Fotos : Celso Réggio/Imbituba
De Florianópolis partiram os Guarani e outros militantes da
causa indígena. Seguiram para Imbituba, mais ao sul, onde foram participar de
um ato de protesto contra o assassinato do menino kaingang Vitor Pinto, de dois
anos, degolado no colo da mãe. Os Guarani se mobilizaram porque sabem muito bem
o que é o preconceito, a discriminação e a violência. Afinal, vivendo tão
próximos da capital e do mar, eles tem sido sistematicamente desqualificados
pela mídia comercial, que reforça a mentira de que os Guarani não são dessas
terras, que são preguiçosos e inúteis. Mês após mês, ano após ano, apesar das
ritualísticas matérias de 19 de abril, nas quais se idealiza um índio que nem
existe, a prática é de fomento do preconceito. Tal qual os negros e os pobres
eles são massacrados diuturnamente.
Assim como em Imbituba, cidade litorânea, onde a família de
Vitor foi buscar uma maneira de vender seu artesanato e garantir o alimento,
também Florianópolis recebe todos os dias famílias indígenas que buscam espaço
para a venda da cestaria, colares e bichinhos de madeira. São as estratégias
mínimas para conquistar o mínimo. Os Guarani do Morro dos Cavalos, por exemplo,
até hoje não conseguiram a demarcação definitiva de suas terras e precisam
lutar cotidianamente contra a discriminação e o ódio de toda uma comunidade que
não suporta sua presença nas margens da 101.
Por isso eles foram à Imbituba, liderados pela valente
cacica Kerexu Yxapyry (Eunice Antunes). Ela, que vive recebendo ameaças de
morte por parte de gente que vive dentro da terra indígena, sabe muito bem o
que é viver nesse fio da navalha entre a batalha por viver, e a luta por fazer
reconhecer o direito de existir. Eunice, tal qual a mãe de Vitor, também tem
filhos, e sabe o terror que é estremecer a cada barulho estranho vindo da
estrada. A vida dos indígenas é dura demais. Nem podem mais viver como viviam,
nem conseguem estar integrados a uma cultura que não é sua, tampouco podem
viver conforme suas tradições. É um constante desfazer-se, desenlaçar-se,
desenraizar-se.
Mas, para ir ao protesto em Imbituba não precisava ser
indígena. Qualquer pessoa - seja mãe, ou pai, ou filho - deveria ter apontado
suas velas para baixo daquela árvore que foi testemunha da morte de Vítor. Render
homenagem ao menino. Pensar coletivamente sobre a sociedade que temos
construído como humanos. Uma sociedade capaz de produzir o abandono dos
primeiros donos da terra, bem como a alma em escombros do garoto que puxou a
faca e tirou a vida de Vítor.
Uma reportagem feita pelo jornalista Renan Antunes levantou
vários elementos sobre quem é Matheus Ávila Silveira, o garoto de 23 anos que
está preso como principal suspeito do crime, uma vez que ele mesmo chamou a
polícia e se entregou. Ouvindo familiares e vizinhos do rapaz, Renan traça o
perfil de abandono e sofrimento que
teria levado Matheus a caminhos tortos, os quais desembocaram naquele 31 de
dezembro, na rodoviária de Imbituba. Ou seja, o assassino aparece como vítima
de violência, preconceito e discriminação, os mesmos elementos que permeiam
cotidianamente a vida do povo indígena.
Ainda não se sabe o que, de fato, levou Matheus a escolher
aquele menino em particular. Se foi um crime racial, se foi um ato de loucura.
Nenhuma informação foi liberada pela polícia que segue na busca da arma do
crime e de outras evidências, visto que têm 30 dias para finalizar o inquérito.
Enquanto isso, os parentes indígenas tratam de não permitir
que tudo seja esquecido. E, com fitas vermelhas no pescoço, simbolizando o
sangue derramado do inocente, eles manifestaram sua dor, acompanhados de outros
militantes da causa indígena. Em Chapecó, também o povo Kaingang realizou uma
ato público, exigindo os motivos do crime. Para os familiares, que perderam
Vitor de maneira tão brutal, faz-se necessária a justiça. Mas, a todos parece
cruel demais vivenciar a dor de uma vida de exclusão e ainda ter de prosseguir
sem entender o que aconteceu de verdade naquele dia em Imbituba. Por quê? Por
quê?
E assim, enquanto a vida segue, no verão catarinense de
praias lotadas, essa pergunta ficará martelando a cabeça daqueles que se
importam.
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