O chamado movimento “Escolas sem Partido”
não é uma novidade criada pela direita brasileira, muito menos saiu da cabeça
do Alexandre Frota. Como sempre, é uma cópia piorada de movimento semelhante
que existe nos Estados Unidos, desde os anos 80, conhecido como “No
Indoutrination”, no qual as escolas recrutavam estudantes para espionar os
professores considerados “de esquerda”. Os alunos escreviam relatórios sobre os
professores denunciando-os, caso eles falassem de qualquer tema que não fosse o
que estava estabelecido como verdade pela escola. Ou seja, censura total ao
pensamento crítico. E o que é pior, a formação de pessoas movidas pelo ódio, legítimos
dedos-duros. Pedagogicamente, um desastre.
Pois em 2004 um advogado brasiliense
chamado Miguel Nagib escreveu, a pedido do deputado estadual do Rio de Janeiro,
Flávio Bolsonaro, um projeto de lei que procurou incorporar os objetivos do
movimento dos ultraconservadores estadunidenses, apontando como “doutrinação”
tudo o que fosse crítico à história oficial ou aos pressupostos do liberalismo
vigente. E foi justamente esse Flávio, que é filho do deputado federal Jair
Bolsonaro, o primeiro a apresentar um projeto dessa natureza em maio de 2014, no
legislativo carioca.
Logo em seguida, seu irmão, Carlos
Bolsonaro (PSC-RJ), que é vereador na cidade do Rio de Janeiro, apresentou
projeto igual, só que na esfera municipal. Feita esse jogada, a proposta acabou
pipocando em todo país, surfando na onda de ódio ao PT, desatada já em 2013. O
foco, é claro, é impedir a construção de um pensamento crítico.
Em 2015, já com o fortalecimento das
bancadas da bala, do boi e da bíblia – extremamente conservadoras – o projeto
chegou à Câmara dos Deputados a partir do PL 867/2015, de autoria do
deputado Izalci Lucas, do PSDB. No ano seguinte lá estava no Senado também, com
mesmo teor, o PL 193/2016, apresentado pelo senador Magno Malta, do PR-ES, já
numa versão atualizada, incluindo aí também a proibição do debate sobre gênero.
A investida do conservadorismo foi se
espalhando, com propostas parecidas sendo apresentadas nas Assembleias dos
estados e do Distrito Federal. Alagoas foi o estado pioneiro. Lá, o projeto foi
aprovado com o nome de “Escola Livre”. Alguns municípios brasileiros
também se adiantaram e já aprovaram a proposta.
Para a professora Olinda Evangelista,
da UFSC, a proposta do projeto “Escola Sem Partido” é apenas uma das
expressões de um projeto educativo regressivo global, visivelmente conservador
e doutrinário, dentro do qual também se insere a reforma do ensino médio, em
curso agora no país, e que vem levantando os estudantes em protestos e
ocupações de escolas.
A professora lembra que essas
mudanças no ensino foram feita por medida provisória, e é a primeira vez que
isso acontece na história do Brasil, o que demonstra seu caráter autoritário.
Além disso, o Congresso Nacional, capitaneado pelos latifundiários, evangélicos
e conservadores de todas as cores, está querendo arrogar para si o direito até
de discutir os currículos das escolas, coisa que sempre foi atribuição do MEC,
mediado pelo Conselho Nacional de Educação. É uma ofensiva autoritária sem
precedentes na ainda jovem democracia brasileira.
Na verdade, argumenta Olinda, o que o
governo quer é criar duas escolas distintas. Uma, para os ricos – as
particulares, privadas e confessionais - continuarão tendo uma formação
completa, com filosofia, sociologia, arte, e tudo o que forma o espírito humano
crítico; e outra – pública - para os trabalhadores, alienada e de segunda
categoria, apenas capacitando os estudantes para o trabalho e para a
obediência. Além disso, a proposta de “Escola sem Partido” abre portas para a
criminalização de professores que ainda garantem um mínimo de pensamento
crítico dentro das escolas. Olinda lembra que o número desse tipo de professor é
pequeno, a maioria está totalmente alinhada aos conteúdos formais e alienantes.
Mas, o ataque é certeiro. Tem como objetivo calar o pensamento crítico, baseado
no vil instrumento do “entreguismo”, tornando o aluno um vigia do professor.
Coisa que no entender do educador Gaudêncio Frigotto quebra todo o processo
pedagógico que é baseado na confiança mútua.
Outro elemento importante do projeto
conservador é o fato de tornar o professor um mero repassador de conteúdo, sem
qualquer função educativa. A boa e velha educação bancária, analisada por Paulo
Freire e já superada.
O projeto de lei, que á praticamente
igual em todas as esferas legislativas, apesar de discutir a necessidade de “não
doutrinação”, em nenhum momento define o que seja efetivamente a tal da “doutrinação”.
Na letra da lei, isso parece estar amarrado no artigo 4, que diz o seguinte:
Art. 4º. No exercício de suas
funções, o professor:
I - não se aproveitará da audiência
cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente
política, ideológica ou partidária;
II - não favorecerá nem prejudicará
os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou
religiosas, ou da falta delas;
III - não fará propaganda
político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de
manifestações, atos públicos e passeatas;
IV - ao tratar de questões políticas,
socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as
principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;
V - respeitará o direito dos pais a
que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias
convicções;
VI - não permitirá que os direitos
assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro
da sala de aula.
Tudo parece muito sem sentido, uma
vez que isso que diz a lei é o que já acontece em qualquer escola. Difícil
acreditar que exista algum professor fazendo proselitismo partidário, por
exemplo. Isso não existe.
Mas, na página do movimento (www.escoalsempartido.org), é
possível entender melhor o que eles têm em mente quando falam em doutrinação: é
justamente o debate sobre questões críticas. Tudo isso baseado numa compreensão
preconceituosa da educação, policialesca e movida pelo ódio. Tanto que o enlace
que fala sobre os “exemplos de doutrinação” leva o nome de “corpo de delito”.
Entre os exemplos está o funk construído pelos alunos, discutindo a teoria
marxista do conhecimento, que é um método científico de apreensão da realidade,
sem nada a ver com a política rasteira, ou a política partidária.
A proposta não apenas impede o
professor de explicar o contexto dos acontecimentos e das teorias, como também
torna o aluno um completo imbecil, como se ele não fosse capaz de dialogar e
compreender o mundo a partir de várias abordagens diferenciadas.
O projeto da “Escola Sem partido”
torna “doutrinação” qualquer discussão sobre participação democrática e, de
maneira autoritária qualifica como “síndrome de Estocolmo” a “doença” sofrida
por alunos que defendem seus professores ou a sua escola, como é o caso dos
milhares de jovens que hoje se levantam na luta por uma educação pública de
qualidade.
Com base em
todas essas ideias pré-concebidas e sem qualquer cabimento o objetivo é, a
exemplo do movimento estadunidense, criar um canal de denúncia anônima para que
os próprios alunos acusem os professores. Uma situação muito parecida com a
caça aos comunistas na ditadura militar, na qual muita gente foi presa apenas
por ter sido denunciada pelos seus desafetos, sem que houvesse qualquer prova
de a pessoa ser uma comunista de verdade. Assim, a consequência mais nociva
seria justamente esse aprendizado para a deduragem. Uma formação para o preconceito e o
totalitarismo.
O professor Fernando Pena, um dos
integrantes do movimento que se organiza contra essa ideia nefasta (https://www.facebook.com/contraoescolasempartido/)
lembra que o projeto viola a própria Constituição Federal, que afirma que um
dos objetivos da educação nacional é justamente preparar para o exercício da
cidadania. E a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) reforça esses
valores. “No projeto deles, no artigo 2°, eles estabelecem princípios da
educação nacional. Mas a nossa Constituição Federal já estabeleceu esses
princípios. Se você conferir esses princípios no projeto do Escola Sem Partido,
irá encontrar “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico”. Ao olhar na
Constituição, verá “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”. Percebe?
Eles pegaram “pluralismo de ideias” nominalmente e excluíram “o de concepções
pedagógicas”, que está no mesmo artigo da Constituição”, garante Pena.
Na verdade, tudo o que o projeto de
lei diz já está de alguma forma na Constituição. O que a “Escola sem Partido”
faz é fomentar a perseguição unicamente ao pensamento crítico. Qualquer outra
bobagem poderá ser dita, desde que dentro da lógica capitalista e neoliberal.
Com isso, elimina o pluralismo de ideias e impõe o pensamento único. Ou seja,
faz justamente o contrário do que diz querer.
A considerar a conformação do
Congresso Nacional, dominado pelo pensamento ultraconservador, essa proposta
redutora e discriminatória da educação tem grandes chances de passar. E isso
fica ainda mais plausível se considerarmos a ação dos meios de comunicação
comercial que acabam formando um consenso na população. Depois da criação do
ódio ao PT e de colarem qualquer pensamento crítico ao tipo “petralha”, convencer
a população de que esse projeto é bom não é difícil.
Esta agora é uma dura e difícil
tarefa dos movimentos sociais críticos. Lutar contra o projeto e ainda
desconstruir esse consenso criado com maestria pelo braço midiático do sistema.
O professor Fernando Pena lembra que
os movimentos sociais esperaram se agigantar essa proposta, sem dar a devida
atenção, vendo-a, inclusive, como uma piada. Vê-se que não é. Agora precisarão
de muito mais força para mostrar aos pais, alunos e demais lideranças sociais
que, na verdade, este é o projeto de uma escola com partido, e um partido único,
alienante e alienador.
Os estudantes secundaristas,
que vivem a realidade da escola no cotidiano, são os que estão na linha de
frente dessa luta, ocupando escolas e mostrando qual é o modelo de educação que
querem ter. Ou seja, eles sabem que a escola que aí está sequer é crítica,
precisando avançar muito nesse campo. Retroceder daquilo que já é atraso aparece
como inimaginável e inaceitável, daí a resistência. E, num tempo em que a
comunicação e a informação está cada vez mais acessível – muitas vezes
disseminando ódio e preconceito - o pensamento crítico é também cada vez mais
necessário. Como diz o professor Nildo
Ouriques, a batalha não pode ficar só no plano da resistência. É necessário ir
para o ataque e não permitir que esse tipo de totalitarismo se estabeleça. A
luta é o único caminho.
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