora do sistema). É com esses, que clamam desde a
exterioridade, que temos de caminhar. E a esses não basta serem incluídos na
máquina de moer carne. O que se quer é outra forma de organizar a vida, na qual
as maiorias não fiquem de fora – seja das riquezas, seja da possibilidade de
decisão.
Resumindo: nesses dias de estupor diante do papel da
Justiça, das vozes da caserna que assomam pela TV, dos movimentos fascistas,
posso me solidarizar com os partidários de Lula na compreensão de que está
sendo travada uma cruzada contra o PT e não contra a corrupção. Mas, ao mesmo
tempo conclamo aos companheiros e companheiras de tantas lutas que ampliem o
olhar, aumentem o horizonte das lutas, e fortaleçam a utopia. O lá-na-frente
não pode ser um pouco mais de justiça, um pouco mais de salário, um pouco mais de
democracia. O lá-na-frente tem de ser nosso sonho maior, de trabalhadores
livres, solidários, com o fim da propriedade privada, as riquezas repartidas, o
poder popular. O comunismo.
Talvez não cheguemos lá agora, mas chegaremos, se para lá
dirigirmos, de verdade, nossos pés e nosso coração.
quarta-feira, 4 de abril de 2018
As aventuras com o pai
No passado cuidar dos idosos não se constituía problema. As famílias eram grandes, sempre tinha alguém em casa e o velho passava pelos cuidados coletivos. No geral era respeitado e acabava sendo o centro de todas as atenções, mas sem que isso fosse um peso. Hoje não. As famílias são pequenas, todos trabalham e a tendência é o velho ficar sozinho. Quando ele adoece, tudo se complica, porque precisa de cuidados 24 horas e não há como fazer. |Ou vai para um asilo ou alguém tem de ficar em casa. na segunda opção os malabarismos são constantes.
Estou com o meu pai há dois anos. Ele já completou 86 anos e vive seu processo de esquecimento. Está bem de saúde, mas vez em quando apronta. Um cigarro solto na cama, o intestino que se solta sem ele querer, dinheiro rasgado, documentos estraçalhados, tudo na inocência. A família pequena precisa armar uma logística tremenda para poder sair para estudar e trabalhar. Temos nossos turnos e ainda conto com a ajuda de duas outras pessoas que se revezam no cuidado. É uma correria. O dinheiro é curto, não dá para ter cuidador em tempo integral. Dá um estresse tremendo, mas a gente vai se ajeitando como abóboras na carruagem.
Dia dessas uma das cuidadoras teve um problema e não pode chegar. Todos nós já havíamos saído, o pai estava só. Quando ela avisou, eu já estava na UFSC. Aí foi pesado. Meu trabalho fica a uns 15 quilômetros de casa, mas vivo em Florianópolis. Aqui o transporte é um caos e a gente pode levar até três horas para cumprir esse trajeto, pegando três ônibus. Pirei na batatinha. Era a que estava mais perto. Tinha de ser eu a chegar. Meu espírito de pobre nem cogitou um taxi. Já estava correndo para a parada de ônibus quando um amigo me gritou: “Chama um Uber”. Oi? Bah! Grande ideia. Chamei. Ainda assim levamos uma hora para chegar. Trânsito pesado para o Campeche agora é toda hora. Eu com o coração aos saltos.
Finalmente cheguei. O pai estava no portão, olhando a rua. Os cachorros deitados na área, cuidando. Felizmente não saíra. Ficou surpreso em me ver e eu nem deixei transparecer que estava em pânico. Enfim, passado o susto e o estresse, fui cuidar da vida. Ele seguiu com seus afazeres matinais.
Na hora em que estava preparando o almoço ele chegou, sentou na poltrona e ficou ouvindo música, como sempre faz. Ele bate o pezinho, eu canto, e a comida vai saindo.
De repente ele pergunta: “Mas hoje não ia vir uma mulher aí?”
- Sim, mas ela teve um problema, não pode vir. A única mulher que vai estar aqui hoje contigo sou eu.
- Ah, tá, e é bem bonita – respondeu, sorrindo.
Foi só aí que eu chorei. A parada é dura, mas tem seus momentos de puro encanto.