Cartaz em ônibus, na Paraíba
Hoje vivi mais uma aventura no ônibus, esse latão do Rio Tavares,
espaço de histórias e assombros. Quem me conhece sabe que eu não resisto a um
vendedor. Creio que isso vem da minha infância e da postura do meu pai, sempre
comprado qualquer bugiganga que alguém
oferecesse na porta da rua. “Coitados”, dizia, “não é fácil vender nesses
tempos sombrios”. E os tempos, no capitalismo, sempre são sombrios.
Então, no ônibus, quando entram aqueles guris com os
papeizinhos, vendendo caneta ou balas de goma, eu compro. Não é musculação de
consciência, porque estou sempre na luta pela mudança dessa sociedade. Apenas
aplico a máxima do meu pai.
Pois hoje, estava eu, em pé, com livros e casaco nas mãos,
esperando que o busão saísse quando entrou a mulher. Toda desarranjada, com
aquela cara triste, vendendo balas de goma a um real. Entre os ocupantes do
ônibus, aquele desconforto. Parece que sempre que entra um pobre vendendo algo
ou um pedinte, todo mundo desvia o olhar. O pessoal faz cara feia, e resmunga.
Pode-se até ouvir alguém dizer: saaaaco. Ah, o pobre é sempre um incômodo.
Revirei a bolsa e achei um real, peguei a bala, sorri, e comecei a comê-las,
devagar. Mais ninguém comprou.
Logo que o ônibus saiu do terminal, um garoto veio lá da
frente. Estava bem vestido, era branquinho e parecia muito bem nutrido. Vendia
uma rifa. “Sei que é chato fazer isso no ônibus, mas sou da equipe de basquete
do Instituto e estou vendendo uma rifa para que a gente possa ir para a
competição”. E seguiu explicando que a rifa dava bons prêmios como uma Tv de
LED, tablet e outras coisas mais. Custava 2,50. Eu falei: “mas, o governo
estadual não deveria bancar a participação da escola nesse torneio? Não somos o
país das olimpíadas? Cadê o estado?”
O garoto me olhou brabo e disse: não precisa ajudar se não
quiser, e as pessoas no ônibus também ficaram me olhando atravessado. Estranhamente,
as mesmas pessoas que haviam desviado o olhar da vendedora de balas, acolhiam o
estudante bonitinho. Conversavam e compravam a rifa. Pelo menos umas seis
pessoas atrás de mim levaram um bilhete.
Fiquei pensando que a vida, nesse mundo sem humanidade, é
uma merda mesmo. Até mesmo os pedintes estão submetidos a uma avaliação de
classe. A mulher das balas certamente as vendia para por comida na mesa,
enquanto os que compraram a rifa só estavam pensando no prêmio que poderiam
ganhar. Implorei à grande deusa para a rifa ser falsa afinal, vez em quando,
também temos de destilar nossa dose de maldade.
Excelente reflexão sobre os diferentes olhares, julgamentos, medidas que aplicamos e vemos aplicarem no cotidiano da cidade. Parabéns!
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