O sistema de produção que domina o mundo - capitalismo – não tem moral. E o que significa isso? Que aos que comandam o processo não importam as gentes. Os seres humanos são apenas números, dados, estatísticas. Máquinas de trabalho capazes de produzir valor. Única e exclusivamente. Pouco se dá aos capitalistas se alguém perdeu o emprego, se teve o braço cortado, se se matou por não ter como dar comida ao filho, ou se vai fenecer lentamente por não conseguir manter a vida. As poucas pessoas que dominam o mundo das mercadorias sabem que há milhões de outra pessoas de reserva, prontas para assumir o lugar de quem morre. A máquina continuará produzindo, gerando capital e lucros apenas para uma pequena parcela da população. É por isso que pessoas como o deputado Nelson Marquezelli (PTB/SP) são capazes de dizer: “se o pobre não tem dinheiro, que não vá para a universidade. Meus filhos vão”. Ou seja, aos pobres só está reservado o trabalho. Nada de cultura, educação, lazer ou saúde.
A exploração
dos trabalhadores é algo que faz parte da natureza do capital. Como eles só tem
sua força de trabalho para vender, acabam aceitando acordos que não dão conta
de garantir uma existência plena. Sem os meios materiais para produzir mercadorias,
os trabalhadores precisam aceitar trabalhar para alguém que é dono da fábrica,
do estado ou da empresa, por um salário de fome, que, quando muito o manterá
vivo em condições bastante precárias. E não adianta lutar por salário. Esse pagamento
nunca será capaz de garantir o mesmo banquete com o qual se lambuza a classe
dominante. O patrão determina o preço que vai pagar pela força de trabalho, e o
trabalhador aceita ou não. “Quem não tá satisfeito, que vá embora”, dizem os
donos dos negócios. E o trabalhador sabe, que sem os meios de produção, não
terá como garantir a sua vida. Vai fazer o quê, se não tem máquinas, nem o
capital para iniciar um negócio?
No caso da
periferia do sistema, em países como o nosso, os trabalhadores sofrem uma
exploração a mais. Além de já ter o salário rebaixado, enfrentam uma jornada de
trabalho estendida. Como os patrões têm máquinas que otimizam a produção, o
trabalhador acaba produzindo muito mais. Logo, ele vai morrendo e se
desgastando mais rápido enquanto o patrão vai enchendo mais os bolsos.
Podemos
observar isso muito concretamente na categoria dos jornalistas. Um tipo de
trabalhador que produz uma mercadoria muito especial: a informação. Esses trabalhadores
ganham, em Santa Catarina, um piso de 2.100 reais. É por esse valor que eles
vendem a força de trabalho que irá produzir as notícias. Esse valor pagaria
cinco horas de jornada, mas as empresas grandes exigem que os jornalistas façam
uma jornada estendida, mais duas horas. Então, a jornada fica sendo de sete
horas. Eles ganham hora-extra, é verdade, mas é um valor insuficiente para
garantir uma vida boa. No geral, essas sete horas são superdimensionadas porque
as novas tecnologias agora obrigam o jornalista a produzir muito mais, e mais
rápido. Com isso vem mais desgaste para o corpo e para mente.
Como os
meios de comunicação combinam espaços de texto impresso, fotografias, rede
social, página web e outras cositas más, o trabalhador é obrigado a cumprir a
função de vários trabalhadores. Ele tem de sair da redação, muitas vezes dirigindo
ele mesmo o carro, buscar a informação,
anotar, fotografar, postar no blog, tratar a foto, mandar a foto para o editor do impresso, redigir
a matéria, postar a matéria nas plataformas - várias. Muitas vezes, durante uma
cobertura de rua, por exemplo, é comum ver o mesmo profissional fotografar e
imediatamente postar nos blogs do veículo, carregando máquina fotográfica e
computador, em uma azáfama desumana de trabalho. Na verdade, um único
trabalhador está cumprindo a função de vários profissionais – pelo menos nove
funções diferentes – e recebendo como um. Imaginem então, quanto o patrão não
lucra com esse único trabalhador...
Esse é um
exemplo completo do que Ruy Mauro Marini, um teórico brasileiro da maior importância,
conceituou como superexploração, um modo de existir do sistema capitalista que
é típico dos países subdesenvolvidos.
Hoje, em
Santa Catarina, os trabalhadores jornalistas vivem mais um processo de busca de
melhoria salarial. Os donos das empresas sequer querem negociar, apesar de
registrarem lucros astronômicos, justamente por serem capazes de tanta
exploração. No ano passado, os
hipócritas que dominam os meios concederam um aumento de 10 reais. Um acinte,
uma provocação. Mas, os trabalhadores que só têm sua força de trabalho para
vender, que não têm as condições de eles mesmos criarem uma agência de
notícias, ou abrirem um canal de televisão, não têm o que fazer. Aceitam,
porque precisam continuar vivendo.
Só que
rebaixar salário não é suficiente para os barões da mídia. Eles ainda enxugam
as redações, demitem pessoas e exigem que os que ficam trabalhem mais e mais.
Até o esgotamento. Na verdade, os que produzem as notícias que cada pessoa vê
ou lê, são como os escravos nas galés. Obrigados a remar até a exaustão,
golpeados, chicoteados. E quando caem, são substituídos por outro, sem dó nem piedade.
Lembrem: o capital não tem moral. Pouco importam as gentes.
Agora, com a
alardeada crise na economia, é isso que acontece. Incapazes de perder um
centavo nos lucros, os patrões cortam na carne daquele que não tem os meios
para garantir a vida: o trabalhador. Se formos buscar nos balancetes das
empresas, as contas estarão equilibradas e os lucros possivelmente crescendo. Para
os capitalistas não existe crise. Existe rearranjo. A crise estoura é na vida
do trabalhador. Ele perde o emprego, tem o valor da tarifa do ônibus aumentada,
fica sem posto de saúde, sem educação. Vai perdendo vida. Mas, ninguém se
importa. A mercadoria estará ali, pronta para a venda, sem que quase ninguém
saiba o sacrifício daqueles que a produziram.
Na lógica da
alienação, nem mesmo o próprio jornalista que produz a notícia se dá conta de
todo o processo de exploração que está ali embutido naquela notícia. Um processo
que não começa com ele, mas que envolve uma cadeia de outros milhares de
trabalhadores e trabalhadoras que plantaram árvores, que as colheram, que
produziram o papel, que extraíram os minerais que compõe os computadores e
assim, sucessivamente. Numa simples notícia de jornal está condensada uma massa
tão grande de valor que só é possível por conta do sacrifício de milhares de
pessoas, exploradas até o talo.
Diante
disso, que fazer? A primeira coisa é entender o processo de produção. Não
perder de vista que o produto do nosso trabalho é fruto dessa cadeia de outros
trabalhos, que se faz num processo de superexploração, que nos mata lentamente
para que outros possam viver à larga, na abundância. A segunda coisa é se
organizar, nos sindicatos, nos movimentos de luta, nos coletivos. Afinal,
diante da força do capital – que detém não apenas os meios de produção, mas o Estado
e as forças de repressão – as saídas só podem ser coletivas.
No caso dos
jornalistas de Santa Catarina, sem poder de fogo o sindicato precisou apelar
para o dissídio, que significa deixar na mão da justiça a decisão sobre o
reajuste de salário. Mas, se a justiça é parte do estado e mancomunada com a
classe dominante, que se pode esperar dela? No máximo, dará uma sentença de
reposição da inflação, seguindo a regra da PEC 241 que para os trabalhadores
praticamente sempre existiu. Nada mais se pode esperar desse espaço de gente
ultra bem remunerada justamente para servir aos interesses dos que dominam.
Então,
estamos de volta ao começo. Só a luta coletiva muda a vida. Sair do torpor que
a superexploração imprime, conhecer o processos de produção, des/alienar e
lutar coletivamente. O sindicato sozinho não tem força para dobrar o patrão.
Ele precisa da presença do trabalhador e da força de luta de cada um e cada
uma.
Riscos? Sim,
todos! Mas, como diria José Martí, antes morrer de pé do que viver ajoelhado.