Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Como sobreviver aos terminais urbanos depois das seis horas

































Voltar para casa depois de um dia inteiro na loucura do trabalho deveria ser uma bênção. Em Florianópolis, não é. Não para quem mora no interior da ilha, na região mais empobrecida. Enquanto moradores dos bairros mais próximos como Estreito, Coqueiros e Itaguaçu têm ônibus saindo de cinco em cinco minutos, quem vive no sul, por exemplo, amarga longa espera que pode variar de 20 até 50 minutos. Tempo demais para quem perde mais de duas horas num percurso de 23 quilômetros. Nessa hora vale falar mal do capitalismo, o estado, a classe dominante e todo o processo de produção que consome o trabalhador, extrai sua mais-valia e ainda o expulsa para as periferias das cidades. Mas, afinal, há que enfrentar o terrível cotidiano.

Nessa hora de angústia também nos assalta o terrível desejo de entrar no “confortável” mundo das drogas que, de certo, nos alienaria, permitindo que fizéssemos a travessia do inferno em relativa calma. Mas, essa é uma péssima opção, porque pode nos levar a outros infernos, ainda mais quentes. Então. Ao longo desse interminável calvário desenvolvi algumas técnicas que me permitem adentrar à loucura do Terminal Urbano depois das seis horas e chegar, intacta, em casa, sem nenhum surto de violência ou colapso mental.

Dez dicas infalíveis:

1  - Como o  Terminal Urbano Central é a primeira parada  - vindo da UFSC – e a passagem integrada tem validade de uma hora, a melhor coisa a fazer é sair do terminal e dar uma volta rápida pelo centro. Espairecer. Cinco minutos de pernada pela Conselheiro, Felipe e a gente já se anima.

2  - Uma paradinha no quiosque amarelo em frente ao camelódromo para uma cerveja, enquanto observamos a massa de gente fluir para o terminal. É bom ver aquele movimento todo, as pessoas, a correria. Aí, com a breja, tu já fica tontinho e pode atravessar o terminal no meio da multidão. Ants era no Mercado Público, mas agora, lá, virou ponto da burguesia e o bolso não alcança.

3 – Desenvolver técnicas ninja de ultrapassagem de pessoas, evitando amassamentos, cotoveladas e empurrões. Não é bolinho chegar até a fila do Rio Tavares. É preciso muito treinamento Jedi, mas isso pode ser conseguido nos finais de semana.

4 - Ter sempre à mão um mp3, com pelo menos mil músicas da sua preferência, todas em português ou espanhol, para que possas cantar bem alto, enquanto espera na fila pelo ônibus no qual irás sentado. O que significa que passarão quatro ou cinco carros até que chegue a tua vez. Cantar espanta os demônios. Nessa hora também vale balançar o esqueleto.

5 – Ter sempre na bolsa um bom livro para ler porque a jornada é longa. Com os engarrafamentos no elevado e na SC 405, muito tempo passará e certamente um “Crime e Castigo” vai todinho. Tem que ser um bom trabalho de descrição que é para agitar o cérebro. Há quem prefira ficar olhando o celular, mas isso não é legal, perturba demais a mente. Melhor um livro, melhor um livro.

6 – Carregar sempre um casaco na bolsa, mesmo no verão, porque a ventania no Terminal Rio Tavares é pura pankeira e não dá para enfrentar o vento suli de cara.

7 – Já no terminal Rio Tavares comprar um chá de mate para sorver enquanto espera mais trinta minutos pelo terceiro ônibus. Nesse momento, pode-se misturar o chá ao ponto 4, ouvindo música, e cantando enquanto não sorve o líquido energético.

8  - Depois que entrar no Castanheira, último carro da odisseia, basta esperar que chegue, enfim, o ponto perto de casa. No trajeto – de 30 minutos -  vá olhando as casas, os condomínios em construção, as pessoas com suas caras tristes, afinal, é sempre bom manter-se firme na realidade.

9 - Por fim, em casa, abrace os gatos e brinque com os cachorros. Eles te darão a energia necessária para enfrentar as tarefas domésticas que te aguardam e a certeza de que no dia seguinte tudo será como sempre.


10 – Antes de dormir faça um escalda-pés. Ainda é o melhor remédio para o corpo e alma. E claro, se tiver um vinho na reta, tome um pouquinho. Dizem que vale uma vida. Já na cama, abra o velho livro de cabeceira e leia algumas páginas. É tiro e queda para tornar a vida melhor. O capital: Karl Marx.

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