A velha casa ainda está lá...
Das memórias de infância uma que me assalta de tempos em
tempos, de infinita ternura, é a dos irmãos Bonetti. Eles tinham um grande
armazém numa das esquinas próxima à minha casa, e também uma padaria. Todos os
dias eu ia, com meu irmãozinho, buscar o pão. O pedido era sempre igual: um pão
d´água grande e outro sovado, conhecido naquelas bandas de São Borja como pão
cabrito, por conta de seu formato, com uma espécie de chifre.
Lembro como se fosse hoje do jeito e do clima da padaria. Tinha
aqueles balcões antigos de madeira boa, com tampos e vitrines de vidro, onde
ficavam os pães, à mostra. E tinha o Bonetti, um italiano grande, de grandes
mãos. Acho que o “grande” aparece porque éramos nós, então, pequeninos. E todos
os dias tínhamos o mesmo diálogo:
- Bom dia, quero dois pães, um d´água e um cabrito – Eu dizia,
solene.
E o Bonetti devolvia, igualmente solene:
- Trouxe a corda?
Eu, primeiro, arregalava os olhos, surpreendida, e depois
vinha a gargalhada: a corda era para amarrar o “cabrito”. Ele também ria, um
riso bom, e ia pegando os pães pra gente, enrolando-os naquele papel pardo de
padaria.
No dia seguinte lá vínhamos nós com mesmo pedido, e lá vinha
o Bonetti com a mesma piada. E era sempre engraçado.
Hoje, quando vou comprar pão, no geral pão ruim, porque
nunca mais se viu um pão como aqueles do Bonetti, eu sinto sempre uma
nostalgia. Do formato do pão, grande e crocante, do riso do Bonetti, daquela
cumplicidade, daquele jeito de ser comunidade. Já os pães cabrito, nunca mais
vi, mas os tenho fixos na memória. E, por vezes, nos sonhos, me vejo
buscando-os, com a corda na mão, subindo a João Palmeiro, que naqueles dias era
de terra vermelha. Eu e meu mano, de mãos dadas, num tempo tão feliz.