Dia de domingo, sol de outono, aquela belezura. Mas, aqui no
meu bairro não há qualquer espaço onde se possa passear com um velho. Ou é a
praia, ou nada. Como ele precisa caminhar, eu vou com ele até o mercado. São 20
minutos no tempo do passinho dele. Vinte pra ir, vinte pra voltar. Andamos
pelas prateleiras, compramos alguma guloseima, passamos na farmácia para pesar
e pronto. Acabou. No pequeno centrinho comercial do Castanheira não há opções,
e até os cachorros precisam ficar de fora. Como o Steve insiste em nos seguir,
temos de voltar rápido, pois todos nos olham com maus olhados. Então, lá vamos
nós de volta para casa.
É incrível como nesse nosso mundinho periférico, capitalista
dependente não há mesmo qualquer cuidado com as crianças ou os velhos. Tudo é
planejado para a azáfama do capital e os caminhos só levam ao trabalho. Lazer é
para poucos. Se a pessoa não tem carro, então, baubau. Resta o girar em torno
da quadra, no geral em solidão, pois os muros são altos e as pessoas estão
fechadas nas suas casas.
As crianças ainda recebem algum cuidado, afinal, elas serão
os braços do amanhã. Por isso há creches, escolas e alguns parquinhos mal
cuidados. Mas os velhos, esses não têm mais nada para dar. Já foram sugados de
todo. Não geram mais valor. Então, que se fodam. Para eles, não há espaços de lazer, não há
cuidados, não há nada. Cada família que se vire. E o destino da maioria é ficar
dando tratos ao nada, sozinho, em alguma varanda, quando não, trancado em algum
quarto.
Cuidar de um velho é um desafio. Não temos mapas, não nos
preparamos, não sabemos como fazer. Tudo é feito às escuras, tateando, errando
e acertando. O que temos nas mãos é um
cristal, frágil, delicado, qualquer aperto quebra. Com eles não são válidas as
didáticas e as pedagogias infantis. Eles já cruzaram todo o caminho e, se estão
esquecidos, não se perderam de todo. Então, há que ser cuidadoso. Por vezes
demoramos horas para arrancar um sorriso e é preciso muita paciência para
enfrentar os ataques de mau humor, a impaciência e a tristeza.
Com meu pai tenho aprendido. Não é fácil. Penso que eu,
ainda tenho a sorte de contar com a ajuda dos que vivem comigo, meus sobrinhos
e meu companheiro. Mas me angustia saber que nesse mundão de deus tem uma
carrada de velhinhos perdidos e sozinhos, porque as famílias não têm a menor
condição de cuidar. Há que prover a vida, há que trabalhar, há que moer o corpo
na roda do capital. Não é culpa de ninguém, é a porra da vida que não abre
saídas.
Essa é outra batalha que temos de travar. Arrancar do poder
público garantias de cuidados para aqueles que já atravessaram o grande
deserto. Dura batalha num país que hoje discute justamente o contrário,
buscando tornar a velhice ainda mais cruel, sem aposentadoria digna, sem
amparo. E ainda temos de aturar propaganda de previdência privada falando em "melhor idade".
Definitivamente precisamos de revolução. Pelos que ainda não
vieram e pelos que insistem em ficar, mesmo quando o sistema de moer gente os
quer excluir.
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