Eu e minha velha Pana... - Foto: Rubens Lopes
Tem uma história andina, dos povos antigos, que conta sobre
a revolução dos artefatos. Um tempo em que os humanos só guerreavam entre si,
os artefatos utilizados por eles decidiram que era tempo de parar. Então, numa
noite, eles se transformaram em gente e foram ensinar sobre a paz. As guerras
pararam e houve um longo tempo de harmonia. Gentes e coisas, unidas,
construindo o bem viver. Essa história sempre encheu meu coração de ternura
pelos artefatos. As coisas sem fetiche, as coisas como parceiras de vida.
E era um pouco esse sentimento o que me unia a minha querida
câmera de filmar. Comprei-a de segunda mão, já bem usada, e ainda assim ela
estava comigo há nove anos. Nove longos anos filmando boa parte da vida da
cidade, das coisas do IELA, da América Latina. Nunca me falhou. Minha mão já se
moldava a ela, e era quase impensável sair para rua sem carregá-la comigo, na
indefectível bolsinha vermelha, comprada na Bolívia.
Pois há pouco mais de 15 dias, indo para a Rádio Campeche,
sábado pela manhã, em meio à chuva, minha bicicleta travou e eu caí. A magrinha
tem uma cestinha onde carrego as coisas. E, sem que eu percebesse, a cesta se
abriu e a bolsinha com a câmera deve ter rolado para fora. Chovia, e eu, na
pressa de resolver as coisas, saí carregando a bicicleta de volta pra casa,
para ter tempo de chegar à rádio no horário previsto. Foi uma correria e minha
parceira ficou esquecida no chão da rua.
Só dei por falta dela na quinta-feira quando fui sair para uma
atividade. Procura e procura e, ao final, a certeza. Ela só poderia ter caído
na hora do tombo. Voltei ao local, falei com as pessoas que moram em volta, mas
nada de encontrar. A rua é caminho de muita gente que vem de fora, no rumo da
praia. Sabe-se lá onde ela foi parar. Estava cheia de material, grávida de
matérias e belezas, das lutas das gentes.
Hoje, certa de que a perdi para sempre, me acometeu essa
tristeza. Esse sentimento de ter falhado com ela, deixando-a caída numa rua
qualquer. Ela, que me acompanhou em tantas aventuras, sempre firme. Fiquei
pensando que se, por ventura, ela virasse gente numa revolução dos artefatos,
não seria eu quem ela veria ao seu lado. Chorei.
A minha velha câmera se fez um ente para mim. Não é a coisa
em si, mas significa a parceria de quase uma década. Espero que as mãos que a
carregaram possam produzir belezas com ela, assim como eu o fiz durante tanto
tempo. Perdão companheira, por ter te perdido. E obrigada por tudo que me deu.
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