Sou jornalista. Eu confesso. Então, por essa deformação
profissional, sou obrigada a ficar sempre ligada naquilo que os grandes meios
produzem. Afinal, são eles os que ainda conformam o consenso na sociedade brasileira.
Assim, assisto o Jornal Nacional, o da Band, o da Record e o do SBT. Neles,
mudam os apresentadores, mas o modelo é o mesmo. A velha fórmula funcionalista
do jornalismo estadunidense. E, no campo ideológico, todos eles produzem
propaganda do sistema. Falam mal dos inimigos do capital. Falam bem dos amigos.
Afirmam haver um ditador na Venezuela, mas não dizem o mesmo do Brasil ou dos
Estados Unidos. A diferença é que na Venezuela o presidente foi eleito por
milhões, enquanto no Brasil ocupa a cadeira por um golpe e nos EUA, por eleição
indireta. Mas ditador mesmo é o Maduro.
Isso é só um exemplo, das tantas barbaridades que se dizem
pelas noites e dias a fio, nos horários nobres da TV. A usina de produção
ideológica é pródiga. A política brasileira, com políticos corruptos, deputados
comprados, votações manipuladas, distribuição de dinheiro público para compra
de votos, tudo é mostrado como se fosse um céu azul. Nada de errado passa. A
não ser se o acusado for do PT. Aí é um deus nos acuda de opiniões e
especialistas. Um desavisado, que ligasse a TV inadvertidamente pensaria que
apenas o PT congrega tudo o que há de ruim na política. Os demais são santos.
Ah, e a corrupção começou ontem. Uma coisa extraordinária.
Mas os noticiários não são os únicos a moldar a consciência
nacional. A programação da TV é inteirinha uma fábrica de mentiras, capaz de
tornar belo o que há de mais terrível e transformar em demônio o que há de mais
belo. Isso também vai se configurando através dos chamados programas de
entretenimento, que igualmente se repetem em todas as emissoras, no mesmo
modelito. Esmolas e humilhações para o povo pobre, doação de casa, arrumação de
carros velhos, e a recorrente alienação com as histórias dos famosos, que ora
dançam, ora mostram suas mansões, ora contam suas vidas. Pedaços de uma única “colcha”
que, ao final, produz um consenso sobre a realidade. A TV ainda é uma janela
poderosa. Chega em 97% dos lares nacionais, e 68% das pessoas dizem acreditar
no que passa ali, na telinha. Logo, não pode ser subestimada, nem
negligenciada.
Quando o PT assumiu o governo em 2004 havia uma grande
expectativa de que iria mexer nesse vespeiro. Afinal, o espectro da TV é
público e o estado teria todo o direito de, junto com a população organizada,
rever todo o processo de concessões e criar uma lei de comunicação capaz de
permitir a ascensão das produções comunitárias, das redes públicas, da
comunicação popular. Não aconteceu. Desgraçadamente, o presidente recém-eleito -
Lula – fez foi dar uma exclusiva para a Rede Globo e, depois, relaxar.
Acreditava, talvez, que se não cobrasse as dívidas da emissora, ela usaria seu
poder para apoiá-lo. Errou feio. A Globo tem hábitos alimentares difíceis de
mudar. A lua de mel não durou muito e quando ela teve de agir para respaldar o
golpe, agiu.
O governo petista optou por outra estratégia de comunicação,
sem mexer na oligarquia midiática. Preferiu atuar pelas beiradas, fortalecendo alguns
veículos alternativos, apoiando projetos e figuras carimbadas do eixo Rio/São
Paulo/Brasília. E foi só. É certo que conseguiu, de alguma forma, fazer
circular outra narrativa sobre os fatos, afinal, no Brasil, o colonialismo mental
se espraia em todos os níveis, não apenas na ponte Europa/Brasil, EUA/Brasil,
mas também nas pontes internas São Paulo/ Rio Grande, São Paulo/Santa Catarina
e assim por diante. Assim, jornalistas do eixo central como Paulo Henrique
Amorim e Luís Nassif passaram a ser lidos e ouvidos como se fossem as vozes
críticas da mídia. E eram. Mas, não eram, nem são, vozes da esquerda. Apoiavam
as iniciativas petistas como bons liberais. Nesse ínterim, com o crescimento da
internet, surgiram também alguns coletivos de mídia alternativa, de cunho mais
à esquerda, que igualmente prestaram um bom serviço no sentido de trazer as
informações sob outro viés, que não o hegemônico, dos grandes meios.
Mas, na hora decisiva, na Conferência Nacional de Comunicação, que,
depois de muita batalha, finalmente aconteceu em 2010, portanto seis anos depois
de o PT assumir o governo, em vez de se alinhar com as entidades mais
progressistas ou à esquerda, o governo preferiu compor com os grandes meios.
Colocou os empresários na parada e as demandas geradas em centenas de reuniões
preparatórias pelo Brasil afora foram para o saco. De maneira clara, o PT
assumia a sua política de negociação, tentando equilibrar-se entre os amigos do
passado – a esquerda – e os amigos do presente, a direita e o capital. A lógica
do paz e amor também triunfou no campo da comunicação. Não veio a lei para
regular as concessões, não veio lei de comunicação, não veio nada.
Quando em 2013 começou a reação da direita contra a política
do PT, que se para a esquerda era pífia, para a elite local já assumia o pódio
de “a mais perigosa”, a sociedade brasileira estava ainda refém dos grandes
meios. E quando começou a campanha de ódio ao PT, aos trabalhadores e a tudo
que aparecesse como esquerda, os exércitos midiáticos do lado dos trabalhadores
seguiam mirradinhos. É certo que coletivos do eixo central como Mídia Ninja,
Jornalistas Livres e as figuras então emblemáticas como Amorim e Nassif cumpriram uma importante
missão de levar a outra informação, de noticiar corretamente sobre os fatos. E,
a partir da força coletiva gerada pelas redes sociais conseguiram mobilizar
milhões seja no combate das ruas em 2013, seja na luta contra o golpe. Mas,
ainda assim foi insuficiente.
Além disso, a única rede pública que o PT conseguiu criar,
que era a TV Brasil, se comportou de maneira muito tímida durante o processo.
Sem contar que nunca foi uma rede aberta, capaz de ser vista em qualquer casa,
como a rede Globo, por exemplo, que entra em 97% dos lares. A Rede Brasil só chegava
por satélite ou por cabo. Um erro abissal. A TV pública brasileira já tinha de
ter nascido com sinal aberto e sendo o melhor sinal do país.
Assim, perdemos a guerra midiática na saída. O leque de
opções que o governo petista conseguiu criar nos 13 anos de governo não teve
forças para enfrentar a avalanche ideológica dos grandes meios. Eles venceram
em 2013 e venceram na narrativa do golpe. O espectro alternativo, comunitário e
popular foi valente, resistiu bonito, mas não conseguiu chegar aos corações e
mentes da maioria da nação.
Durante o processo do golpe, em maio de 2016, assisti a uma
fala da presidenta Dilma, durante o Encontro Nacional de Blogueiros, na qual
afirmava que o governo havia errado na condução de sua política de comunicação.
E, assim como a presidenta, mais dois dirigentes partidários fizeram a mesma crítica.
E prometiam que se vencessem a tentativa de impedimento, as coisas iriam mudar.
Pois não foi possível. O golpe aconteceu e o PT saiu do governo. A dominação midiática segue avassaladora.
Exerço essa crítica ao PT não porque acreditasse que, com
Lula e Dilma, pudesse haver grandes mudanças estruturais, capazes de abalar os
pilares da dominação. Sempre foi claro
seu perfil mais social-democrático. Mas, é claro, havia possibilidades de se
abrir algumas cunhas nesse granito comunicacional. Afinal, o partido estava no
governo e pelos menos nos dois primeiros mandatos de Lula tinha grande apoio
popular e apoio parlamentar. Assim, poderia criar redes públicas de canal
aberto, criar centros de produção comunitária e popular, fortalecer as rádios
comunitárias, garantir canais comunitários, estimular de maneira concreta a
produção de conteúdo, defender uma lei de comunicação que atendesse as demandas
da sociedade organizada. Não o fez. Sequer abriu o sinal para a Telesur, essa
experiência generosa de uma rede latino-americana.
O fato é que seguimos dominados pelo lixo, pela máquina de propaganda.
E, no campo alternativo, seguimos resistindo, apenas resistindo. Temos bonitas
experiências de mídia popular, temos nossas velhas redes comunitárias, temos a
mídia sindical. Mas, ainda somos ínfimos diante dos gigantes comerciais, que
alcançam a massa em segundos, sistemática e cotidianamente. As condições materiais que se nos apresentam
não nos permitem o ataque, seguimos na defensiva.
Mas, ocorre que o ataque é necessário. No mundo moderno, a
comunicação é a primeira trincheira. Vencer a batalha do discurso é
fundamental. Não foi à toa que Che Guevara ao fincar o pé em Cuba fundou a
Rádio Rebelde. Porque era preciso que a voz da revolução chegasse ao povo,
massivamente. Não estamos em Sierra Maestra e não há nenhuma revolução, mas é necessário
que a gente se debruce sobre o tema da comunicação, que se faça uma profunda autocrítica.
Ainda que os tempos sejam obscuros e ainda que não haja qualquer campo para ser
plantado, é preciso cuidar da semente. Porque se tivermos outra chance, não
poderemos errar.
Esse “momentum” no tempo que tivemos com o PT, eu sei, não
foi nenhuma revolução. Mas, tampouco foi o terreno unificado da classe dominante.
Poderia ter sido diferente. Grupos importantes no campo da comunicação como os
sindicatos de jornalistas, a Fenaj, o Intervozes, o Fórum de Democratização, fizeram
a luta, mas não esticaram a corda até o máximo. Muitos se acomodaram diante da
política governista. Tudo isso deve passar por uma boa análise e dialeticamente
precisamos começar de novo, num outro patamar.
É hora de grandes debates, de análises, de construção. A
terra está sendo arrasada, mas sempre haverá a necessidade de plantar. Temos de
estar prontos para essa jornada. É tempo de afiar as espadas e preparar o
ataque.
Belo texto, Eliane! Tua análise é perfeita! Abraço!
ResponderExcluirBelo texto. Mais jornalistas como você também pode ajudar a mudar esse cenário grotesco.
ResponderExcluirEsqueceste a crise do mensalão de 2005 que só não derrubou o Lula porque o carisma dele é excepcional e ele se socorreu do povo. Foi intencional, já que facilita a construção da tua tese, de que o PT só não fez mais porque é covarde e vendido?
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