Alzheimer/Velhice

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Paraguai e os desacertos da política eleitoreira


Há certa esquerda, no Brasil e na América Latina, que desgraçadamente desconhece a palavra e a prática da autocrítica. Nunca comete erros e suas verdades são mais verdade que a das gentes. Vários exemplos podem ser dados aqui no Brasil. A incapacidade de entender o grito das ruas no junho de 2013, quando milhões saíram a se manifestar por tudo quanto era coisa. Não era apenas a direita, havia ali uma multidão de pessoas desorganizadas, mas com demandas, querendo ser ouvida. 

Também podemos contabilizar os equívocos das campanhas de Haddad, em São Paulo e Freixo, no Rio, praticamente surdos diante das demandas reais da população. Enquanto as pessoas sonhavam com um atendimento médico de qualidade eles ofereciam ciclovias. Já a direita de nova cepa, a dos CEOs, atuava nesse nicho prometendo coisas que a maioria andava a sonhar. Venceu. 

Agora no Paraguai também assomaram as gentes numa revolta semi-organizada. O senado reuniu-se a portas fechadas, em acordo de partidos, numa sessão considerada irregular, para aprovar uma emenda à Constituição que garantiria a reeleição, não apenas de Cartes, o atual presidente, mas também de Lugo, o que foi deposto num golpe em 2012 e atualmente é o favorito nas pesquisas. Participaram da reunião senadores do oficialismo colorado, da frente Guasu, disidentes do Partido Liberal e representantes do Unace.

O grupo de pessoas que se reuniu em frente ao Congresso e colocou fogo no mesmo era formado na sua maioria por militantes do Partido Liberal, que são contrários à emenda porque tanto Lugo quanto Cartes são seus inimigos. Foram eles que comandaram os atos que levaram ao incêndio e a morte de um de seus militantes, numa invasão ilegal da polícia à sede do Partido Liberal. O jovem foi morto dentro do partido. Mas, entre eles também estavam pessoas comuns, desorganizadas, cansadas dos acordos feitos por cima, às escondidas das gentes. A população não é burra. Sabe como a política funciona. Apenas aparentemente não liga porque está mais preocupada com seus dramas cotidianos, que ninguém ali naquelas casas acarpetadas resolve. 

Ainda ontem, a frente que Lugo representa, Frente Guasú, lançou uma nota dizendo que não compactuava com os atos de violência e vandalismo praticados na noite de sexta e que esperava que o povo decidisse pela reeleição para que Lugo pudesse voltar ao poder, que lhe foi tirado por um golpe parlamentar. Ocorre que depois dos protestos em frente ao Congresso alguns parlamentares resolver agregar a sua aprovação da emenda, a proposta de fazer a mesma passar por um plebiscito. Mas isso ainda não está confirmado, porque parece que outros senadores não querem que seja assim. O povo tem de estar de fora.

Então há aí dois pontos a pensar: Sim, foram os partidários do Partido Liberal, que é tão conservador quanto o Partido Colorado, que iniciaram os protestos. E possivelmente foram eles que colocaram fogo no Congresso. Mas, eles não estavam sozinhos. 

Em segundo lugar, é fato que todos os partidos, Liberal, Colorado, a frente Guasu e Unace estavam resolvendo a questão das eleições a partir de um grande acordão. O Liberal, mesmo não concordando, teve representantes na reunião paralela e ilegal. 

A questão que se coloca então é que qualquer dos partidos, mesmo o de Lugo, está unicamente preocupado com as eleições. O próprio golpe parece que já foi superado, com Lugo negociando até com os inimigos. Vencer a eleição é o ponto central. O povo parece ser secundário.

O que os jovens liberais colocaram em xeque, ainda que ali estivessem representando seus interesses partidários também, foi a velha prática dos partidos que não são revolucionários: seus acordinhos secretos e fisiológicos, as manobras por cima para garantir mandatos . A emenda que garante a reeleição é uma boa ideia? Sim, pode ser. Inclusive para os grupos mais à esquerda. Mas isso não podia ser decidido dessa forma, em salas fechadas, sem um debate popular. Os movimentos sociais no Paraguai estão atuando, são fortes, capazes de realizar esse debate. Então que se coloque em discussão ampla e nacionalizada. Depois, sim, poderiam discutir no senado e na câmara. Mas, a prática autoritária e desrespeitosa com as gentes é ainda uma constate na nossa América baixa.

E as lideranças de esquerda também se fazem surdas ou incapazes de entender a força popular. Na Bolívia, há alguns anos, Evo Morales, certo de que tinha alta popularidade, aumentou o preço da gasolina, sem discutir com ninguém. Levou um tranco da população organizada que saiu às ruas em atos massivos e o obrigou a voltar atrás. Ainda assim, com todos os exemplos, as lideranças não aprendem e fazem pouco caso da capacidade das gentes. As decisões ainda são feitas a partir de cima. 

Chávez foi um dos poucos líderes que colocou quase todas as grandes questões nacionais nas mãos do povo, ainda que correndo o risco de perder, como de fato aconteceu em alguns momentos. O povo, por ser povo, não é o detentor da verdade, pode inclusive ser responsável por graves retrocessos. Mas, é preciso aprender a caminhar com as gentes, formar, garantir conhecimento, garantir espaços de poder real. É uma alfabetização lenta, mas necessária. Como dizia Chávez, “melhor errar com minha gente que acertar sem que eles saibam o que está acontecendo”. 

Assim que o que aconteceu no Paraguai não foi uma revolta popular, é certo. Foi a ação de um grupo organizado, de oposição, marcadamente liberal. Mas, ali, naquela praça também estavam pessoas comuns, desorganizadas e desinformadas. Algumas até manipuladas pelo discurso liberal ou midiático. Só que isso não significa que suas demandas estivem erradas ou que devam ser desqualificadas. Não. É papel dos grupos políticos de esquerda, do Paraguai, do Brasil e de toda a América Latina, ouvir, entender e, a partir daí estabelecer políticas de formação e intervenção. A ninguém interessa ter o controle de uma massa informe, porque ela pode mudar de rumo por qualquer motivo. O que se necessita é uma população esclarecida, informada, sabedora das contradições e das possibilidades, para que possa avançar no rumo certo.

A lição que o Paraguai nos dá não é só a da possibilidade de as gentes indignadas queimarem o Congresso, mas a de que a grande política precisa ser feita junto com as gentes. Sem acordos por cima. Uma tarefa dura, Chávez bem o sabia. Mas, só assim, teremos uma nação de pessoas capazes de decidir seu destino.  

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