Alzheimer/Velhice
▼
segunda-feira, 17 de setembro de 2018
As aventuras com o pai
Todas as manhãs são sempre iguais. Sair para o trabalho é uma odisséia. Meu pai acorda às cinco e meia, seis horas, depende, mas não passa disso. Sempre procuro despertar antes dele, para tomar banho antes de começar os cuidados, senão o atraso é certo. Sempre há algo para acertar. Ou ele põe o sapato trocado, ou a blusa do avesso, ou o casaco virado, ou o cabelo fica molhado. E não dá para dizer que está errado. Tem de acertar inventando outra história para ele não ficar brabo. Então, depois de ajeitado o figurino, começa o rolo do café. Até aí já tomei banho e vou fazendo uma coisa pra ele, e outra pra mim.
Café pronto e preciso ficar atenta, senão ele joga tudo fora, ou enche de pão, ou amassa o remédio. Então as coisas precisam ser realizadas uma de cada vez. Antes de servir a xícara, corto o pão em cubinhos pequenos, passo manteiga e mel. Depois encho a xícara e só então dou o remédio. Se descuidar ele joga o remédio fora, então tem de ficar olhando se ele põe na boca mesmo. Remédio na boca é hora de engolir. Outra novela. Ele faz a maior enrolação e gira o remédio na boca, ou tira e põe no pão. Esse momento precisa de atenção total.
Quando o remédio já foi para dentro dá pra deixá-lo tomando café sozinho, enquanto me arrumo. Mas é tudo muito rápido. Ele termina e já vai para a pia lavar a xícara. Ali ele arruma novo salseiro, jorrando água pra todo lado. Deixo que ele “trabalhe” senão fica brabo e mal humorado o dia todo. Ele lava a xícara e em vez de guardá-la começa a tirar todas as outras do armário ordenando-as em cima da mesa, enchendo-as de água, cada uma com sua respectiva colherinha. É um ritual. Vamos tentando tomar café, enquanto ele nos olha com ares de repreensão. É um tumulto na mesa, mas tudo bem. Seguimos.
Passado o café já estou exausta, mas é hora de colocar os cachorros pra dentro, porque senão eles saem e correm atrás das pessoas na rua. É sempre a mesma novela. Bota os cachorros pra dentro e o pai vai lá e abre a porta. Gritaria geral. Nããããããoooooo! E corre pra lá e pra cá atrás dos cachorros.
Ufa. Cachorros dentro de casa, pai no lado de fora e lá vamos nós. Fechado o portão, cachorros pra fora, pai pra dentro e passo o bastão para o Renato, que seguirá com os cuidados até as oito horas quando chega a moça que fica com o pai enquanto eu trabalho e ele vai para a faculdade.
Tudo isso leva pouco mais de uma hora, mas quando sento no carro, parece que já se passaram horas e horas. Não são nem sete horas da manhã e a sensação é de profundo esgotamento. Sem contar que ainda precisarei viver o engarrafamento do Rio Tavares.
Suspiro e olho pela janela. Ele está no alpendre e acena. Tão frágil e bonitinho. É uma daquelas cenas de doce encantamento. A gente ri e acena de volta. E vamos embora com aquela sensação ambígua de preocupação e ternura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário